segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Democracy`s is in every box

Faz tempo que os dois protagonistas - Reinaldo Escobar e Carlos Verdecia - apresentaram Democracy`s is in every box num dos itinerários blogueiros, transformados hoje em academia.

O primeiro foi vítima de um mega comício de repúdio neste mes - estou coneçando a imaginar que foi um exercício do Bastião 2009; enquanto que o segundo faz quase um ano "pulou o pântano" para respirar um ar menos viciado e caminhar por ruas sem dono.

Agora o encontro por acaso no You Tube, apesar de muita água ter corrido por debaixo da ponte desde a premiere na casa de Yoani, não me fica a menor dúvida: Democracy`s is in every box, in every kilobyte que consegue entrar nesta Ilha.

sábado, 28 de novembro de 2009

Adeus ao xampú


Foto: Claudio Fuentes Madan

Tenho, como se diz por aí, o cabelo "bom". Não uso condicionador, uso qualquer tintura e meus gastos com xampú não excedem 2 CUC. Até agora tudo havia funcionado perfeitamente: Sedal, Four Seasons, Natural ou Cosas de Botica são as marcas nacionais, sempre em CUC, porém as mais baratas. Para lavar a cabeça - desde muito tempo - tem-se que pagar em "moneda dura" (CUC), que nunca chega com o salário.

No mes passado tudo começou a se complicar. Por alguma misteriosa razão a qualidade do xampú está baixa, lavo a cabeça e parece arame. Minhas amigas comentam também, é como se de um momento para o outro fôssemos obrigados a comprar "al duro" (com CUCs), bem caro.

Atordoam-me os comentários, um ambiente apocalíptico me circunda no passeio habitual. Enquanto cada vez comprar torna-se mais caro e os produtos são piores, aumenta uma conjetura popular sobre a escassez - se isto ainda é possível - a Paranóia Cotidiana: virão mais apagões, desaparecerão das lojas todos os produtos importados, acabarão com a caderneta (de racionamento), o CUC baixará ou subirá (esta bola* é a mais instável de todas), estão criando brigadas de resposta rápida de novo, etc.

O pior é que pouco me importa, estou cansada da premissa "sempre pode piorar". As vezes questiono quanto pior podemos imaginar a nossa realidade, até onde somos capazes de extender o limite do nosso "viver mal" social. Não ganhar um salário decente, aplaudir com cara de adoração ou gritar como uma horda primitiva, suportar a propaganda política, não dissentir, viver a moral dupla, não pensar, não falar, desconfiar, delatar, não escrever, não sair à rua, comer mal, não poder consertar a casa, não viajar e não lavar a cabeça parece não ser suficiente ante o novo mal: a coisa vai ficar preta.

*Bola: conjeturas que circulam de boca em boca e que tentam "adivinhar" os movimentos econômicos, políticos ou sociais do futuro imediato, a maioria das vezes em contradição com a informação oferecida nos meios de difusão de massa.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O DSI e os visitadores



Foto: Claudio Fuentes Madan

Lembro-me das visitadoras de Pantaleão e não posso evitar de notar uma relação entre as novas ocupações dos seguranças e o nome da novela de Mario Vargas Llosa. Em menos de duas semanas quase todos os meus amigos foram "visitados". Os "encontros" variaram em seu grau de formalidade - não de legalidade, visto que os orgãos de segurança do estado não se regem pela legislação vigente para o resto dos mortais - e vão da Citação Oficial sem explicação prévia, passando pelo sequestro e chegando ao recadinho desconcertante: "Faça-me o favor, diga-lhe que passe por aqui".

Por sorte minhas amizades reagem com calma, alguns até com um tremendo senso de humor. Receberam mensagens de todo o tipo, porém entre as mais patéticas estão estas duas:

-Boa noite. Diz `a teus amigos que fiquem tranquilos, já podes ir.
-Isso que o advogado Vallín ensina na Academia Blogueira é tudo mentira - estamos terminando filosofia grega, as últimas duas aulas foram sobre Aristóteles.

