sábado, 31 de outubro de 2009

O Ministério e eu





É a terceira vez que uma instituição ou ministério me nega a entrada à um lugar de livre acesso. Parece que alguns blogueiros independentes temos sido excluídos "extraoficialmente" dos eventos culturais cubanos. Digo "extraoficialmente" porque ainda não me mostraram um documento oficial com meu nome completo e meu número da carteira de identidade que diga: Esta insittuição nega a admissão de Fulanito de Tal, Siclano e Esperanzejo, segundo a legislação tal da lei tal e direito tal que este centro tem. Não tem minha foto e os seguranças não conhecem meu nome, não há uma lista que decrete que eu sou persona non grata.

Eu exijo do Ministério da Cultura que emita a dita lista, que esclareçam as razões pelas quais não posso assistir a concertos e participar de debates, que mostrem a cara e deixem de ampararem-se no vago conceito: A Instituição se reserva o direto de admissão. Eu quero que Abel Prieto articule legalmente esta exclusão para assim eu poder, legalmente também, acionar o Ministério da Cultura por discriminação cultural e ideológica. Eu quero que os funcionários acabem por mostrar a cara sem nome e assumam que a política cultural cubana é excludente e discriminatória, coloquem as cartas na mesa e os pingos nos i, deixem de usar a burocracia como escudo e os seguranças como infantaria. Eu quero também que alguém me explique de que humana maneira uma instituição pública - do povo - se pode reservar o direito de admissão e quais são as condições que regem tal direito.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Agora mesmo na Sala Fresa y Chocolate (vídeo update)





Um grupo de pessoas, entre as quais me encontro, não pode participar do debate sobre a Internet que se realiza desde as quatro da tarde na sala Fresa y Chocolate, organizado pela revista Temas. No princípio éramos uns 10 - alguns blogueiros independentes e outros que não conheço - agora se acumulam contra a grade umas 30 pessoas.

O ICAIC (Instituto Cubano de Arte e Cinema) se reserva o direito de admissão segundo os seguranças. Aqui mostro umas fotos, verei se depois posso subir mais informação.

O debate existe, porém da porta da Fresa y Chocolate para fora...não obstante, terão surpresas.


terça-feira, 27 de outubro de 2009

Porque uma depuração?


Foto: Claudio Fuentes Madan

Quase todos os paises têm um governo mais ou menos corrupto, porém que a cada quinquênio, aproximadamente, muda, e além disso responde por suas ações ante um poder civil. Têm serviços secretos que se ocupam em proteger os interêsses do país frente a possíveis ingerências externas, frente a corrupção entre os seus ministros e quadros, entre outras coisas complicadas e burocráticas; em nenhuma hipótese têm em sua atribuição de trabalho medir o grau de liberdade dos seus cidadãos para reprimi-los, filtrá-los de acordo com o seu perfil político, ocuparem-se do que os civis falam ou verificar se reunem-se livremente. No lugar de ocuparem-se em "negar" as saídas do país, impedir a entrada de cidadãos para eventos culturais, fustigar artistas e escritores pela sua obra, excluir do seu local de trabalho pessoas devido a sua postura ideológica, entre outras "atividades" nas quais nossos ministérios se especializam, os de países menos paranóicos desempenham funções mais louváveis, de acordo com a lei do país e com o perfil que lhe corresponda.

É por isso que considero que para que a transição em Cuba seja em direção à uma sociedade aberta e não para uma sociedade "com algumas saídas de emergência", algumas das pessoas hoje poderiam tirar umas boas férias e dedicarem-se, por exemplo, a prestação de serviços - que para isso não será tão difícil então conseguir-se uma licença.

