sábado, 31 de julho de 2010

Dever


Chego na casa de uma amiga e a encontro rindo as gargalhadas diante da dever do seu filho. Dá-me uma folha da caderneta e me convida à ler, não sem antes esclarecer:
-É muito sincero, vê-se que só tem sete anos.

"Minha escola"
"Toda minha escola é bonita menos o banheiro, porque está bem pintada e não tem nada quebrado, em troca o banheiro está mal pintado, sempre há côcô e tem cheiro de urina. Na minha escola há muitos bons e engraçados amigos, também a professora é muito boa e bastante engraçada. No matutino a diretora diz muitas coisas porém as vezes não ouço. Eu quase sempre quero sair da escola e muito mais quando vou comer nela, hoje comi farinha e a professora me obrigou."


A verdade é que não rí tanto, lembrei-me de quando eu tinha essa idade e do que aconteceu depois. Não comentei nada com a minha amiga, porém se nosso país não mudar, dentro de tres ou quatro anos as composições dos seus meninos longe de criticarem o cheiro ou lembrar a alegria de brincar com seus companheiros, mencionarão heróis mortos nas guerras de séculos passados e batalhas de idéias desconhecidas.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ceia de estranhos


Foto: Claudio Fuentes Madan

A família cubana está destruida, não só pelas separações territoriais produzidas pelas emigrações, como também pelas contradições políticas entre cada membro dentro do país. Outro dia fui convidada para comer na casa de uma amiga e terminei a reunião deprimida pelo choque de duas gerações, pais e filhos: uma que cala por respeito aos mais velhos e outra que ofende por sua ideologia absolutista.

Enquanto "A mesa redonda" animava o aniversário da minha amiga (o tio não teve sensibilidade suficiente para desligar a televisão), a mãe fazia comentários terroristas sobre o destino dos Estados Unidos, e os conjuges de ambos tentavam, como crianças, mudar o tema - não sei se por solidariedade com os mais jovens ou por simples sentido comum: era uma festa. Minha amiga tinha duas opções:
-Dar sua opinião e converter a celebração num funeral de gritos e intolerância.
-Calar a boca e dedicar-se às batatas fritas.

Optou pela segunda. Sua família não pareceu se dar conta do silêncio anormal da homenageada durante toda a noite. Entre as trocas de idéias: "O socialismo é o único caminho", "todos esses mercenários deveriam apodrecer no cárcere", "Não sei como Obama pode dormir tranquilo", "a União Européia e o Império um dia vão pagar", "Fidel sempre teve razão"; passavam de mão em mão as planilhas e os documentos que apresentariam na manhã seguinte no Consulado Espanhol para solicitar a cidadania desse país europeu, e as mulheres comentavam a novela mexicana da televisão a cabo que têm em casa ilegalmente.

Todo o tempo um sentimento de profunda lástima me constrangeu com esses estranhos militantes do PCC: com uma moral tão desavergonhada, uma ideologia ambígua e uma intransigência sem limites. Sua cegueira os impede de observar o enorme abismo que os separa da geração à que deram vida: estão sós, tão sós que nem sequer seus filhos se atrevem a iluminar-lhes o caminho.

terça-feira, 27 de julho de 2010

"Somos a raiz da mudança", por Raudel do Escuadrón Patriota

Fiz este vídeo ontem num concerto organizado pelo grupo OMNI-Zona Franca na casa Gaia. Havia pouca luz e o áudio está ruim, porém a canção de Raudel brilha acima de qualquer inconveniente tecnológico.

Transcrevi o que consegui entender, qualquer ajuda de um leitor com melhor ouvido do que eu é benvindo:



“Somos la Raíz del cambio”

Diez meses después tengo que recordar mi posición, teniendo en cuenta que queremos lo mejor para todos y asegurar una vida con tolerancia, equilibrio y armonía para todas las personas de la nación y la diáspora, pero también con mucho progreso, equilibrio y evolución espiritual, porque hay muchos sueños y mucha fe.