Parece-me penosa a situação dos orgãos de inteligência: lidar com um grupo de jovens que se dedica a estudar, pintar, ou escrever deve ser bastante decepcionante. Suponho que quando se graduaram acreditavam que salvariam a pátria de agressões externas, protegeriam a sociedade do crime organizado e lutariam contra a corrupção social e governamental. Quão triste deve ser olhar para a única coisa que serviu tanto esforço, reprimir e acossar rapazes! Quanta inveja devem sentir dos seus homólogos seguranças pelo mundo afora, desmantelando redes criminosas e salvando civis; enquanto eles anos após anos esfregam as mãos do poder, sem conseguir tirar a mancha roxa úmida que lhes reveste a cara e a roupa.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Quem está por trás de Rodney?



Foto e texto: Claudio Fuentes Madan

Tenho neste exato momento enormes dúvidas sobre que forma deveriam tomar minhas palavras para narrar e expor o acontecido na última sexta-feira, 20 de novembro de 2009, na já conflituosa esquina de 23 e G. Queria gravar jornalísticamente com a minha câmera de vídeo, um duelo verbal que suporia e proporia, acima de tudo, o início de uma conversação absolutamente pacífica entre duas pessoas: REINALDO ESCOBAR e o AGENTE RODNEY. O encontro pretendia esclarecer um caso de abuso e violência ocorrido duas semanas antes - levado a cabo por agentes da cada vez mais encoberta e subreptícia segurança do estado contra Yoani Sánchez, esposa de quem tentou, ao menos, um encontro ético para trocar palavras e critérios de índole variada.

As dúvidas que acompanham minhas palavras vêm também com medos que tentarei diluir e controlar, com o único desejo de evitar a autocensura que impediria qualquer leitor de obter a simples verdade do que percebi com meus sentidos. Fui um cidadão a mais que participou de uma atividade que se foi transformando num estranho festival de trolls (tradução por aproximação - monstros). Inclusive quando tentaram paralizar-me com ameaças disfarçadas de doces conselhos para um futuro de liberdades obscuras, advertindo-me que estava para ser preso e até me perguntando até onde estaria disposto à isto. Medos que só deixarão de serem pesos na medida em que se denuncie toda violação dos direitos próprios e alheios mais elementares, para não ter que "suportar a pata da vaca e nem dar um beijo no açougueiro, que mancha o avental impecável com sangue". E agora ao cerne da questão, porque fico, quase sempre, aborrecendo todos com meus extensos floreios.

Fui detido quando filmava a detenção de Silvio Benítez (que se manteve o tempo todo ao lado de Reinaldo Escobar enquanto eram apertados pela turba excitada) já nos momentos finais da atividade me confiscaram, dentro do automóvel que me conduzia à unidade policial, o cartão da minha câmera de vídeo. Continha todas as imagens que havia tirado como documento histórico dos feitos, e que contudo hoje, dia 22, ainda não foi devolvida, violando impunemente o artigo 19 da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS; "Todo indivíduo tem direito a liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui o de não ser molestado por motivo de suas opiniões, e o de difundí-las sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão." Parece que não sabem que o governo de Cuba diz-se um signatário portentoso da dita declaração, pelo que suspeito que ou Raúl Castro não informou corretamente seus subalternos para fazer cumprir adequadamente a declaração, ou estão arrasando este maravilhoso parágrafo sem misericórdia, com total impunidade e cagando quanto a notícia. Procedimento raro.Incluo a notificação verbal por parte do oficial ou agente que atendeu meu caso: "Tuas imagens serão devolvidas", embora nos momentos finais me tenha informado que a memória estava estraviada por enquanto, pediu-me um voto de confiança e disse que me avisaria por telefone para sua devolução. Esperarei o prometido e minha paciência é, obrigatoriamente, insuperável, ainda que seja muitas vezes precavida com sarcasmos.