Torna-se óbvio que esta pequena ilha faz algum tempo não é governada somente por anciãos, senão que muitos dos quadros médios e altos do PCC e a CI (orgão de inteligência) mantêm o status quo e desfrutam do poder quase no mesmo nível que os clássicos, porém de maneira mais dissimulada. É evidente que a pessoa que hoje decide que Yoani Sánchez não pode viajar, não pode continuar ocupando cargos de tomada de decisões numa Cuba plural, onde todos tenhamos os mesmos direitos apesar de nossa ideologia. Um funcionário que do seu posto sustenta com seu arbítrio a corrupção e a delinquencia, não pode pois ter a responsabilidade de autuar o vício social. Depurar não significa discriminar nem depreciar, porém se na Assembléia Nacional do Poder Popular continuam as mesmas pessoas que hoje aplaudem e levantam a mão, não creio que a mudança em Cuba tenha muito êxito.

sábado, 24 de outubro de 2009

Minha Suzuki


Foto: Claudio Fuentes Madan

Tirado da Saga El Ciro versus La Seguridad del Estado

Fui visitar minha avó em Santa Fé. A velha tem 193 anos e pensa que é hora de beneficiar sua família com bens que já não usa. Assim foi que me deu a notícia de que deixava para mim a moto do seu sobrinho, que saiu ilegalmente do país fazem tres anos e não lhe permitiam regressar pois estava acusado de deserção das fileiras do MININT.

Qual não seria minha surpresa quando vi que se tratava nada mais nada menos do que uma Suzuki (veículo clássico da segurança do estado). Meu Deus! Agora que caralho faço com isso? Não podia desdenhar o presente da minha avó, podia lhe infartar, assim lhe agradeci.

-Obrigado avó, vou chamar um caminhão para que venha pegá-la.
-Não meu neto, a moto está tinindo, podes ir nela.

Aquelas palavras retumbaram na minha mente. Pilotando uma Suzuki de Santa Fé até o Vedado. E se alguém me vê pilotando por aí? Vá lá!

-Monta, monta - dizia minha avó - e depois me dizes como chegaste.
-Está bem avó.
-Porém porque choras netinho?
-De emoção, avó, de emoção.

Montei naquilo e saí chispando pela 5a Avenida. Todas os rostos me pareciam conhecidos, assim eu acelerava cada vez mais. Um policial acenando a mão...merda...paro e me disponho a puxar a carteira porém de um pulo - Pum! - ele monta atrás.

-Deixa-me alí na frente que estou atrasado - disse tranquilamente.

Do caralho isso, numa Suzuki e com um policial montado atrás. No sinal da rotatória o vermelho me pega. Ao meu lado para um táxi particular com passageiros e ouço uma voz:

-Olha, você não é do Porno Para Ricardo? - tres rapazinhos se amontoavam na janela olhando estupefatos.
-Não, não, não, não sou eu - respondi.
-Acho que é - disse o outro.
-Que nada, não sou eu porra!

Acendeu a verde e me fui como um bólido.

-Ha, você é do Porno Para Ricardo, sempre soube que tinha que haver alguém alí dos nossos.
-Sim, bem...você sabe... nós sempre nos infiltrando em tudo.
-Olha deixe-me por aqui que já estou perto e sucesso com o trabalho.

Desceu e foi-se. Isso não podia continuar. Desci da Suzuki e parei um caminhão que me levou para casa.

-Quanto devo? - perguntei ao caminhoneiro.
-Ha vai me pagar, oficial?
-Puta que o pariu! Pega! - e lhe pus uma cédula no bolso.

Entrei com a Suzuki e imediatamente chamei a CI (orgão de inteligência):

-Venham, venham, tenho algo urgente para falar com vocês.

Chegaram em 2 minutos e 25 segundos, parecia que estavam a 20 metros.

-Bem Ciro, nos alegra que por fim estejas disposto a cooperar, queremos saber c...
-Não é isso. O que preciso é passar isso pra frente - interrompi indicando a moto. - É que me aflige ser visto montado nessa coisa e como vocês não se importam talvez queiram trocar por algo mais modesto, não sei...uma Carpati...qualquer merda.

Entreolharam-se.

