domingo, 31 de maio de 2009

Motivo 1



Na sexta-feira meu telefone deixou de funcionar, parecia que estava cortado, assim foi que chamei o 114 pra ver o que acontecia. A garota da recepção me disse que estava desconectado por decisão do Escritório Comercial. Como não tinha atrasos no pagamento nem nenhum tipo de problema, fui à Etecsa na 19 e C (ruas) no Vedado, meu Escritório Comercial.

Nada além de entrar e explicar o problema, uma garota teclou o seu computador e grunhiu: não estou para problemas, isto é um "Motivo 1"! Vai lá dentro para ver Fulanita. Fulanita logo tratou de me comunicar com uma coisa chamada MLC e não conseguiu falar com ninguém, teclou algo, por sua vez alguma coisa (aconteceu) em seu computador e me disse sorridente: - Já está conectado.

Fui para casa tranquila, perguntando-me de mau humor o que seria o "Motivo 1". porque poderia ser um problema e quem trabalha no MLC, porém não quis entrar em paranóia. Duas horas depois estava de novo na 19 e C, exatamente as tres da tarde ( o escritório fecha as quatro) porque haviam me cortado o telefone pela segunda vez.

Da porta a garota que não quer problemas me assinalou o caminho já conhecido, a outra escreveu algo num papel e me disse que alí era escritório comercial e que elas não tinham conhecimento de nada. Pedi-lhe que fosse sincera comigo, se não me haviam desconectado alí, então onde e quem o havia feito?- As Instâncias Superiores, respondeu. levantou-se e levou os papéis à "A Chefa", sentada num pequeno escritório no fim do recinto, disse-me que chamariam para ver o que acontecia.

A chefa esteve uns 10 minutos no telefone e mostrava-se bastante alterada, de onde eu estava não podia ouvir suas palavras porém pude ler seus lábios duas vezes: dizia no microfone que tinham que a haver informado porque agora era ela que tinha que dar uma explicação, depois disse à que me atendia que não podia ligar de novo meu telefone porque seria desconectado em uma hora no máximo, outra vez.

Estava perdendo a calma, pedi para falar com "A Chefa" e entrei no seu escritório, estava muito quente porque o ar condicionado não funcionava. Não pude tirar dela nada compreensível, foi um pouco cínica. No fim das contas não a culpo, suponho que se me dissesse a verdade teria problemas. Disse-me que não havia forma humana de saber o que acontecia com meu telefone, depois fariam uma investigação do caso para "descobrir" o que era, num determinado momento fez uma analogia entre os televisores e os telefones que não entendi muito bem. Ambas sorríamos todo o tempo, era puro teatro, várias vezes até soltei uma gargalhada, sobretudo quando me confessou desanimada que haviam muitas coisas técnicas que estavam completamente fora de seu controle, parecia que a Etecsa funcionava por obra e graça do Espírito Santo (ou da Segurança do Estado, é claro).

Ficarei todo o fim de semana sem telefone, na segunda-feira devo voltar ainda que tenha ficado claro que a "resposta" estava nas mãos das "As Instâncias Superiores", que não se sabe quem são ou onde ficam. Como disse Orlando Luis, nessas alturas bem poderiam declarar a Etecsa, Cubalse (ou como quer que se chame agora), o Ministério da Educação, da Saúde, da Cultura, os cinemas, os teatros, as escolas e todos os demais, sucursais do Ministério do Interior. De todo modo, já sabemos que a "Instância Superior Suprema" fica exatamente no Comitê Central.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Segregação

Foto: Claudio Fuentes Madan
Texto: Anônimo

Apesar do medo que me dá escrever esta correspondência (que certamente é fiscalizada) decidí fazê-lo, sobretudo confiando em que não divulgarão meu nome, se é que lhes parece interessante a história.

Faz umas semanas, fui visitar Cuba por uma semana com meu noivo, que é estrangeiro. Entre todas as coisas que nos propusemos fazer, estava a de ir à Cayo Coco ou a Cayo Largo, já que me haviam falado das belas praias, e ademais pelo fato de que os cubanos podíamos finalmente visitá-las. Meu noivo é louco por botes, barcos, e de fato, aqui tem um com que saímos às vezes em passeio. Vimos na publicidade da agência de viagens a possibilidade de sair no catamarã em Cayo Largo e de mergulhar, ver o fundo do mar... enfim...