Quando cheguei na delegacia de polícia me esclareceram que estava alí detido única e exclusivamente para me protegerem da reação do povo excitado, numa luta aberta contra um grupo minoritário de pessoas que pediam diálogo em igualdade de condições. Reinaldo Escobar e os poucos amigos que estiveram com ele até o final eram catalogadas pelo conjunto de trolls disfarçados de povo, como mercenários, vermes, contrarrevolucionários, etc. Que estranho setor do povo é esse, que mistura um ato de resposta política com trajes típicos e banda de música popular? Parceria orientada para aplacar o som que deveria ser gravado por câmeras e aparelhos de áudio, para engrossar e confundir o sentido do ato com sua presença no enquadramento das imagens, tanto da imprensa estrangeira como dos jornalistas oficiais e independentes que, como objetivo comum, tinham todos o dever e o direito de gravar e capturar os fatos. Tamanha calúnia contra o conceito de povo, também contra esse outro grupo que posso chamar de nós, os sem comparsas, os que por pensar e expressarem-se diferente devem estar, momentaneamente, excluidos de toda aceitação e respeito, e que irremediavelmente são parte desse todo contraditório que é Cuba.

Isso que os agentes da ordem e a polícia decidiram chamar de POVO, acredito, não é uma representação integral do mesmo. Nem creio que o real povo cubano tenha tradição de se comportar dessa maneira. Devo informar que em nenhum momento sentí que essa massa estivesse a ponto de violentar minha integridade física, mesmo que algumas pessoas fossem golpeadas, drásticamente empurradas e acuadas. Compartilhei com elas na delegacia de polícia olhares e apertos de mão já que nos proibiram de falarmos entre nós, bem como o uso de telefones celulares. Estas medidas proibitórias, aplicadas sobre "pessoas protegidas" de uma massa de conduta extremista, não acredito que sejam orgânicas em relação ao trato ameaçador de que fomos vítimas naquela unidade. É uma lástima total que se hajam perdido as imagens que minha lente capturou, mostrariam isto em plenitude. Oxalá outras câmeras tenham material que revelem parte do ocorrido.

Enquanto a turba rodeava e quase asfixiava Reinaldo Escobar e amigos que aferravam-se entre si para, precariamente, protegerem-se uns aos outros, podíamos ver como parte da polícia nacional revolucionária, postada na avenida em pequenos grupos de dois, tres, quatro até mais, contemplavam o tumulto evidente de gritos agressivos sem intervir. Parecia estar claro que as ordens prévias incluíam essa vista grossa com um setor do povo de que precisamente se espera, e será perdoado por parte das forças repressivas, uma atitude igualmente repressiva, com total incapacidade para escutar antes de tomar determinações violentas e precisar um critério. Esse setor popular que se comete uma atrocidade, não será castigado ou recriminado, preferencialmente justificado logo como algo ocorrido: lamentável porém necessário. Como quando nos anos 80 com as saídas migratórias através do porto de Mariel, o povo açulado por quem já se sabe bem, massacrava com comícios de repúdio, ovos, exclusões de trabalho e golpes os que decidiam ir, enquanto nossas forças da ordem nunca emitiram uma denúncia contre este tipo de ações nem os chamou à cordialidade e ao respeito.

Na sexta-feira, conheci como Claudia Cadelo e muitos outros, a onda de terror, a dificuldade que é a liberdade de pensamento e sua expressão orgânica e direta. Conheci também que os indivíduos têm, ainda que seja, um mínimo de poder ao não se saberem sós, de ter algo que dizer e de estar dispostos a manifestá-lo por qualquer meio ou canal possível. Hoje reafirmei mais do nunca, que toda decisão ou idéia tem um preço altíssimo e queiras ou não, terás que pagar numa moeda ou noutra. A vida sempre nos ganha mesmo se nela formos contemplados com êxitos variados.

sábado, 21 de novembro de 2009

O terror


Foto: AP
A rua tomada por centenas, eu absolutamente não o esperava. Sei que a qualquer momento deixarão de ser pessoas e se converterão em máquinas de reprimir. Silvia e eu filmamos dentro de um carro, deixo-a em algum ponto longe do olho do furacão e volto à 23 com G. Estou muito assustada, com a câmera na mão Claudio mistura-se à imprensa internacional. Vejo quase todos meus companheiros de academia - alunos e professores. Beijo Reinaldo, faz uma brincadeira sobre as televisões, porém eu não posso rir. Quero dizer-lhe - Vamos correr! Contudo me calo, estou no mundo irracional, a pouca prudência que ainda tenho controla meus impulsos.