-Ouça-me, nós não estamos aqui como traficantes de moto. Escutou? - gritou um.
-Uma Carpati você disse? - perguntou o outro - Eu tenho uma Carpati.
-Porém Alejandro! ou melhor...Rodney!
-Veja esse câmbio, é gato por lebre - retrucou Alejandro, ou melhor, Rodney.- Olhe Ciro, deixa isso aqui, amanhã mesmo lhe trago a Carpati e levo a Suzuki.
-Negócio fechado. E agora, fora da minha casa!

Fecha-se a porta e soa o telefone: Ring!

-Alô.
-Olá, Ciro por favor.
-É ele que fala.
-Me disseram que te viram hoje na Quinta Avenida...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Confusão


Foto: Claudio Fuentes Madan

O tema Cuba cria farpas entre nós, discussões acaloradas em que alguém não sabe nem o que disse nem o que lhe responderam. Nestes dias tive uma histórica em que um grande amigo meu terminou gritando para mim: Comunista! O que provocou, como é lógico, o riso dos presentes e um pouco de tristeza em mim, pelo absurdo da situação. Não lembro o tema da disputa, talvez estivesse relacionado com o embargo econômico, porém não estou certa. No final nós dois estávamos de acordo quanto a maioria dos pontos e por algum mistério não conseguíamos compreender.

Assim anda a gente por aqui - e incluo-me na lista - emoções a flor da pele, dor incontrolável e racionalidade zero. Numa discussão entre associados é divertido, porém quando olhas por uma janela te dás conta de que o nível da confusão chega ao céu.

A desinformação e o abuso de temas políticos polarizados na imprensa e na televisão reverteram-se em separação nas relações pessoais: pais que não falam com os filhos, "a política" como tema tabu numa mesa de família e o descontentamento disfarçado de normalidade.

Temos um governo tão paternal que para controlar nossos movimentos e nossa liberdade de expressão chegou inclusive a penetrar em nosso sentimentos, a dispor nosso diálogos, a usar a confusão cidadã como arma, com o único objetivo de sustentar seu poder.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Blogação



Sonho que:

-Um dia Pablo Pacheco me chame de sua casa em Ciego de Ávila e me diga que está livre e que todos os prisioneiros de consciência também estão.
-Yoani faça um giro pelo mundo e receba por aí todos os prêmios que tem pendentes, com certeza sem haver pedido antes uma permissão de saída.
-Porno Para Ricardo toque El Comandante na Praça de Revolução.
-Entre no meu blog, da minha casa, conectada à Internet banda larga.
-Possa me comunicar com todos os meus amigos dentro de Cuba pelo Twitter e Facebook.

E além disso repito meus apelos da ação blogueira anterior:

-Renúncia total do Presidente do Conselho de Estados, dos Ministros e da Assembléia Nacional.
-Constituição de um Estado de Direito e preparação de Eleições Livres, com todos os partidos participando..
-Depuração dos Serviços Secretos, dos Cargos Públicos e Quadros do Governo pertencentes ao Partido Comunista.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A chamada dos sábados

Paneque é jornalista independente da causa dos 75, está condenado a 24 anos de privação de liberdade e encontra-se na prisão de Las Mangas, em Bayamo. Só pode fazer uma chamada semanal de 25 minutos, aos sábados. Seu tempo escasso é utilizado as vezes para me chamar, umas para me cumprimentar e outras para ditar-me seus posts. Colocamos suas palavras no blog de Pablo Pacheco, que divide o espaço com seus companheiros de causa e converteu-se na Voz de alguns dos prisioneiros de consciência.

Neste sábado Paneque me chamou, estava um pouco triste porque não tem visitas, a prisão está em quarentena: uma epidemia de conjuntivite da qual ele mesmo padece nestes momentos. Sua chamada foi sobretudo para me ditar um texto de felicitação ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pelo seu recente Prêmio Nobel da Paz. Lamentavelmente quase não pôde falar comigo: uma pessoa, cuja única função é escutar o que diz, interveio porque considerou que a conversação era contrarrevolucionária.