Realizamos nossa reserva no Hotel Nacional por um bom preço para Cayo Largo, um bom pacote realmente, incluía transporte no aeroporto, passagem de avião, tudo incluído em Cayo e regresso. O catamarã tinha que ser pago a parte, porém não nos importamos. Graças a Deus a pessoa que fez a reserva sucedeu de perguntar-me se eu era cubana (meu sotaque já os faz duvidar às vezes, sobretudo quando me dou conta que me tratam melhor nesses lugares se pensam que sou estrangeira e não me olham com cara de prostituta). Respondi que sim, que eu era cubana, porém que morava fora faz tempo, ou seja, qual era o problema. Disse-me: “Há, se és cubana não podes subir no catamarã, tu o olhas da areia”.

O primeiro é perguntar-me por que. Não me havia ocorrido raptar o catamarã nem nada do gênero, só queria compartilhar a experiência junto do meu noivo. Também foi um pouco desconcertante isso de “o olhas da areia”. Tenho que me conformar em conhecer Cayo Coco sem pegar o catamarã? Estou acostumada ao mau serviço que oferecem lá, porém tampouco pensei que chegassem a tanto.

Talvez esta história não seja tão interessante para ser publicada, porém quero compartilhar com alguém a humilhação que sofri, de que em meu próprio país (porque é meu também) não possa subir num catamarã.

Não penso em relatar todas as discriminações que em razão da minha cidadania sofri lá, que me chocavam mais por ir com um estrangeiro, quando andas com cubanos quase não o notas, ou pior, te coíbes de fazer coisas por não se poder e ninguém se pergunta nada. Meu noivo tinha muitas perguntas e eu só lhe podia oferecer poucas respostas: por que é assim, por que não posso entrar, bem, imagina, por que sempre foi assim.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O que é uma rede social?



Foto: Pagando a multa de 600 pesos de Gorki em medios (0,50), por OLPL

Quando Gorki esteve preso em agosto, entre os blogs de cubanos dentro e fora de Cuba estabeleceu-se uma rede social: intercâmbio de informação, prioridade para dar notícias sobre a situação em Havana, etc; daqui de dentro nós estabelecemos também uma rede muito menor, que estava conectada com a dos blogueiros e que priorizava a solidariedade. Recordo que Lizabel Mónica me chamou e disse: poderia ser qualquer um de nós quem está no calabouço. Se quando saimos do protestródromo um amigo não houvesse estado atrás do telefone para levar-me numa bicicleta até à casa de outro amigo que tinha um computador, e eu não tivesse a conta de correio eletrônico de outra amiga, nunca teria podido mandar a mensagem dos golpes e prisões. Não o sabíamos, porém éramos uma pequena rede social.

Isso é mais ou menos o que é: um conjunto de cidadãos completamente independentes, que não militam na mesma organização ou que não pertencem a nenhuma (como eu), e que por solidariedade, por convicção ou porque lhes dá vontade e gostam, estabelecem um contato desinteressado de ajuda mútua.

O bom que tem é que NÃO é uma organização e que todo mundo pode participar até o ponto que considere seguro ou conveniente. Não tem que assinar, não tem que escrever, não tem que dar a cara, não tem que protestar e não tem que arriscar-se se não quiser.

Eu creio sim que em Cuba há pessoas que lêem os blogs, e creio também que essas pessoas podem fazer que outras pessoas leiam os blogs. Se me lês em Cuba: as cópias dos discos, passe-as em memórias USB, renova tua cópia mensalmente com a mesma pessoa que te deu no mês anterior e volte a passar para teus amigos.

E lembra sempre: Tu lês voces cubanas porque gostas. e isso não tem nenhum risco.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

E agora?


Foto: Claudio Fuentes Madan

Parei na 23 e 10 (ruas) para pegar o P4 as 7 da manhã, cheguei no meu destino (Playa) as 9 e 45. Cuidei de subir em três ônibus porém não pude, o resto do tempo passei tentando pegar um táxi de 10 pesos, porém não havia. Um pouco estranho o que acontece, perguntei-me enquanto perdia a vista na desértica 23, habitualmente abarrotada de "boteros" (táxis privados).

As 4 da tarde já estava bem informada, não se fala de outra coisa em Havana: há uma operação policial, estão confiscando carros e os choferes estão, como é lógico, aterrorizados, ninguem quer "botear". Tenho vários comentários sobre o assunto:

-No terminal de ônibus fizeram uma operação especial, com confisco de carros "in sito". Apesar das numerosas chamadas que os choferes fizeram aos seus contatos na PNR não se pôde fazer nada.
-Até a pouco estiveram dando licenças, porém já não.
-Uma licença é única e intransferivel e representa o carro e o dono; isto quer dizer que só o dono do carro pode botear, nada de amiguinho, nem o cunhado, nem absolutamente ninguém no universo.