Escuadrón manifiesta:
Afro-descendiente soy y Cuba es mi nación,
No somos peligro para nadie, presten atención:
No queremos violencia ni una confrontación,
Insisten en que nuestro mensaje es contrarrevolución,
Esto se llama realidad y compromiso con la nación,
El amor vence al miedo, la palabra a (inaudible)
Recordemos a la mente la voz, no la resignación:
Revolución es cambio, es progreso y es transformación,
No esconderán las esperanzas de millones sin razón.
Conspiración contra Escuadrón ¿por qué? Por mi visión
Quien la sabe conoce la peor cara de esta nación
Ni burguesía, ni familia en el Yuma, ni buena posición
Vivo en el corazón donde la gente sufre y se traga el dolor
No le canto a la política, error,
Yo tengo conciencia crítica y esta es mi proyección
Y claro que me preocupo, vivo en el centro del ciclón,
Las demandas del país son tantas sin tanta investigación:
Desigualdad, carencia, poca alimentación,
hacinamiento, incomunicación, represión,
generación desorientada, fatalidad, separación,
racismo, destrucción y una lista sin definición.
Pero nos siguen viendo como una provocación
¿Quién justifica que los albergues minen en la nación?
Somos la sangre que brota de la herida abierta de la revolución
La bandera de los soldados (inaudible)


Que lo mantengan en la luz que esto se está revelando,
Vamos ¡Somos la raíz del cambio!
Mucho tiempo pensando y sin actuar,
¿Qué estamos esperando? ¡Somos la raíz del cambio!
No pueden con nosotros: la verdad está en el pueblo,
Ellos lo saben ¡Somos la raíz del cambio!
Pa’los niños y los ancianos, pa’los negros y pa’los blancos:
¡Somos la raíz del cambio!


No miento cuando digo que esto se fue de control
Por cierto (inaudible)
Por la seguridad en acción
La orientación de lo que no es convoca la detención
Y en cada presentación hay respeto y reconciliación
Yo sé que cuesta muchísimo trabajo despertar
(inaudible) igual yo fui víctima fatal
Cierta información parcial, la ignorancia estatal,
El aislamiento es letal yo lo puedo demostrar
Soy incapaz de promover el odio, de manipular a nadie
Ni de lanzar el más (inaudible) testimonio
Tengo familia, amigos (inaudible)
Yo apuesto por un cambio para la prosperidad, es obvio
Porque lo que piensa la mayoría de la gente
Lo que quiere la mayoría de la gente
Lo que piensa la mayoría de este pueblo yo lo sé
¡No tengo miedo lo que suceda!
(Inaudible)
Toman espacio en cada esquina de mi casa para
Decirles a todos que Escuadrón es una amenaza
Deténgalos que están siendo la imagen que.. (inaudible)
Y el silencio en los labios (inaudible) minan el alma
La verdad puede que tenga relatividad
Pero no lo creemos: Nosotros somos la realidad
El amanecer de un nuevo día vendrá entre (inaudible) y música
Es de una nación cansada (inaudible)
Después de una declaración que se acusó contra el cielo
Me quedo en silencio y le pido al supremo
Que por cada lágrima derramada
(inaudible)


Que lo mantengan en la luz que esto se está revelando,
¡Somos la raíz del cambio!
Mucho tiempo pensando y sin actuar,
¿Qué estamos esperando? ¡Somos la raíz del cambio!
No pueden con nosotros: la verdad está en el pueblo,
Ellos lo saben ¡Somos la raíz del cambio!
Pa’los niños y los ancianos, pa’los negros y pa’los blancos:
¡Somos la raíz del cambio!
Cada hijo de cada barrio en cada pueblo
Con un puño en alto ¡Somos la raíz del cambio!
Mucho tiempo pensando sin actuar
¿Qué estamos esperando? ¡Somos la raíz del cambio!
No pueden con nosotros la verdad está en el pueblo,
Ellos lo saben ¡Somos la raíz del cambio!
Pa’los niños y los ancianos, pa’los negros y pa’los blancos:
¡Somos la raíz del cambio!

(Inaudible)…Hasta mi nación Cuba: Amor, paz y fe. Amor, paz y fe en nombre del más alto de la creación, somos todos la raíz del cambio. Todos amamos esta nación. Todos la amamos y libertad queremos para tener armonía, progreso espiritual, económico y social para nuestra isla. Todos tenemos responsabilidad y somos la raíz del cambio.
Gracias.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

"Meu marido vale a pena" entrevista telefônica com Suyoani Tapia Mayola (II)

Segunda Parte: Prisão Kilo 5 e Meio, em Pinar del Río

Quando decidistes seguir o destino de Horacio e mudar-te de Ciego de Ávila para Pinar del Río?