A minha direita há uma parede humana e uma mulher gesticula, o horizonte não existe. Eu sei, em instantes nos caem em cima, são uns quatrocentos e estou aterrorizada. Caminho para trás, não posso evitá-lo. A imprensa concentra-se em torno de Reinaldo, o ar já não é respirável. Uma das minhas companheiras de classe me diz - vamos para lá, onde estão as câmeras - não vás, digo-lhe, vão nos arrasar. Creio que por segundos corro e chego no Riviera, tenho a cabeça a mil...fugí, que horror. Volto sobre meus passos, não posso nem pegar o celular, a avalanche passa em frente gritando: Fidel!, Fidel! e nos arrasta a todos. Imediatamente tenho uns tipos atrás, um grita com lascívia: Isto está bom hoje!

Numa esquina Lía, Vallín e Iván sobreviveram À Onda. Ela se aferra ao seu laptop enquanto os outros estão numa espécie de calma reveladora - não têm medo! - penso. Mais tarde me disseram que estavam asustados, espero algum dia conseguir dominar-me como eles.

Lamentávelmente agora mesmo não posso parar no lugar, estou tremendo. Agarro Lía, paro um táxi e entro, mando uns twits, digo ao taxista que vou para Novo Vedado. Cruza a G e lhe peço que regresse. Dobramos a F e entramos na Avenida pela 21, uma Torrente Humana se move da esquerda para a direita, jamais ví coisa mais impressionante: há gritos, socos, figurantes, policiais, gente histérica, estudantes e uns cordões da segurança do estado que correm fazendo círculos de um lado para o outro. O tráfico está desviado por tipos vestidos de civil, um ciclista é empurrado rua acima, diante de nós, por um segurança gritalhão - Vai! Vai!, vaza!

Chamo Yoani - isto está fora de contrôle, vou para lá - estou convencida de que estão todos inconscientes e nós passaremos a noite chamando delegacias e percorrendo hospitais. Eu imagino Reinaldo caído na rua e esses selvagens passando-lhe por cima. O taxista está estupefato, pega um celular e faz umas fotos.

Quando chego, Reinaldo já havia chamado, não posso acreditar porém me calo. Entra pela porta e faço-lhe ver que digam o que disserem: estão vivos por milagre. Hoje o governo colocou, intencionalmente, as vidas de um grupo de pessoas em perigo. A partir deste instante responsabilizo os orgãos da segurança do estado e Raúl Castro por qualquer coisa que possa acontecer aos que hoje - depois de haverem sido arrastados por uma horda, golpeados, interrogados e detidos - finalmente chegaram em suas casas:*

-Marleny González
-Yoan Hernández
-Yadamí Domínguez
-Frank Paz
-Wilfredo Vallín
-Eugenio Leal
-Pastor Manuel
-Iván Garcia
-Silvio Benítez
-Jose Alberto Álvarez Bravo
-Lilia Castañer Hernández
-Lianelis Villares

Hoje fui covarde e me repreenderei sempre, hoje descobri O TERROR.

"Faltam-me alguns nomes de pessoas que ou não conheço ou não pude ver, prometo atualizat a lista o mais rápido possivel.
Um resumo de todo o ocorrido em Penultimos Dias.