As consequências? Sempre as mesmas, todo o pessoal que andava de carro agora anda de ônibus. Se antes podias gastar uma hora para pegar agora podes gastar três, em 24 horas voltamos à Idade de Ouro do transporte Post-revolução.

Por que o governo tomas estas medidas? É que além do contrôle e da repressão não posso deixar de pensar que tinham que estar ganhando algo mais, porém o que? Porquê não dão licenças um pouco mais flexíveis e aumentam o número de carros cobrando impostos? Agora há um caos de gente amontoada nas paradas, chegar ao trabalho é uma penúria: a gente chega tarde ou não chega, o transporte estatal nem em sonhos pode cobrir a demanda e ninguém está ganhando nada: nem a gente, nem os taxistas e nem o estado.

sábado, 23 de maio de 2009

Do Não ao Sim em duas semanas




Este vídeo foi feito no lobby do Cohiba: fazem umas semanas era Não, agora é Sim...O mais importante, creio, é que este Sim se mantenha. Também poderia ser que um dia o governo diga Sim para conectarmos, todos os cubanos, de nossas casas...talvez um dia não muito distante.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Tudo incluido...segregação também?


Texto: La Salamandra Blanca

Ver como na história o ser humano tem sido capaz de tantas formas de repressão e desprezo com os seus semelhantes é um desafio à própria sensibilidade. Sentir-se de uma forma ou outra desvalorizado e despojado de algum direito, por qualquer motivo que seja, é bem lastimável. É também um desafio para a equanimidade, para não converter-te rapidamente num violento agressor cada vez que te transformam em parte da humanidade segregada.

Poderíamos fazer mau juízo e acreditar que isto é um objetivo de quem divide para provocar algo maior se te agitas e descumpres a ordem dada. Pois atacar em tua própria defesa poderia converter-te em vítima ao dar motivo ao ente de poder que te segrega, acusando-te de agredir fisicamente ou verbalmente a autoridade.

Comento isto por que nestes dias senti-me muito irritada e chateada. Estive casualmente em Varadero e decidi dar um mergulho na praia, porém precisava de um banheiro para trocar de roupa comodamente. Tirar a de viagem, pegar na valise a roupa de baixo e pô-la, e ao passar por um hotelzinho, exatamente o Hotel Club Tropical, entrei pelo lobby procurando o banheiro e percebi que o porteiro me chamava, tratei de esquivar-me, porém era bastante insistente e quando me pergunta respondo-lhe com a minha necessidade, à qual se nega redondamente. Com certeza se tivesse sido estrangeira me deixaria passar sem nem olhar-me.

Como quase sempre acontece, terminei não estragando a tarde dos meus amigos e não arruinando as poucas horas em que estaríamos nessa praia. Decidi não promover o show que todos mereciam, dos turistas estrangeiros até o gerente, porém, sobretudo, o Yeti cumpre-ordens (que vêem de costas com uniforme na foto) por querer tirar-me "educadamente" dalí como se fosse um cão sarmento e não uma pessoa, turista nacional tão cubana como ele mesmo ou qualquer um de sua família. Então chamei a paz e resolvi sair dali em busca de outro lugar que acabou sendo um funesto banheiro de cafeteria onde o módico preço de um bocadinho de presunto e queijo é de 1.75 CUC, ou seja, quase 50 pesos em moeda nacional.

Saí daquele Club Tropical, principalmente, com a idéia fixa de, ao menos, escrever sobre isto, de modo a criticar ou denunciar o que significa o fato de ser segregado por nós mesmos, ainda nesta época. É incrível que algo tão simples e humano como ir para o banho e trocar de roupa não nos seja permitido, e que só depois de muito tempo, os nacionais possamos voltar a hospedar-nos num hotel (porém a que preços!), ainda que tampouco tenhamos direito a todos os serviços com que brindam os estrangeiros, como o uso de Internet, onde por exemplo, comentários como este ao exterior poderiam prejudicar mais a imagem do regime deste país. Este, onde os que têm o poder e nos controlam de dentro, tanto apreciam cuidar dos invioláveis direitos humanos. País onde ninguém pode vir inspecionar, porém oxalá ao menos eles inspecionaram com afã de melhoras reais para seu povo.

PD: xenofobia: (De xeno e fobia). f. Ódio, repugnância ou hostilidade a estrangeiros).