Sendo médica, dificilmente me autorizariam a continuar indo às visitas depois do translado de Horacio Tinhamos intenções de que a relação funcionasse e eu tive que me mudar para cá. Além disso não podia manter o rítmo de viagens desde Ciego de Ávila. Estou há quatro anos vivendo sem ninguém aqui em Pinar del Río, só a família dele e as amizades que venho fazendo desde que cheguei. As famílias de outros presos me apoiaram, na casa da família de Víctor Rolando Arroyo, por exemplo, era onde ficava quando as visitas vinham.
Foi duro me separar da minha família, eu nunca sonhei em viver em Pinar del Río e olha, aqui estou. Minha sogra morreu logo, foi um duro golpe para Horacio e para mim. Ela me ajudava em tudo, faleceu em 2 de março de 2008, de câncer.
Fiquei muito sozinha, porém meses mais tarde Deus me deu a sorte de ficar grávida e hoje temos uma menina de um ano e tres meses, pusemos-lhe o nome da mãe de Horacio: Ada Maria, é a Damazinha de Branco mais jovem.
Apesar de tudo eu creio que somos felizes, apesar de estarmos separados temos muitas coisas: uma família sobre uma base sólida. As pessoas me dizem que minha história parece uma telenovela, minha mãe acredita que na vida real isto não se vê muito. Nós, Horacio e eu, sempre temos tido muita fé, as vezes - minha mãe também me disse - sinto que é como uma missão, que só Deus sabe porque faz as coisas.
Não posso te dizer que seja completamente feliz, tenho ele na prisão e é muito duro: estamos todos presos, assim não temos vida. Eu levo minha menina à todas as visitas, brincam durante duas horas e ao separar-me dele, chora. Para nós como pais também é muito dificil, ele perdeu muitas coisas: seu primeiros passos, suas primeiras palavras. Horacio nos tem feito muita falta, como tantos que têm feito falta à seus filhos e suas esposas. Esperamos que tudo se solucione e que possamos viver como uma família, como a verdadeira família que somos.

Continuas exercendo a medicina em Pinar del Río?

Terminei meu serviço social e continuei trabalhando aqui, a mudança foi dificil, no início não queriam me dar um lugar. Minha carreira é eminentemente prática e sempre quis trabalhar. A segurança certificou-se que meu posto aqui em Pinar del Río fosse um lugar bem retirado, não havia nem rodovia, tinha-se que chegar numa carroça a cavalos e alí me tiveram por seis ou oito meses. Quando estava grávida tinha que viajar carreta com a minha barriga para ir e vir, todos os dias, do trabalho. Com o tempo me aproximaram um pouco do povoado e depois do município, porém com tudo isso estou longe. Como trabalhadora eu pertenço ao município de Sandino, a trinta kilômetros de onde vive a famíla de Horacio. Eles me deram trabalho, porém nunca me facilitaram as coisas. Um amigo médico me disse quando eu cheguei: Estás preparada para o que vais viver? Eu estou convencido de que tu nem imaginas as coisas pelas quais vais passar. E é certo, tenho passado por coisas muito dificeis, ainda pior quando fiquei grávida, com uma barriga imensa de seis, sete meses, só numa prisão, chegava com tres ou quatro malas e os oficiais ponderavam para começar a me tirar coisas. Estas histórias temos vivido todos os familiares dos prisioneiros, porém olho minha história em particular e o que nos têm feito, e há crueldade.

Tens algum momento especial que queiras me contar, algo que os haja marcado como casal?

Temos tido momentos muito duros, porém também muito lindos em nossa relação. Não nego que as vezes nós temos sucumbido - como todo mundo - porém sempre temos podido nos levantar e a prova é esta: hoje estamos juntos, ao fim de quase sete anos de relação e mais unidos do que nunca, de verdade.
Há uma história que nos marca - e é até graciosa - as vezes uma pessoa de fora a escuta e lhe parece normal, porém para nós tem muita significação: uma vez eu estava numa consulta e ele me chamou para que o atendesse. Pensei que se sentia mal, preocupei-me porque acreditei que era grave. Aconteceu que eu estava examinando os presos - o médico na prisão, geralmente, entra e faz a consulta na cela mesmo - e o guarda se esqueceu de mim, deixou-me só com os presos. Eu vía que Horacio me chamava e chamava, de repente parou ao meu lado e me abraçou como querendo dizer: que niguém a toque. Quando me dei conta do que se passava me assustei. Depois nos rimos e eu lhe perguntava: O que tu ias fazer? O que lhe atinou foi me abraçar diante todo mundo!

Quando se casaram?