Aqui está a gravação do nosso diálogo obstaculizado:

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Aniversário


Foto: Claudio Fuentes Madan

Hoje Octavo Cerco faz um aninho e se pudesse colocar o laptop apagando velinhas diante de um bolo, o faria. Não só conheci muitas pessoas de quem gostarei pelo resto dos meus dias, senão que também me vi as vezes na penosa tarefa de escrever sem ter a menor ideia de como fazê-lo. Agora é como um vício, um desafio e uma sensação de liberdade que me redime de todos os vínculos e todas as classificações: escrevo porém não sou escritora, informo porém não sou jornalista, deslizo pela rede porém não sou informata, critico o governo porém não tenho partido e digo o que me dá gana, porém sei que não sou livre.

Faço o balanço destes últimos 12 meses e ainda que Ciro diga que os blogs não fazem aniversário, eu creio que sim, minha vida vida deu um giro de 180 graus e tenho que celebrar. Porém a liberdade é enigmática e minha covardia, tenho que reconhecer, não girou muito. Continuo com as janelas fechadas, falando baixinho para que não me ouçam os estranhos e com a mesma paranóia de sempre. Com certeza algo bom há, agora quanto mais tenho medo mais me arrojo, e isso já é alguma coisa.

Pelo aniversário recebi um presente: dois desconhecidos na rua me pararam para falar do blog. Não posso expressar a combinação de terror com alegria que senti, ainda não me adapto a ideia de que as pessoas me vejam na rua e saibam que eu estou literalmente "até o pescoço", sei que com o tempo me acostumarei. Por hora vivo o momento, meu blog é parte da minha vida e como disse à Ivan um dia quando ainda não havia começado Desde la Habana: verás em breve que é como um filho, não poderás abandonar.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O cárcere de Yoani e o mundo além da água


Foto: Claudio Fuentes Madan

O muro da prisão de Yoani é justamente o muro do Malecón. Até alí seu corpo pode avançar, e do mar para lá só sua identidade na Internet pode continuar - conversar no Twitter, passear no Facebook, viver no Wordpress - até o "mundo exterior". Muitos podem não ler Geração Y dentro de Cuba, porém todos sabem que o recorde de negativas para Permissão de Saída é da blogueira.

Num país onde quase todo mundo está obcecado em sair, nada mais sádico da parte do governo que castigar com a reclusão. Paradoxalmente, o que desperta mais a solidariedade cidadã é ver o sonho cubano - viajar - esmagado por uma legislação grotesca.

Enquanto a autoridades cubanas jogam de gato e rato com o presságio da suspensão do Cartão Branco em suas declarações no estrangeiro, em Cuba aproveitam seus últimos dias de poder para negá-la. Yoani Sánchez tem só trinta e quatro anos, nem Raúl Castro nem ninguém do círculo de poder terá existência suficiente para retê-la nos limites desta ilha: a guerra está perdida para eles.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Não quero ficar encatarrada



Frequentemente escuto as pessoas julgarem generalizando todo um povo e me revolve a bilis. A cada momento tenho que ouvir , tanto de amigos como de completos desconhecidos, frases como: este país está assim por culpa do povo, aqui só há covardes, vocês escrevem na Internet porque sabem que não vai lhes acontecer nada, os dissidentes são todos da segurança do estado, em todo o país não há um lider que valha a pena, etcétera até o infinito.

A maioria das vezes não respondo porque quase sempre termino esgotando todos os meus argumentos sem conseguir convencer ninguém de nada. É dificil enfrentar alguém que meteu um grupo de cidadãos dentro de um saco de absolutos e que além disso, julga o saco pelo material do que é feito e não pelo que contém. Porém ainda assim - quando o comentário chega muito perto de mim - não posso evitar de arranhar o vime da canastra em que me meteram.