Nota: Temos um vídeo bastante completo de todo o sucedido, é muito grande e não consegui fazer upload. Amanhã tentarei de novo.
Aqui está o vídeo:

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Yoani Sánchez e Barack Obama: Perguntas e Respostas



Presidente Barack Obama em Geração Y: Agradeço esta oportunidade com que me brindas para compartilhar impressões contigo e com teus leitores em Cuba e no mundo, aproveito para felicitar-te pelo prêmio María Moors Cabot da Escola Graduada de Jornalismo da Universidade de Columbia que recebeste por promover o entendimento mútuo nas Américas mediante tuas reportagens. Decepcionou-me que te impedissem de viajar para receber o prêmio pessoalmente.

Teu blog oferece ao mundo uma janela particular às realidades da vida cotidiana em Cuba. É revelador que a Internet haja oferecido `a ti e à outros valentes blogueiros cubanos, um meio tão livre de expressão, aplaudo estes esforços coletivo que fazem seus compatriotas para expressarem-se através da tecnologia. O governo e o povo estadunidense nos unimos a todos vocês em antecipação ao dia em que todos os cubanos possam se expressar livre e públicamente sem medo de represálias.
Ler a entrevista completa aqui.

O tamborete

Foto: Claudio Fuentes Madan

Nunca participei de uma reunião da juventude e muito menos de uma do partido. Com certeza posso imaginar as caras, o ambiente, o ar e as intervenções de muitos dos presentes. Desde que nasci quase toda minha família vivia de reunião do núcleo em reunião do núcleo.

Na época dos cartazes "O Partido é imortal" por toda a cidade, os militantes começaram a chamar suas reuniões "del Imortal". Acostumei-me a escutar frases como "Não posso te ver esta tarde, reúne-se o Imortal'. Pela cara das pessoas se deduzia que aquilo era o mais chato do universo, suponho como que uma assembléia de grupo na escola secundária multiplicada por um milhão.

Uma dessas amigas contribuintes da Imortalidade, lá pela época do Elían, ainda assim levantava a mão e mandava suas "críticas construtivas de dentro" - consta que já abandonou o longo caminho da Eternidade. Nesse dia, como de costume por aqueles dias, falava-se do caso do menino. Minha amiga levantou a mão:

-O comandante quando fala da escola de Élian González menciona sua carteira. Será que ninguém se dá conta de que Élian senta-se numa mesa? Porque não podemos corrigir esse erro do Comandante, e como esse, muitos mais?

Um dos presentes levantou-se com firmeza e sem esperar sua vez desafiou-a:

-Companheira, saiba você que Fidel disse tamborete...eu digo TAMBORETE!

A reunião acabou sem maiores consequências, porém desde então o homem é popularmente conhecido no núcleo do partido como "O TAMBORETE".

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Pobres vacas

Recebeu-me na porta desse modo - tens que ver isto, as vacas com a cabeça no ar condicionado, porque dão mais leite! Com certeza não entendi nada. Que vacas, que leite, que ar condicionado? Para cúmulo os tres produtos me são pouco familiares: nunca vejo vacas, rara mente tomo leite e o ar condicionado é um dos meus objetivos à alcançar antes dos quarenta.

Tratavam-se de imagens de arquivo dos anos sessenta. Fidel Castro parecia haver descoberto que se as vacas tinham a cabeça introduzida na climatização enquanto o resto do corpo continuava na temperatura ambiente...produziriam mais leite.

Quase não podia acreditar, compreendi que a loucura da mesa redonda havia começado 30 anos antes de que eu nascesse. O delírio foi cotidiano desde 1959 e o experimento, além da espécie humana, perturbou também o reino animal.






sexta-feira, 13 de novembro de 2009

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Regresso à cotidianeidade


Foto: Claudio Fuentes Madan

Os dias passam e tudo vai voltando a ser como antes. Yoani ainda de muletas e Orlando que se nega de ir ao médico, mesmo assim as ruas vão se parecendo de novo as ruas da minha cidade. Havana dos medos dissimulados, da pobreza que ninguem quer ver, da polícia reprimindo e corrompendo, da segurança trapaceira, da gente sem Fé e da arte decadente.