Nos casamos em 21 de março de 2007, o casamento foi na prisão, uma coisa muito simples: levamos um tabelião, assinamos. Talvez um dia possamos celebrar melhor nossa união, com nossa família. Horacio tem tres filhas, a maior tem 22 anos e é muito apegada a nós, tinha 16 anos quando seu pai foi condenado.
Talvez nós tenhamos conseguido coisas que outros casais, com vida em comum, não tenham conseguido, atreveria-me a assegurar que existem casamentos na rua, vistos diáriamente, e que não têm o que nós temos. Não é um ato heróico meu: Horacio vale todo esse sacrifício que eu tenho feito, ele me inspira à tudo isto.

O que achas das negociações levadas a cabo nestes momentos entre o governo e a Igreja Católica?

É muito dificil ter uma filha única, ver como essa menina caminha, fala e cresce sem poder ver seu pai, ver como fica chorando cada vez que se despedem. É muito duro também vê-lo dar as costas e saber que fica encerrado atrás de uma grade, não saber se vai comer, se vai estar bem. Então, sempre e quando não vá contra nossos princípios, eu agradeço infinitamente tudo o que se faça a favor de sua liberdade e da de todos os presos. Há um mes não havia luz na minha vida, vivia por viver e hoje tenho a esperança de poder formar uma família, de dar à minha filha um lar estável. O lugar do seu pai é insubstituível, nem os avós nem ninguém pode ocupar, então a possibilidade de vivermos juntos, de ter uma vida normal, como Deus manda, é algo que tenho que agradecer.

(Fim da entrevista)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

"Meu marido vale a pena" entrevista telefônica com Suyoani Tapia Mayola (I)


Por acaso me inteirei da história desta médica de vinte e nove anos e seu marido, Horacio Piña Borrego, de 42, jornalista independente preso durante a causa dos 75. Enquanto me contavam a odisséia do seu destino me pareceu que estava lendo um capítulo de "Cumbres Borrascosas". Essas coisas não acontecem na vida real, pensei, e se acontece, eu tenho que falar com esta mulher, eu tenho que contar isso.

Um amigo comum nos pôs em contato e decidi chamá-la para que me desse seu testemunho. As palavras de Suyoani me calaram na alma e ainda dizem que por telefone tudo é mais frio, quando ela chorou eu também chorei do outro lado do auricular. Não pensei em publicar uma entrevista mas sim contar sua história; contudo, depois de gravá-la, alterar com as minhas palavras a vida desta garota me pareceu um sacrilégio.

Primeira Parte: Prisão de Canaleta, Ciego de Ávila

Como conheceste Horacio na prisão de Canaleta?

Nos vimos pela primeira vez numa cela de castigo. Foi chocante para mim já que eu não era médica da zona de isolamento, estava de plantão e haviam me chamado por que Horacio sentia-se mal.
Quando entrei no corredor a única coisa que havia era uma lâmpada incandescente, alí não entra a luz do sol porque as janelas estão fechadas com pedaços de zinco. Era um espaço imenso, não posso te dizer que tamanho tinha - é incomparável - haviam muitas celas pequenas, extremamente pequenas. E alí estavam cinco da causa dos 75: Raúl Rivero, Ariel Sigler Amaya, Luis Milán Fernández, Pedro Pablo Álvarez e meu marido, Horacio Piña.
Lembro que Horacio tinha dor de cabeça e pressão alta. Quando o vi através daquela grade foi extraordinário, desde esse momento os dois nos demos conta de que algo iria acontecer. Então nunca pensei que acabaríamos casando, que em algum momento até teríamos uma filha. Todavia foi mágico, eu tenho muita fé nesses acontecimentos, conhecer uma pessoa, enamorarmo-nos alí e logo formalizar um casamento e uma família, realmente tem que ser obra de Deus.

Por que os cinco estavam em celas de castigo?

Não havia razão para isso, foi a localização que as autoridades buscaram. É a cela de castigo para os presos comuns, porém tmabém é zona de isolamento. Qaundo eles foram presos os colocaram alí com os condenados à morte e à penas perpétuas. Horacio ficou alí um ano e quatro meses.

Quando se deram conta que estavam namorando?