Eu estava muito contente porque uma amiga médica havia prometido me presentear com uma máscara para quando eu entrasse num ônibus, quando uma estrangeira que escutava minha conversa interveio para dar sua opinião sobre o H1N1:

-Hoje lí na Internet que parece que os cubanos não tomam consciência do problema.

A primeira coisa que fiz foi contar até dez, porque não se pode começar o convencimento de alguém com uma cantilena de argumentos ditos com paixão, mas quando desde fazem meses vivemos nesta espécie de ambiguidade médica: há epidemia. sim ou não? A televisão e o rádio calam, depois de dois concertos massivos - primeiro Juanes e depois Manu Chao - os aeroportos continuam abertos, na farmácia não há nada para prevenir catarros e se tens febre te mandam para casa e arranjas-te como possas.

-Como os cubanos podem estar conscientes se nos meios de difusão em massa não dizem nada claro? Não só há H1N1, senão que também há dengue e conjuntivite hemorrágica, lamentavelmente isto que lhe digo não posso confirmar porque o ministério da saúde cala.

Não creio que informar seja o pior - temos aprendido a inteirar-nos das coisas sem eles - com certeza não foi dito. Acredito que o mais triste é que não fazem nada: os ônibus continuam abarrotados de gente, o sabão e o detergente continuam oferecidos só em CUC, o repelente é um objeto de luxo e se amanhã fosse primeiro de maio, iríamos todos à praça desfilar para superar a última cifra de não sei quantos mil que estiveram no concerto do dia 20.

domingo, 11 de outubro de 2009

Os imprescindiveis


Grafiti em Novo Vedado

Tenho vivido confusa pelo ideal do momento: O cidadão imprescindível. Ao longo da pequena história da minha vida chegaram a refletir-se, sem voz e sem rosto, os diferentes tipos de indispensáveis que o país tem necessitado. As vezes foram os que votavam mais cedo, os que denunciaram o mal feito, os que se sacrificaram em nome da revolução ou os que pegaram o fuzil para ir à outros lugares a fim de morrer ou serem mortos. Como cada um foi previamente escolhido em algum momento a partir de um discurso de Fidel Castro, teve seu respectivo spot publicitário na televisão, onde nos convidavam - os prescindiveis - à nos unir ao estranho coletivo eterno.

Porém as qualidades dos imprescindiveis tornaram-se cada vez mais ambíguas, até que chegaram a ser completamente obscuras e o único indispensável que restou no reino do tangivel foi manter a boca fechada a qualquer preço. Resultou tranquilizador para mim esta mudança do suposto "homem novo", que anualmente se metamorfoseava dependentemente da dissertação imperante e que jamais existiu.

"Esses são os imprescindiveis" soou ontem na televisão e eu me perguntei quem seriam esses que se sacrificavam em nome de uma ideologia de que já ninguém recorda. Porém os tempos mudaram, agora os imprescindiveis são os que trabalham por um salário de 400 pesos ao mes sem gracejar, os que lavram a terra para presentear o estado com suas colheitas e os que não pretendem viver do fruto de seu trabalho. Os idealistas, os defensores do bem a todo o custo, os que acreditaram num futuro luminoso, esses, já não são indispensáveis.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Sós


Foto: Claudio Fuentes Madan

Levanta-se todos os dias as cinco da manhã, pega sua mochila e vai tourear os diferentes meios de transporte que possam levá-la até seu destino de trabalho: Caimito. Como são só quatro doutores, faz visitas a cada dois dias - que não lhe pagam - e logo regressa para sua casa, porque a casinha de médico de família que lhe designaram não tem porta.

Ainda que não estejam incluídos entre seus pacientes, ocupa-se dos habitantes da favela (Llega y Pon - assentamento ilegal) do bairro. Nessa zona de trabalho é mais difícil, ninguém está recenseado e por fim, não existem: os meninos não têm leite, os velhos não têm dieta, a luz elétrica é um sonho dourado e a higiene uma má palavra. Tratou de tomar medidas mas sempre se choca com o muro da burocracia: tem-se que regressar ao seu lugar de origem, ainda que sejam récem nascidos - nesse caso leva-se em conta o lugar de origem da mãe.