Se assim é. Como se chamará o mesmo dirigido aos nativos? Algum cubanólogo me diga por que talvez o termo já exista e ainda não o sei.

Olhem na foto os Letreiros de Clube Amigo (de quem?) e Tudo incluído... segregação também?.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Por 3 CUC



Foto: Claudio Fuentes Madan

Maité trabalha na Oficina del Historiador, em Havana Velha. É vigilante de um museu, trabalha de segunda à sexta das oito da manhã até às seis da tarde e nos sábados até uma. Ganha aproximadamente 350 pesos mensais e se não falta, não comete nenhuma indisciplina, não chega tarde e não adoece, recebe junto ao seu salário 10 CUC de estímulo.

A entrada no museu é gratuita, ainda que haja uma pequena urna onde os estrangeiros que se sintam solidários com o trabalho de restauração que é realizado por Eusebio Leal possam deixar sua doação. Todas as semanas uma equipe de coletores passa pelos museus e pega o dinheiro, que é entregue às instâncias superiores.

Porém Maité não consegue viver com seu salário, as vezes quando turistas mais observadores entram no museu, dão-lhe dinheiro e ela soluciona um pouco seu dia a dia. Sabe que se arrisca, se os diretores do museu a veem guardando dinheiro entregue por turistas, ainda que seja dado à ela, sofrerá uma sanção ou será chutada do centro (dentro do regulamento está claramente estabelecido que não se pode aceitar NADA dos visitantes).

Um dia teve má sorte, do andar de cima a diretora viu os 3 CUC que a entregavam e o nefasto destino que Maité lhes deu: direto para o seu bolso.

Não a chutaram (a diretora foi bondosa): levaram sua "causa" ao pessoal, fizeram uma reunião com todos os trabalhadores e o sindicato para chamar-lhe a atenção públicamente, tiraram sua insígnia por quatro meses e a mandaram trabalhar em outro museu como auxiliar de limpeza.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sindicatos

Foto: Claudio Fuentes Madan

O noticiário do canal Havana poderia se qualificado como ligeiramente mais próximo da realidade do que o Noticiário de Televisão, pequenos detalhes me fazem pensar que há gente um pouco mais jovem por trás do roteiro. Outro dia falavam dos sindicatos e colocaram três entrevistas: duas pela rua com o povo e uma com um dirigente sindical.

O chefe sindical explicava de um modo não muito claro que os sindicatos cubanos tinham duas missões: representar o trabalhador e o estado. A primeira era a que todo mundo conhecia, lutar pelos direitos do trabalhador e que estes não fossem pisoteados; a segunda, um pouco ambígua, referia-se a defender os interesses do Estado, que havia tido a “bondade” de reconhecer legalmente os sindicatos, e era sua principal tarefa porque estes, por sua vez, defendiam a obra da revolução. Argumentou que havia contradições entre os interesses, porém não antagonismo. Sinceramente não entendi nada.

Os trabalhadores entrevistados na rua disseram que o sindicato deles não os representava exatamente, um disse que “tinha-se que melhorar essa situação”.
Quando trabalhava para o estado como professora tinha um contrato por tempo indefinido, é um tipo de contrato que não dá ao trabalhador direito à quase nada (nem aposentadoria, nem férias). Logo após dois anos tratei de obter um contrato fixo, como se supõe que fosse meu direito, porém colidi com um bloco burocrático: eu não podia ser fixa porque o lugar de “professor” não estava previsto no meu centro.

Falei com o sindicato, pedi ajuda para que interviesse junto aos diretores e pressionassem para que se criasse o lugar. Comecei a pagar os quase 100 pesos anuais do sindicato, a ir às reuniões, a apresentar meu problema... porém nada sucedeu. A chefa de meu sindicato só parecia preocupar-se com o recolhimento do dinheiro, a assistência das reuniões (nas quais não se falava absolutamente nada) e pela feitura de uma Ata sem fissuras (tudo em ordem, tudo debaixo de controle). Por essa mesma época uma companheira ficou grávida. Como nosso contrato não contemplava licenças, foi-lhe informado que não teria licença maternidade. Desde o primeiro até o oitavo mês trabalhou e percorremos todas as instâncias havidas e por haver: não conseguimos nada. Os chefes sindicais me faziam piadas de mau gosto nos corredores: não vá te emprenhar também.