No princípio éramos só amigos, mesmo que sempre tenha havido muita identificação. Em treze de maio de 2004 nós demos o primeiro beijo - quase um ano depois de nos conhecermos - porque como ele estava na zona de isolamento não nos víamos tão frequentemente, só uma ou duas vezes ao mes. Na prisão a relação dos presos com os oficiais e com os médicos é muito dificil, falaram muito al deles comigo. Meu marido me conta que muitas vezes quis puxar conversa, porém sentia medo de me decepcionar ou dizer algo errado, ainda mais em sua situação. Eu também tinha o intuito de lhe falar, porém tinha medo do mesmo modo.
Passou muito tempo antes que converssássemos, só quando o levaram ao destacamento com os outros prisioneiros nós começamos a nos ver praticamente todo dia e começamos a relação; eu atendia os pacientes crônicos e ele tinha várias doenças.
Nossa união foi, apesar de tanta diversidade, muito sólida: nunca falamos de algo passageiro, pelo contrário, sempre fizemos planos para o futuro. Tivemos muitas dificuldades porque existem coisas que não se pode dissimular: a segurança se deu conta que algo se passava, de que eu os ajudava, não só ele, mas também os demais. Começaram a nos vigiar, todavia nunca obtiveram provas palpáveis da nossa relação, se a imaginavam. Depois Raúl Rivero escreveu um poema relatando a nossa história, e a segurança a tomou. Horacio é maravilhoso, a pessoa que eu escolhi como modelo, apoio-me nele, dá-me forças para viver e continuar. Há gente que me diz: "Mas como é possivel? Tu és uma mulher jovem, tens uma vida pela frente. O que fazes unida à um homem condenado a vinte anos?" Eu simplesmente respondo: Meu marido vale a pena.

Quais foram as consequências de descobrirem tudo? O que aconteceu na tua vida pessoal e profissional?

Foram me buscar durante a consulta - eu estava justamente atendendo o Horacio - chegaram cinco oficiais da segurança e me levaram até um escritório, tudo aconteceu diante dele. Foi um momento terrivel, ele já sabia que algo se passava e disse aos oficiais: "Interroguem a mim, deixem-na!"

Pressionaram-me para que eu confessasse. Eu sou médica, era uma trabalhadora civil do MININT e fazia o serviço social, não éramos mais do que um homem e uma mulher, eles não podiam de me acusar de nada. Tentaram me intimidar usando a minha família, ameaçavam-me: diziam-me que iam contar para os meus pais. Um oficial me perguntou numa entrevista como era possivel que uma médica graduada da revolução se enamorasse de um terrorista. Nessa ocasião respondi: parece que você e eu não temos o mesmo conceito de terrorista, Horacio Piña não é terrorista.
Transferiram-me para outra unidade do MININT e ele foi mandado então para Pinar del Río. A última. A última entrevista em Canaleta foi em 18 de julho. Horacio foi mandado na madrugada de 11 de agosto para o Combinado del Este e posteriormente para Pinar del Río. Ou seja, ele só ficou mais uns dias em Ciego de Ávila depois que eu fui enviada para uma unidade de escritórios, nada relacionado com prisões. Eles diziam que não queriam perder uma médica, então, fiz uma permuta de lugar de trabalho: uma médica de uma escola estava interessada em mudar de trabalho, ela se incorporou ao MININT e eu fui para a escola.

Então não te permitiram continuar trabalhando em prisões?

Não, eles sabiam que eu tendo uma relação com ele iria ajudá-lo. Eles não querem, nem sequer podem imaginar que exista alguém que possa facilitar as coisas. Tive momentos de muita pressão, houve um dia em que eu estava esperando um ônibus para ir ao trabalho e na parada uma senhora dizia à outra: Há uma médica com um terrorista aqui na prisão de Canaleta.
Eles se encarregaram de divulgar esse alerta de "Médica com Terrorista" na minha província. Também foi muito dificil para minha família, meus pais foram citados pelo centro de trabalho. Foram momentos muito duros para todos, inclusive para ele, porque sentia-se impotente enquanto eu sofria toda aquela situação.

E tua família? Como reagiu ante tanta pressão?

Eu tenho uma família maravilhosa...me é dificil falar desse tema. No caso do meu pai, porque minha mãe é uma pessoa um pouco mais calada, disse-me: -Se nós não te ajudamos então quem o vai fazer? Tu és minha filha -. Recordar isso me dói.
No dia que a segurança me interrogou também interrogaram meu pai. Na manhã seguinte eu saía para o trabalho e me perguntou se necessitava que me acompanhasse:

-Papi, eu posso ir só - e me disse.
Então levanta a cabeça, não fizeste nada para que vás com a cabeça baixa.

Isso vou lhe agradecer sempre, na verdade tenho muito que agradecer aos dois porque ambos trabalham e estão relacionados de um forma ou outra com este governo, com o sistema. Outra família talvez não houvesse adotado essa posição. Os oficiais, inclusive, perguntaram ao meu pai por que eu continuava vivendo sob seu teto e ele alegou: -Não irá de casa de maneira alguma, é minha filha e vou ajudá-la em tudo. Assim o fez sempre, são sete anos já, praticamente, e aqui estou em Pinar del Río. Apesar de estarem longe eles tem me ajudado muitissimo.