De novo os minutos de liberdade são contados no turno de hora e meia no Chaplin durante o ciclo de cinema polones. Outra vez vem meu amigo me pedir a versão atualizada de Voces Cubanas. A gente fala da situação econômica muito baixo, olhando de soslaio, a política fracassada do govêrno.

Vou no ônibus e vejo os meninos do MININT, creio que não chegam aos 18, com a mesma cara de abulia que têm todos os demais. Não posso deixar de me perguntar até onde chega a irracionalidade dos pais. Sorrío cada vez que os protagonistas da indisciplina social em pequena escala (no P4 somos a maioria por larga margem) dão o dinheiro ao chofer e não o jogam na caixinha, jogando-lhe na cara todos estes spots televisivos que dizem que ao pobre chofer não há que se dar nada: tudo para Papá Estado, Senhor Absoluto.

Vou caindo de novo em mim e olho as pessoas ao meu redor. Cansados e suados regressam às suas casas, uns rapazes diante de mim explicam como conectar dois computadores em rede, guardo porque se um dia me faz falta: cortar o cabo, unir o primeiro com o sexto e o segundo com o quarto. Imagino-os salvando uns civis de sequestradores sem documentos que dizem ser o poder supremo. Algo me diz que não falta muito para que cheguemos neste ponto, para que a solidariedade cidadã floresça nesta ilhota.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Prefiro vítima do que carrasco



Foto: Fotos Cuba Hoy

Não queria escrever, minha paranóia me dizia que deveria esperar estar outra vez no meu juízo perfeito. Nestas últimas 48 horas tenho estado irascível, ferina, histérica, compreensiva, maternal e com instintos assassinos...quis matar e quis salvar. Senti-me agradecida à polícia por proteger-me da segurança do estado e quis arrasar esse corpo que responde ante ordens de desconhecidos. Desejei estar no corpo de Yoani e sofrer a dor, senti-me merecedora de cascudos ou digna de liderar o Juízo Final. Imaginei-me capaz de perfurar a cabeça dos que na sexta-feira golpearam Yoani e Orlando e a mim não, e tenho me perguntado por que. Perdoei e voltei a julgar.

Senti a culpa e culpei, tenho me perguntado tantas coisas que não tenho tempo de me responder. Tratei de reconstruir os fatos dois milhões de vezes porém creio que as lacunas são cada vez piores. Não recordo se twittiei da patrulha, não sei se o primeiro twitt foi quando me agarrava com fervor na cintura de Yoani ou quando via suas pernas pendendo do carro preto da segurança. Não lembro se chamei, se não chamei, à quem chamei. Nem sequer me lembro da cara do segurança que ia ao meu lado. O que sei é que aguentava a vontade de vomitar todo o tempo, arrependo-me de não haver lançado todo o café que tinha no estômago em cima do meu repressor...nesse momento tratava de parecer forte.

Uma escritora amiga me disse: Para que esperas, cada vez que escreves te desvelas, não há nada que possas ocultar. Tem razão, dá no mesmo que o saibam: a brutalidade me confunde, o abuso me dá vontade de chorar, a injustiça me abala e tenho tido que lutar nestas últimas horas com um Ódio profundo que me quer assumir.

Só uma imagem me libera, imagino o diálogo do quebra-ossos com seu filho:

-Papai, o que te ensinaram na academia?
-Ensinaram-me a bater forte sem que fiquem marcas.

Então acaba-se a fúria e o repúdio, porque uma profissão tão ruim e desprezível não desperta nenhum sentimento em mim.