Uns meses depois deixei de pagar o sindicato e no seguinte cancelei meu pobre contrato, renovável a cada três meses

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Mais militares




Vídeo: El professor, do Ciro

Por que o novo Ministro da Educação pertenceu às Forças Armadas Revolucionárias (FAR)? Entrar na análise do sentido que possa ter numa sociedade a existência de um exército supera sem dúvidas meus conhecimentos, que eu possa sonhar com um mundo sem exército e sem militares é uma utopia.

Porém o que não é uma utopia é querer um país onde as Forças Armadas tenham bem definidas suas limitações e onde as instituições da sociedade civil mantenham, além de sua autonomia, um controle sobre o poder militar. As novas mudanças no governo apontam à um aumento da militarização (se isto ainda é possivel) da sociedade cubana em todos os níveis. Todos os altos cargos que supostamente deveriam estar representados por civis (incluida a presidência com certeza) estão pouco a pouco sendo ocupados por militares e a Troca no Olimpo anuncia uma mudança no vestuário: da guayabera branca à uniforme verde oliva.

Ainda é muito cedo para perceber os resultados desta nova pirâmide no poder, porém a história muitas vezes já nos mostrou o que acontece quando uma sociedade é governada por militares.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Segundo domingo de maio. Dia das mães, não?



No segundo domingo de maio, desde que tenho uso da razão, 12 e 23 (ruas) se enche de gente: vendem flores, comida, milhares de pessoas vão ao cemitério visitar as tumbas de suas mães e avós. O estado habilita muitos pequenos pontos de venda de comida (nada barata, é certo) e a gente se diverte e celebra um dia que é na nossa cultura um dos mais importantes do ano.

Eu também caminhava por 12 e 23 no domingo passado, um pouco surpresa porque diferentemente dos anos anteriores e apesar dos balões e das flores, não vi nenhum cartaz que dissesse: Felicidades Mãe! Pensei que talvez não se haviam dado conta no corre corre de preparar tudo na última hora de sexta-feira. Com certeza, um pequeno e único cartaz me fez pensar que talvez estivesse me equivocando, que talvez os que celebrávamos o Dia das Mães éramos os que comprávamos, por que os que vendiam, parece, estavam celebrando o 50o Aniversário do Triunfo da Revolução...outra vez.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Uma voz atrás das grades


Foto tirada de Payo Libre
Iván Garcia chamou-me à sua casa fazem umas duas semanas, estava tratando de materializar uma ideia: fazer um blog para Pablo Pacheco, jornalista independente e prisioneiro de consciência desde a primavera negra de 2003, condenado a 20 anos de prisão (por publicar o que pensa, evidentemente).

A ideia nos pareceu genial, Yoani Sáchez (mestra em conseguir o impossivel com 25 kb) ficou encarregada de hospedar o blog em Voces Cubanas, estabelecer as categorias, organizar o blog; Ciro, um pouco em dúvida sobre suas capacidades, fez o banner (que ainda não conseguimos colocar); eu com um gravador gravo a voz de Pacheco que da prisão de Canaleta em Ciego de Ávila me chama e lê seus posts; depois descarrego os aúdios no computador e os passo para Iván num pen drive, democráticamente eleito Chefe de Redação.

Apesar de ter tudo pronto duas longas semanas se passaram, entre os obstáculos típicos e as novas regras da Internet, demoramos um pouco mais do que o previsto, porém hoje finalmente já podemos dizer com alegria que O blog de Pablo Pacheco: Voz atrás das grades, está no ar.

Aqui lhes deixo uma gravação com que Pablo presenteou Octavo Cerco, está sem edição para que possam ver como é bloguear de um cárcere cubano.

domingo, 10 de maio de 2009

Da conectividade aos comentários



Agora para cúmulo uma nova resolução parece não permitir que os cubanos nos conectemos de lugares públicos, aqui em Havana começou de modo incomum por aqueles lugares públicos que permitem uma navegação segura e um pouco menos censurada pela rede (conexões wi-fi). Ainda não me vi entre a espada e a parede para postear, porém no dia em que publicar um blog seja uma questão "cartão ou não cartão de Internet", planto na garupa do hotel um laptop para ver o que rola, como dizemos com tremenda bravata, e isso porque uma coisa sim é sagrada para mim (igual aos princípios da revolução): meu blog continua, octavocercoSIM. Porém esperarei uns dias com calma para ver como se desenrolam os acontecimentos, já sabemos que em Cuba as resoluções tem tres momentos fundamentais: primeiro mes, aplicação extremista e arbitrária; segundo mes, relaxamento da aplicação e desregulamentação no uso da lei; terceiro mes, que regulação?*