E as pessoas, que atitude assumiram ante a difamação? Teus companheiros de trabalho, teus amigos?

Temos recebido o apoio de muitas pessoas, Horacio é muito sociável e fácil de se gostar. As enfermeiras nos ajudaram muito e ele, inclusive, mantém comunicação com pessoas em Canaleta. Eu lhe dizia naquela época: Tu tens olhos nas costas - e ele se justificava - As amizades me alertam dos perigos, me dão sinais quando alguém prejudicial para nós está perto.
A segurança do estado não conseguiu tirar a solidariedade das pessoas, essa é a espinha que eles têm cravada na garganta e por isso não me deixam viver em paz. Sempre fui perseguida, não tenho tido um momento de tranquilidade. Aqui em Pinar del Río, por exemplo, quando começo a trabalhar num lugar sempre acontece o mesmo, a princípio ninguém diz nada porém depois quando nos conhecemos confessam: Doutora eu tenho que lhe dizer uma coisa, antes de você chegar a segurança esteve aqui e nos disse que tínhamos que informar tudo o que você fazia, a hora de chegada e a hora de saída.
Chamaram meus pais e os pressionaram para que me peçam que volte, dizem-lhes que vão me dar trabalho, que vão me colocar na capital da província, que nào vai me acontecer nada...até a isto se atreveram.

(Fim da primeira parte da entrevista)

terça-feira, 20 de julho de 2010

O regresso


Imagem: El Guamá

Não sei por que nem para que, não me interessam as razões obscuras nem as teorias que rodeiam sua aparição. Não penso, nem por um instante, em tratar de arrazoar o regresso de Fidel Castro às câmeras. Existem coisas na vida que só são para se deleitar, e esta é uma delas.

O ocaso dos ditadores é algo dificil de desfrutar em sua totalidade, desde seu retiro em 2006 pressentí que perderia uma boa parte do final senil da "Revolução Cubana". Equivoquei-me e me regozijo pelo meu êrro.

Havia me conformado com as reflexões, pareciam cada vez mais contos curtos de ficção científica de revistas de 5 centavos do que outra coisa, são boas para rir, porém infinitamente inferiores a suas versões gráficas - não foi por outro motivo que a televisão arrasou com o mercado no século vinte.

Não é a mesma coisa ler isto:

"A economia da superpotência cairá como um castelo de cartas. A sociedade norte-americana é a menos preparada para suportar uma catástrofe como a que o império criou no próprio território de onde se iniciou.
Ignoramos quais serão os efeitos ambientais das armas nucleares que explodirão, inevitavelmente, em várias partes de nosso planeta, e que na melhor hipótese irão accontecer em larga escala. Aventurar hipóteses seria pura ficção da minha parte".

Do que escutar e ver isto:



Senhores, sem tristezas nem desesperanças, este milagre da comédia nacional tem que ser comemorado, existe a possibilidade de que seja a última vez que o veremos tecer considerações.

sábado, 17 de julho de 2010

Tristes Rodovias


Foto: Claudio Fuentes Madan

Mulher prática que sou, pensei em aproveitar minha viagem à Santa Clara para comprar na rodovia os produtos que na Capital custa muito para se conseguir ou têm um preço muito alto. Desde pequena recordo os camponeses vendendo na beira do caminho, eles mesmos semeiam ou criam, comerciando as mercadorias diretamente com os viajantes.

Surpreendeu-me a falta de vendedores ambulantes por kilômetros e kilômetros, esses camponeses têm uma economia muito precária e custa acreditar que a polícia se dedique a castigá-los por negociarem aquilo que brota das suas próprias mãos. Em casas de madeira e com suas vaquinhas recenseadas, com a venda de umas libras de queijo conseguem alimentar suas famílias por alguns dias.

Ainda restam alguns, dificilmente somam uma vintena ao longo dos kilômetros que separam Havana de Santa Clara. Temerosos, quando o carro para, acercam-se com cautela, pois a PNR os caça fazendo-se passar por cliente.

O rapaz com quem finalmente pude comprar queijo não chegava aos 25 anos, com certeza. Perguntei-lhe o que acontecia quando os pegavam: eles fogem a toda velocidade, tratam de salvar ao menos alguma mercadoria, e os policiais correm atrás deles floresta adentro.

-Correm atrás floresta adentro?