É uma das histórias mais tristes que escutei, sempre que me falam da natalidade e da atenção primária me vem os obscuros Llega y Pon à cabeça. Crescem ao redor das cidades principais e parecem ser, para o governo, inevitáveis. Conversando sobre o tema, um amigo médico me disse que dez meninos sem leite não eram bandeira para por em desafio os serviços de saúde cubanos. Com certeza eu, que não sou nem médica nem política me pergunto: um estado que se declara Socialista pode se dar ao luxo de que meninos assim existam?

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Compartilhados em bluetooth


Foto: Leandro Feales, tirado da série Objetos e Retratos.

A tecnologia está se convertendo no inconformismo mais perigoso dentro da ilha: computadores, memórias flash e cartões SIM são os novos heróis nas listas negras da segurança do estado. Tirar uma câmera fotográfica num lugar conflitivo está se tornando mais difícil do que gritar Abaixo Fidel num ônibus. Para o estado a Internet não é um meio de comunicação a serviço dos cidadãos, é uma arma para "a contrarrevolução". Chegamos a um ponto em que o progresso converteu-se num risco para o status quo.

O bom é que o progresso é inerente a sociedade. Como disse uma amiga: "isto já não há quem pare". Os toques de celulares que são passados por bluetooth não são eliminados: o comandante gritando "Pegue o telefone, droga!", a música da série Dia e Noite, o Hino Nacional, o estribilho de uma canção de reggaetón "Se vai se formar que se forme", gravações dos "tronques" dos policiais. Enfim, o humor e a falta de respeito são uma arma para combater o medo; e a tecnologia, a capacidade de rir sem olhar para os lados.

Aqui exibo alguns dos toques mais populares:







Este é personalizado, El Ciro fez para mim:

sábado, 3 de outubro de 2009

Pastilhas para não sonhar*


Foto: Claudio Fuentes Madan

Entras pela porta do consultório e o psiquiatra já sabe - percebe, para solucionar o que estabiliza o tratamento: imipramina com trifluoperazina - cabe à ti o antidepressivo nacional. Poucos escapam: meprobamato, nitrazepam, amitriptilina, metilfenidato, fenobarbital, PV2 e os que tem posses, prozac. Há para todos os gostos, pastilhas para esquecer, para não odiar, para dormir, para não dormir, para rir, para não sonhar, para não pensar, para ficar forte, para ficar fraco e para viver permanentemente no nirvana mental, análogo de certo modo ao nirvana estatal dos nossos dirigentes.

Para um aposentado com uma pensão de 200 pesos o mercado negro está sortido porém caro. Com certeza a médica da família não tem coração para negar à ninguém uma receita de meprobamato, ela também tomou um antes de pegar o ônibus para chegar ao trabalho. Outros sobrevivem com estranhas misturas: PV2 (estimulante) com amitriptilina (antidepressivo) pelas manhãs; e meprobamato (sedativo e relaxante muscular) com nitrazepam (sedativo e hipnótico) pelas noites...uma bomba de felicidade.

Não pretendo fazer estatísticas, porém não conheço mulher de mais de quarenta anos que viva sem o meprobamato ou a trifluoperazina; entre os homens a imipramina tem mais demanda, embora o álcool faça estragos.
Casualmente aqueles que trabalham por 300 ou 400 pesos ao mes, de oito da manhã às cinco da tarde, empurrando dolorosamente a roda enorme da burocracia e da ineficência estatal, são os mais adictos. Uma amiga de menos de trinta anos disse-me outro dia ao chegar na minha casa:

-Não tens um meprobamato aí para me relaxar antes de sair para a festa?
-Com certeza que não, além disso na festa há bebidinhas, vais relaxar.
-O meprobamato me relaxa mais.

*tirado de uma canção de Joaquín Sabina