sábado, 7 de novembro de 2009

Violência contra a não violência



Sexta-feira, academia blogueira, terminamos a aula de cultura cubana com Miriam. Ambiente descontraído: os Taínos e os mitos. Antes de ir-se Iván me disse - Nos vemos as cinco e meia. Soubemos por amigos, sabíamos que Aldo, Luis Eligio, Amaury e outros jovens iam caminhar hoje pela 23 e G até L com cartazes contra a violência. Uma marcha cívica num país onde o civismo foi isolado pelo totalitarismo, onde o poder envelheceu e os últimos estertores de um sistema que se esboroa são uma resposta cega, chilique puro.
Ficamos, Orlando Luis, sua noiva, Yoani e eu congregados e fazendo hora para a marcha. Saimos da casa nervosos porém convencidos de que não estariamos sós. Pela rua G Orlando ia dizendo piadas das quais não me lembro porém que me faziam rir as gargalhadas. Um homem se masturbava em pleno dia em Zapata, Havana era como sempre. A parada do P11 estava repleta, 27 e G, a unica esquina onde se pode pegar algo que te leve para Alamar.
O carro apareceu do nada, chapa amarela, modelo chines novo: dinheiro para reprimir. Vamos tranquilos, me disse Yoani de brincadeira e os tipos se abaixaram com cara de não estar tranquilos, deve ser triste ser um valentão. Negamo-nos a entrar no carro, eram tres e nos ameaçavam:

-Entrem no carro agora.
-Deixem-nos ver seus documentos ou tragam um uniformizado.

Orlando tinha seu celular na mão. "Pardo não graves" - disse o de camisa alaranjada -peguei o meu. Ninguém me deu importância, enviei o primeiiro twitt...
Em menos de tres minutos chegou uma patrulha, um casal de policiais - mulher e homem - olhavam estupefatos a cena. Cumpriam ordens ligeiramente em câmera lenta, a mulher me disse:

-Não resistas.
-Eles estão sem documentos - ocorreu-me esclarece-la.

Yoani se agarrava numa moita, eu na cintura de Yoani e a mulher me puxava por uma perna. Haviam arrastado Orlando, ficou fora do meu campo de visão. Um homem na parada olhava com cara aterrorizada, as pessoas não diziam nem meia palavra. A oficial, muito jovem, me deu uma chave que me deixou imobilizada, podia ter esperneado um pouco porém fiquei atônita ao ver as pernas de Yoani saindo pela janela de trás do carro da segurança do estado.
Enfiou-me na patrulha enquanto eu gritava:Yoani!, Yoani! Porém me dei conta de que ninguém poderia ouvir-me, tudo estava herméticamente fechado, a mulher de Orlando forcejava com o policial, o corpo de Yoani era enfiado a empurrões de cabeça no carro e o telefone de Orlando saiu voando pela janela...enviei o segundo Twitt, com a esperança de que alguém entendesse mal ou bem o que eu conseguia teclar.
A garota policial subiu na patrulha e me disse:

-Porque resististe? Não queremos golpeá-los.
-Quase me rasgas a camisa - disse o outro da PNR (Polícia Nacional Revolucionária) - enquanto enfiava a noiva de Orlando no carro.

Viam-se envergonhados, por um momento acreditei que nos pediriam desculpas:

-Vocês tem suas identidades em cima? - disse ela quase docemente - e nos entregou o telefone de Orlando que soava sem parar.

Desgraçadamente chegou o de camisa alaranjada, entrou e fechou a porta...ficou ao meu lado. Os policiais se calaram o começou o diálogo.

-Claudia, desliga o telefone.
-Esquece.
-Que nojo - disse a noiva de Orlando.

O resto puro insulto, bronca surrealista.

-Teu nome não passará à história - enfatizou.
-Não me importa, porém tu nem sequer tens nome.

Quando desci do carro virou para G.

-Então será pior.
-Tuas ameaças são o teu medo. Estão no fim.
-Palhaça.