Dá trabalho levar a sério a imagem ridícula de um uniformizado correndo atrás de um campones pelo matagal, para confiscar-lhe vinte bananas. Como não ia fazer uma dissertação para o pobre rapaz, simplesmente lhe paguei e fui-me, porém a ideia me dá voltas na cabeça: Não há um milhão de pessoas improdutivas ganhando salários segundo o general Raúl Castro? Por que não começam a desmobilizar estes empregos predadores da economia familiar e permitem que os camponeses vendam seus produtos onde queiram?

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Quem não entende nada sou eu


"Não creias, não temas, não supliques"
Alexander Solzhenitsyn

Os últimos dias têm sido vertiginosos, marcados pela alegria e a incerteza. Não me despedi de Pablo Pacheco porque o tiraram do país as escondidas, não consegui falar com Pedro Argüelles e ainda tenho gravada nos meus olhos a imagem de Fariñas, congelada no instante em que uma careta no seu rosto provava que, para ele, um gole de líquido é A Dor.

Estive um pouco desconectada, correndo de um lado para o outro, de Pinar del Río até Santa Clara, inteirando-me de todos os acontecimentos graças ao fluxo de sms que alguns amigos têm conseguido nos manter. Ví muita gente com fé em que algum dia viveremos num país livre, fiquei impressionada pela rede solidária nas cercanias do hospital onde Coco está: uma vintena de amigos leais e seus companheiros, velam com fervor os altos e baixos de sua saúde, orientam os distraídos - como eu - que chegam tres horas antes da visita, oferecem tudo o que têm, e isso é quase nada. Lamentei sinceramente que nenhum jornalista tenha tido o trabalho até agora, de falar com essas pessoas que desde há quatro meses cuidam em silêncio da vida do homem mais livre de Cuba.

As vezes torna-se desestabilizador ver tanto arrojo e bondade em pessoas como a mãe de Fariñas e tanta indolência e hipocrisia em artigos como este. Há vezes em que é preferível não se conectar a Internet.

Aborrece-me muito, muitíssimo, sentir o escamoteio das vozes da sociedade civil em termos de uma política tão oportunista acerca do que vivemos hoje no meu país: a libertação dos inocentes. Em qual momento da história o diálogo foi entre a Igreja e o governo cubano, ficando Moratinos como mediador? Quando serão libertados os prisioneiros que querem viver em Cuba? Por que no aeroporto internacional os "livres" não entraram no avião como o resto dos passageiros? Se poderão entrar em Cuba quando quiserem, por que não lhes foi possível, agora, dizer adeus aos seus amigos nem tomarem um café em suas casas antes de sairem da ilha.

Hoje vi pela primeira vez o rosto de Paneque numa foto da Internet, meus sentimentos são inenarráveis, este texto torna-se-ia absurdo se me deixasse levar pelas minhas interrogações. Dói-me dizê-lo, porém até agora só uma palavra define o logro deste diálogo sui generis que exclui os protagonistas e vítimas de uma das partes: Desterro.

Quando ao menos um dos ex-prisioneiros de consciência libertados em Madrid colocar seus pés em Cuba de visita, quando Pedro Argüelles, Eduardo Díaz e Regis Iglesias estiverem em suas casas, quando os laicos Dagoberto Valdés e Osvaldo Payá sejam convidados às negociações entre o governo e a Igreja Católica, e possam opinar em igualdade de condições, então estaremos no Diálogo; até este momento só falamos de concessões, conveniências e saídas de emergência.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Juan Juan Almeida, hoje na 23 com L



Quer saber a que mais Hugo Pavón se dedica? Olha aqui

Resposta de Guillermo Fariñas Hernández ao jornal Granma



A jornalista Deisy Francis Mexidor intencionalmente destacou toda a equipe médica que atende Guillermo Fariñas Hernández, entre eles o Dr. Armando Caballero López - chefe de Cuidados Intensivos e Especialista em Segundo Grau; Dr. Elías Becker García - Especialista em Segundo Grau em Nutrição Parenteral; Dr. Luis Alberto Pérez Santos, Especialista em Segundo Grau em Terapia Intensiva; Dr. Mauro López Ortega, Especialista em Segundo Grau em Terapia Intensiva; Dr. Mario Rodríguez Domínguez, Especialista em Segundo Grau em Terapia Intensiva; Dr. Rodolfo Delgado Martínez; Dr. Israel Serra Machado; Dr. Ernesto Fernández Aspiolea, Especialista em Primeiro Grau em Terapia Intensiva; Dr. Marcos Castro Alonso, Especialista em Primeiro Grau em Terapia Intensiva; Dr. Yoniel Rivero Lóbrega, Residente do terceiro ano em Terapia Intensiva e Dr. Carlos Herrera Cartaya, o qual não integra a equipe médica por estar cumprindo missão na Venezuela e ao encontrar-se de visita em Cuba, assiste todos os dias pelas manhãs as discussões da equipe médica com respeito a evolução de Guillermo Fariñas, devido a experiência de anos atrás nas diferentes greves que o mesmo realizou.