Evidentemente com estas preocupações em continuar publicando, a regulação dos comentários seria num escalão superior ao qual não posso aspirar. Porém tampouco quero, e aí entro na segunda razão: no meu país o que eu digo em meu blog não posso dizer em nenhum outro lugar, estou condenada a expressar-me virtualmente e como eu todos os que pensam diferente do oficial, todos os cidadãos e jornalistas independentes, todos os que se pronunciam a favor de uma mudança na política governamental, enfim, todos os que exercem a liberdade de expressão em maior ou menor medida são silenciados ou condenados. É por isso que os cibernautas idiotas realizam em Octavo Cerco sua tarefa, eles dia a dia demonstram que em Cuba não se pode dissentir, e não precisamente polemizam, mas insultam e atropelam, acusam e mentem, justamente como acontece na vida real, exatamente o mesmo que acontece quando uma pessoa comum desabafa na rua: são a prova irrefutável do caráter opressor ante a liberdade de expressão. Até me dão um pouco de pesar, condenados a ofender nos comentários, quando na realidade sua vocação seria dar-me uma sessão de repúdio ou bater-me num quarto em Vila Marista, porém os tempos mudaram, porém não tanto, é por isso que continuam aí, para que todos possam ver a imutável repressão que o governo cubano tem exercido e exerce contra aqueles que se expressam livremente, os insultos e as mentiras são o melhor espelho que podem dar em Octavo Cerco virtual do que sucede no Octavo Cerco real, em Cuba a polêmica não existe, não podemos pedir-lhes então que façam o que não estão autorizados a fazer: dialogar.

Considero, por outro lado, que cada comentarista é responsável pelo que diz, assim como La Salamandra Blanca, El Ciro e eu o somos.

*Quero esclarecer que quando alguem fala com o hotel Cohiba dizem-lhe que não há problema, que se pode entrar, porém Yoani Sánchez ontem de manhã não pode fazê-lo e não é uma questão pessoal: os cubanos alí não podem comprar cartões de Internet.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Cybercomunistas


Tirado da Saga: El Ciro versus a Segurança do Estado

Não é, senão com muita tristeza, que devo admitir que tudo o que disse a delatora Rosa Mirían Elizalde, pseudo jornalista a soldo do geriátrico regime cubano em seu artigo cibercomunista publicado no sitio digital Cuba Debate (propriedade da segurança do estado), é correto.

Eu conheci este GoDady no Vietnam quando lutávamos contra o exército vermelho de Stalin (1) e propus fazer uma página web para minha banda de rock Porno Para Ricardo (2). Eu lhe disse "...na`, isso é sacanagem tua GoGo...".Porém muitos anos depois veio um amigo nosso residente em Yuma que nos propôs fazer um sítio web onde pudéssemos vender nossos discos raivosos.

Então apareceu o G2 e nos disse que tínhamos que hospedar o sítio num dos numerosos servidores cubanos habilitados para estes fins ou nos tirariam o serviço Paypal para cobrar pela venda dos raivosos e pelas doações de microfones para espionagem musical. Rápidamente os mandamos pro caralho e chamei o GoDady para que estipulasse um sítio web para meu amigo. Ele me disse que tinha que consultar Google Bush porque já nos havia mandado muitos milhões de dólares para fazermos concertos e nós os havíamos gasto em viagens ao exterior.

Finalmente o Googy nos jogou essa conexão não sem antes consultar a CIA e nosso sítio foi aberto em 2004 ao público. Eu chateado observava como pornopararicardo.com não tinha tantas visitas de Cuba com a facilidade que é em nosso país conectar-se na Internet.

Anos depois conheci Rosa Marta Elizalde e a Claudia Cadelo numa festa, as duas estavam na minha porém como Claudia estava mais tentadora não fiz caso da Rosa María Elizalde (gorda e de óculos) que desencorajada atirou-se do 40o andar do Focsa. Quando estava pelo 15o andar o G2 a resgatou e a converteu em sua escrava.

Desde então escreve mal sobre Porno para Ricardo sonhando com o dia em que eu me divorcie e corra para seus braços.

(1) Joseph Stalin: Comunista assassino de quem Raúl Castro é admirador.
(2) Porno para Ricardo: Melhor banda de Rock do mundo.
(3) O Auditório Imbecil: Melhor blog do mundo.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Não digas nada




Escutei pela primeira vez esta canção numa festa. Parece que não cabe semelhante tristeza entre o rum e a dança porém sim, quando ouvimos "Não digas nada" obedecemos no momento: talvez seja o costume, talvez não.

