domingo, 12 de setembro de 2010

Sacrificio


Foto: Orlando Luis Pardo Lazo

Pegou a missão por várias razões: depositariam 50 CUC mensais num banco em Cuba, poderia adquirir os eletrodomésticos que tanto necessitou durante a vida toda, compraria roupa para seus filhos e, além disso, sairia da maldita policlínica que estava lhe acabando com a existência.

Sabia que a Venezuela era um país bem violento e politicamente instável, porém a delegação cubana estaria bem protegida, supostamente era prioridade. Os localizaram nas cercanias, uma zona pobre e com muita deliquência. Ninguém lhe advertiu que ao chegar lhe seria tomado o passaporte e ficaria sem documentos. Trabalhou muito, descobriu que os venezuelanos em sua maioria sentem o mesmo que os cubanos: a política dividiu sua sociedade em dois.

Sofreu os ódios de um povo que, do mesmo modo que o seu, perdeu as rédeas do seu futuro. Descobriu que a paranóia não tem fronteiras e que o medo também viaja nos aviões. Um companheiro seu morreu num tumulto entre bandos do bairro. Pediu para regressar para Cuba porém o compromisso era interminável – como o partido comunista – e isso de ficar deprimida não é compatível com a solidariedade entre os povos. Todavia não pode regressar e para se consolar, a cada manhã em frente ao espelho, trata-se com: 50 cuc, 50 cuc, 50 cuc.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O acidente


Foto: Orlando Luis Pardo Lazo

Outro dia fui testemunha de um acidente em Luyanó. Orlando Luis e eu twitteamos o que pudemos e mal conseguimos tirar algumas fotos sem que uns tipos vestidos de civis nos tirassem nossas câmeras. Acidentes de trânsito ocorrem todo o tempo em qualquer lugar do mundo e me pergunto por que o governo cubano impede que estes sinistros cheguem à imprensa. É ridículo e penoso que membros da Segurança do estado se dediquem, em meio a uma catástrofe, a perseguirem camerazinhas e evitar repórteres.

Às vezes me parece que a censura e a burocracia são seres vivos, com suas próprias leis de sobrevivência, sua necessidade de se perpetuar e seus ciclos de vida. Coloca o Estado em risco dizer-nos quantos mortos e feridos houve no dia 20 de agosto, quais foram as causas do acidente e o que aconteceu com o chofer?

Já não se trata de imprensa livre, nem de liberdades políticas, nem sequer de direitos cidadãos. Trata-se de um monstro que em cinqüenta anos cresceu tanto que poderia engolir todos os acontecimentos da nação. Um monstro que se alimenta do nosso conhecimento, do nosso intelecto, da nossa capacidade de compreender a história. Um monstro que traga nossas desgraças e alegrias, nossos sonhos e nossas vidas.

domingo, 5 de setembro de 2010

Cansaço

Imagem: O Verdugo, por Luis Trápaga

Suas manhãs são as mesmas desde anos: comprar a farinha no mercado negro nas padarias estatais, conseguir os ovos que os vendedores levam escondidos nas mochilas, regatear as goiabas nas plantações para que o negócio lhe seja vantajoso. Com as altas e baixas que dependem do grau de repressão contra as “ilegalidades” que existam, consegue manter decentemente sua casa vendendo doces.

Porém as coisas se complicaram muito: por duas vezes teve que enfiar pela janela do pátio, a toda velocidade, algumas cigarrilhas que sua vizinha escondeu quando os inspetores vieram. Graças a Deus que isso não acontece frequentemente! Quando pode coloca nos cakes uns confeitos que sua irmã lhe manda de Miami onde tem uma pequena confeitaria muito próspera. Começou como ela em 2000, fazendo tudo sozinha, porém com o passar dos anos contratou uma ajudante e agora tem um negócio modesto que abastece de guloseimas uma boa parte do bairro.

Conta-me tudo com uma nostalgia infinita, uma inveja sã da sua irmã do outro lado que conseguiu “tocar pra frente”. Pergunto-lhe se pensa que Raúl Castro permitirá alguma abertura econômica, facilidades para a pequena empresa, licenças e esses tréguas mínimas que lhe tornariam a vida mais fácil. Ri-se, porém seus olhos parecem chorar – Estou velha menina, por mim dá no mesmo, cansei de esperar.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Cidade desconhecida


De tanto olhar pela mesma janela, ver a mesma rua, falar com as mesmas pessoas e viver na mesma cidade, termina-se por pensar que se conhece todas. Se me houvessem contado eu não teria acreditado, agora como sei que é verdade estou cheia de questionamentos. As ruas de Havana guardam ainda muitas surpresas para mim, por sorte.

Agosto letal. Chego ofegante na 23 com 12 e encontro dispersos pelo chão vários panfletos como o da foto: FREE IRAN. Que é isto minha mãe? Pego um e olho ao redor, diria que eu sou a menos surpresa dos que me rodeiam. Um tipo com aspecto de segurança flagrado em falta mete uma no bolso e faz um gesto de asco com assombro. Creio que não gostou. Não poderia dizer se FREE IRAN se qualifica como “Propaganda inimiga”, porém evidentemente “Propaganda amiga” não é.

Na G com 23 há mais. Muitas mais. A maioria foi pisoteada. Quem teve esta idéia tão genial? Já não tenho dúvidas, isto está relacionado com as idéias fixas que fustigam a mente alucinada de Fidel Castro. Como ficaria o companheiro Fidel se ao invés da terceira guerra mundial a ditadura iraniana chegasse ao fim?

Primeiro número da revista Vozes (Voces), em pdf.


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