Colocar o pé na esquina da casa de Yoani me deu vertigem, não havia luz no edifício, não podia ligar para o celular de ninguém e estava ficando sem saldo. Nisso recebi a primeira chamada com um 00 em frente e soube que nada havia sido em vão, inclusive se todos haviamos sido presos e a marcha suspensa. Quando mais tarde assisti o video que Ciro me trouxe soube com certeza: estão perdidos, a contagem é regressiva.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O personagem Tabo, 2009


Estão retransmitindo "Sua própria guerra" na televisão e parece que estou assistindo uma série extraterrestre, de um país onde as pessoas falam e se movem como no meu porém que não o é. Uma espécie de novela de Ray Bradbury, onde os alienígenas são idênticos a nós salvo por pequenos detalhes, porque somos nós em outro tempo e outro espaço. Talvez poderia compará-la também a um Discovery Chanel onde nos explicariam que o homem povou a terra por duas vezes, o documentário se aprofundaria na civilização daquele homo sapiens que uma vez, antes de um desastre natural X, ocupou o mundo em que nós vivemos agora, milhões de anos depois.

O pobre Tabo de hoje não estaria orgulhoso de ser infomante da polícia, chantageado pela PNR (Polícia Nacional Revolucionária) buscaria desesperadamente a maneira de subir numa balsa para sair batido do país antes que o descubrissem no bairro. Sua esposa, que quando não era malfeitor, passava fome e não podia alimentar sua filha, jamais lhe havia perguntado de onde saía o dinheiro que trazia para casa e seu humor, longe de piorar pelas novas relações de seu companheiro, havia se adoçado. Ele nunca pode dizer-lhe que era da PNR, pois o divórcio haveria sido ipso facto.

Com boa sorte e aproveitando sua posiçao privilegiada em ambos os bandos, nosso herói de 2009 talvez encontrasse o modo de tocar um "negocinho" que lhe permitisse atingir as metas* para que o deixassem avançar e o protegessem. Com o tempo acolheria em sua rede de corrupção "não registrada" a mesma quantidade de policiais quanto de delinquentes.

* Meta: Polícia

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Pomba da liberdade


Foto: Claudio Fuentes Madan

Na escola primária zombavam de mim porque eu não falava palavrões, no sexto ano fui premiada como Beijo da Pátria e quando entramos na secundária senti como um soco no peito. Meu desconforto não era porque eu tinha sido verme desde pequena, mas sim porque me parecia que a Beijo da Pátria deveria ser eu, que bastantes comunicados havia escrito e lido, também, além disso, ela era linda, tinha um restaurante ( paladar) e eu era gorda e com o pai em desgraça.

Porém na secundária fomos juntas para um campo de batatas doces, uma ao lado da outra desmatando canteiros infinitos, matando vermes e estreiando juntas o título de Brigada Não Cumpridora: ficamos amigas. Em tres anos mudamos de meninas para adolescentes juntas e não houve um instante entre meus 12 e meus 14 em que não houvesse estado - em boas ou más - ao meu lado. No nono grau - apesar de nossas boas notas - já éramos famosas negativamente: ouvir rock, ler novelas "complicadas" e sermos as mais excêntricas possíveis nos custou caro, à mim em casa e à ela na escola.

Aos 14 anos passou por um Conselho Disciplinar em aula, alguns alunos se levantaram e a denunciaram: fuma, ouve rock and roll, fala coisas indevidas, reúne-se com elementos antisociais, etc. Apesar de ter tido 100 de média não pode ser a primeira da lista, relegaram-na ao terceiro lugar. Nesse mesmo ano sua família ganhou o bombo (loteria de emigração) e foram-se todos para os Estados Unidos, estivemos quase dez anos sem nos ver e ainda que já não aspiremos nem a ser o Beijo da Pátria nem a entender a origem do universo - entre outras ambições - continuamos sendo amigas.

Veio a pouco e pôs-se em contato com o grupo da secundária, aquele que um dia quis tirar-lhe seus direitos acadêmicos a força de ideologia extremista. Para a minha amiga já não importa, chamou em nome dos velhos tempos, da adolescência perdida e da nostalgia. Com certeza uma das garotas que mais lhe apontou o dedo não havia esquecido. Para a antiga denunciante tudo aquilo significava algo mais: tirar do peito a culpa de repressor, de delator e de injusto. Pediu desculpas à antiga vilipendiada e eu não sei se respira melhor a partir desse dia. Alegro-me pelas duas.