Assim me diziam na escola primária quando não queria ir ao Museu Revolucionário, assim me disseram na secundária quando me tiraram o direito de continuar meus estudos de arte, na bolsa de estudos quando não podia me adaptar e andava histérica gritando pelos corredores, no técnico medio quando me baixaram de nivel por pouca participação política...assim me dizem na universidade quando faço as provas de história e filosofia.

Assim disse minha família quando não entendi porquê tinha que fazer guarda, porquê tinha que pertencer ao CDR, isso mesmo com a companheira que estava comigo quando nos prenderam por receber garrafa de noite, minha mãe quando eu não queria afirmar que o caráter socialista da revolução era imortal (ou algo do estilo) no ano de 2003, meu chefe quando expliquei-lhe que não tinha que ir à marcha, a do sindicato quando me neguei pagar, minha prima no caso Gorki, minha melhor amiga quando soube que tinha um blog: Não digas nada, Claudia.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A mudança que eu quero



Imagem: Ares

"As coisas vão mudar, já vais ver" disse-me uma amiga. Não se refere à liberdade de imprensa, nem de expressão, nem de opinião, nem nada relacionado com os direitos elementares; mas sim me fala da cebola e da carne, de ganhar um pouco mais de dinheiro e de aumentar o nivel de vida. Para me convencer disse inclusive que estão dando permissão de saída para todo mundo, eu lhe explico que não estão dando a permissão a de saída para "todo mundo", que fazem uns dias fui entregar umas 90 assinaturas na Imigração Provincial para que dêem o afortunado "vai garoto: viaja" para um amigo.

Porém ela me olha e ignora meus argumentos...Se a ti não interessa fazer política para que queres que haja uma mudança de presidente? Se deixamos de ser pobres e pudermos comprar carros e vivermos bem. O que pode importar quem está no poder? De maus bofes lhe explico que não quero uma "mudança de presidente" que quero uma "MUDANÇA de governo" do primeiro escalão até o último, porém não me entende.

Acho graça que pense que um dia vá poder comprar um carro com Raúl Castro ou quem quer que seja do partido comunista no poder. Não tenho muita vontade de discutir quando chego neste ponto: não sei como explicar `a uma pessoa que o que eles justamente querem é evitar uma sociedade civil independente econômicamente, um país próspero onde a gente possa ter tempo para pensar em vez de buscar o que comer, um país onde um pedaço de carne na mesa não seja o objetivo principal do projeto de vida de um povo e que conseguí-lo não signifique calar a boca para mantê-lo.

Como explicar-lhe que se um dia todos tivermos permissão de saída, se pudermos viver de nosso salário, se pudermos comprar um carro, e inclusive que se amanhã libertam todos os presos políticos, eu continuarei pedindo MUDANÇA. A fila do ônibus, o apertamento no P4, o salário de miséria, a permissão de saída e tudo o mais não são mais do que consequências...e quero que mudem as consequências... porém, sobretudo eu quero que mude a CAUSA, para que não hajam mais riscos, para que amanhã quando vá comodamente num ônibus, ou possa comer do meu salário, ou possa conduzir um carro, ou possa sair do meu país quando me dê vontade; não tenha então que calar a boca e fechar os olhos, que viver com medo, que ler absurdos com apelido de notícia, que idolatrar um mentiroso com uma lista de mortos pendurada nas costas.

sábado, 2 de maio de 2009

Um panelaço pessoal



Todas as minhas dúvidas (ou medos para ser sincera) sobre o panelaço dissiparam-se quando vi as imagens do primeiro de maio na televisão, não pude aguentar mais. Até minha mãe que é uma cética disse: mas se estamos em alerta epidemiológico! Gostaria de ver a cara do "médico" que na Mesa Redonda no dia 30 de maio disse que não havia "nenhum risco" se milhares de pessoas se aglomerassem sob um sol de 30 graus de temperatura, oxalá pudesse recordar seu nome...pergunto-me, em momentos, se poderá dormir.

Um pouco antes do panelaço chovia a cântaros, meio molhada cheguei na casa de Yoani e as 8 e meia em ponto começamos, paramos esperando ouvir eco e nada: panelaço solitário, como a batizou mais tarde entre risos e decepção. Ciro, sempre tão performático, andava pela linha do trem latinha na mão e colher, tocando uma timba estranha: ninguém lhe respondeu, mas tampouco ninguém lhe perguntou nada.