O professor Armando Caballero cometeu um pequeno êrro porque não entrei com 53 kilos em 11 de março e em algumas ocasiões me levaram até 69,75 kilos. Todo isso foi graças ao nutrólogo Dr. Elias Becker, isto nos dá a certeza que Orlando Zapata Tamayo foi assasinado porque se tivesse recebido o atendimento médico que o jornal Granma relata que tenho recebido, nessas horas não seria um defunto.

Torna-se óbvio explicar o motivo do meu jejum e se propõe no diário que é um suicídio e não se exoplica aos leitores do mesmo que Guillermo Fariñas está em greve de fome desde 24 de fevereiro passado exigindo licenças extrapenais para 25 dos 26 presos políticos que se encontram nos cárceres de Cuba como presos de consciência e em delicado estado de saúde.

Considero que devido a gravidade do meu estado têm usado o humanitarismo dos médicos para irem preparando a mídia internaciona para meu falecimento futuro. Estou consciente do meu falecimento próximo e o considero uma honra pois trato de salvar a vida dos 25 presos políticos e de consciência de que a pátria necessita como líderes. Os únicos responsáveis pelo minha futura morte são os irmãos Fidel e Raúl Castro. Confio na equipem médica e paramédica que me atende. Por isso tenho rejeitado as diferentes ofertas feitas para que eu vá me tratar em outros países. Quero morrer na minha pátria ante os narizes dos ditadores que possuem as pistolas, fuzis, canhões e bombas. Só tenho a moral de ser do povo de baixo, enganado e submetido durante 51 anos pelos que possuem as armas, a violência e as leis totalitárias e que desgovernam desde cima.

Guillermo Fariñas Hernández

domingo, 4 de julho de 2010

Umas férias

Foto: Claudio Fuentes Madan

Estarei fora do ar por alguns dias, continuarei postando porém com menor frequencia. Preciso descansar um pouco, o corpo e a mente me pedem. Contudo não se preocupem, estou bem.

Água fria e dívida eterna


Amélia tem cerca de cinquenta anos e vive só, seu marido morreu em Angola e desde então recebe uma miséria de pensão através da Associação de Combatentes . Como não trabalha para o Estado e, contudo, ainda está em idade laborativa, por várias vezes trataram de lhe retirar os escassos 200 pesos que recebe como "ajuda econômica".

Desde que trocou sua geladeira a vida se complicou para ela: tem água fria, porém uma dívida com o Estado de 2000 pesos, uma trintena de pagamentos mensais mais os encargos por atraso que não pode liquidar. Desde há alguns meses recebe semanalmente um "inspetor" em sua casa que a informa que seu caso vai mal. Tudo começou com uma multa que ultrapassava sua própria dívida impagável. Como não funcionou, veio a chantagem de tirar-lhe a geladeira e por fim uma ameaça de ação judicial.

Amelia sabe que não poderá juntar essa soma, e seu inspetor, tornado confidente por força de ver-lhe pessoalmente, confessou-lhe que ele tampouco havia podido cumprir o seu compromisso de pagamento.

Num estranho "Ano da Revolução Energética", epíteto escrito sob a data em cada documento oficial e nos quadros-negros das escolas, Fidel Castro decidiu renovar os equipamentos eletrodomésticos de nossas casas. A energia nunca chegou, porém nossas lâmpadas, ventiladores e refrigeradores foram trocados sob permuta por novos, mediante compromisso de pagamento a prazo.

Alguns anos depois uma percentagem bem alta de cubanos deve milhares de pesos ao Estado, reuniões do PCC exortam os militantes à "velar pelo cumprimento dos compromissos em seus núcleos e em seus bairros" e de passagem também a "saldarem suas próprias dívidas para dar o exemplo". Porém, depois de 50 anos - seja militante do Partido ou não -, o denominador comum do cubano médio é a insolvência, e esta economia familiar quebrada é o resultado da má administração do governo, que agora exige que paguemos o que nunca ganhamos.