Apesar de que ainda não soem as caçarolas em Cuba, apesar do medo que a gente tem, as mentes sonham sim, e isso tem que significar algo.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Sobre a citação oficial


Foto-montagem: Lía Villares

Depois das citações que recebemos no caso de Ciro e as prisões, e a carta de advertência no caso OLPL, nós notamos de que necessitamos, ao menos, de um ABC de leis para podermos exigir das autoridades cubanas que respeitem a legislação na hora de "citar-nos" ou de "aplicar-nos" algum tipo de sanção.

Assim foi que nesta quarta-feira chegou em nosso encontro blogueiro Laritza Diversent, jornalista independente, blogueira, advogada e vice-presidente da Associação de Juristas Cubana. Entre outras coisas descobri que minha citação era nula, não cumpria com os requisitos do artigo 111, que diz que somente um promotor, um juiz ou um fiscal estão autorizados a expedir uma citação (a minha era de um tenente). Além disso, a tristemente célebre "entrevista" ou "para ser entrevistado" não se aplica porque não implica delito ou razão de delito que justifique um "amistoso encontro" com o MININT. É dizer, quando alguém for citado, há que se ler atentamente a citação, e se não é válida, diz-se à autoridade que a traz que tem que devolvê-la e corrigir os erros e voltar com uma que cumpra com o artigo 86, que é muito grande.

Sempre há casos extremos como o de Lía, onde não há nem que se saber de leis para dar-se conta da nulidade do mesmo: vinha com o nome e os sobrenomes mal colocados, o endereço mal escrito, e para cúmulo, foi-lhe entregue por uma vizinha que vive a dez quadras de sua casa, um dia depois da data prevista para a entrevista.

Aqui lhes deixo os requisitos que TEM QUE SER CUMPRIDOS pela Citação Oficial:

A Lei N. 5, Lei de Procedimento Penal de 13 de agosto de 1977, em seu artigo 86 modificado pelo Decreto-lei n. 151 "Modificação da Lei de Procedimento Penal" de 10 de junho de 1944, diz que as citações oficiais apresentam uma série de requisitos, a saber:

1-Nome e assinatura da autoridade (promotor, fiscal ou tribunal) ou seus auxiliares (militares e auxiliares do MININT, chefes de unidades da FAR, responsáveis de vigilância dos CDR, chefes de unidades da Defesa Civil e capitães de naves e aeronaves cubanas, segundo estabelece o artigo 11 da referida lei de procedimento) que a disponham.

2-Nome e sobrenome do citado e endereço do seu domicílio ou lugar onde vai ser feita a diligência.

3-Objeto da citação. Quanto a este ponto temos visto citações “para uma conversação”, “para definir sua situação” e abordagens análogas. Com certeza que “para conversar” não é preciso citar ninguém para uma delegacia de polícia. Pelo que entendemos que o objeto da citação deve refletir mais exatamente a relação citação-delito, investigação-delito, etc.

4-Lugar, dia e hora em que deve comparecer o citado.

5-Intimação de que se não comparece sem justa causa se imporá multa de cinqüenta pesos, e se tratar-se de segunda citação poderá ser acusado pelo delito procedente.

A Lei estabelece 3 formas possíveis de realizar a citação:

*Pessoalmente ou, em sua impossibilidade, por meio de familiar maior de 16 anos que resida no mesmo domicílio, de um vizinho ou o correspondente Comitê de Defesa da Revolução.

*Quando a anterior não for possível, far-se-á constar o comprometimento de que receba a cópia da dita citação de ser entregue ao citado imediatamente quando este regressar ao seu domicílio, ou lugar assinalado para efetuar a dita diligência, com as advertências procedentes se deixa de entregá-la.
*Se não é possível a citação mediante as formas previstas anteriormente, pode utilizar-se o correio, telégrafo, radio telégrafo, telefone ou qualquer outra via de comunicação, sempre que medeie indicação precisa dos pontos assinalados de um a cinco neste trabalho.

Por seu lado o artigo 90 deixa bem claro que: “são nulas as citações que se efetuem sem observar o disposto” nos artigos aludidos aqui e previstos na Lei de Procedimento Penal.

Com certeza a pobre Laritza não dava conta de todas as nossas perguntas: Quem pode te prender? O que acontece quando te roubam as coisas? Quando rasuram ou manipulam as informações que levas contigo? Quem pode fazer um registro? A que horas? É um delito publicar uma citação?...

Para uma primeira vez duas coisas ficaram claras: A legislação cubana existe e nós, os blogueiros, queremos estudá-la.