segunda-feira, 30 de março de 2009

Um minuto de liberdade por pessoa




Yoani Sánchez só me disse: "Há uma performance, vai estar bom e eu vou participar, esteja no Centro Wifredo Lam as 8 da noite".

Nunca pude imaginar me deparar com uma tribuna e um microfone a disposição de todos, para cada um de nós. O lugar estava lotado de gente; para conseguir chegar na primeira fila tinha-se que ziguezaguear pela massa entre licenças e -quero chegar no microfone. Tudo começou com uma mulher que, pomba branca no ombro esquerdo, fazia caretas sem emitir som, enquanto dois rapazes, vestidos com o uniforme do MININT, contavam o tempo para findar sua intervenção e lançá-la de novo para o povo mudo.

Logo depois apareceu Yoani, falou da blogosfera, da censura, havia um silêncio total e quando terminou muitíssimos aplausos, o pessoal a conhecia e estava feliz. Corri então e subi, estava muito nervosa: não tinha um microfone em frente nem um público que me escutasse desde os 9 anos, quando vestida de pioneira assaltei uma reunião do CDR para ler um comunicado incompreensível, com o tempo desenvolvi uma espécie de fobia ante este aparato que só servia para mascarar a realidade de meu país.

Preparei um texto as pressas que li com a garganta apertada:

Que um dia todos tenhamos todos os minutos do dia para dizer diante de um microfone tudo o que queiramos. E que a propósito também os que hoje tenham essa possibilidade, dediquem um minuto, ou até mesmo menos, para dizer a verdade.

Desci, mas permaneci por dizer muito, então subiu Reinaldo Escobar, não teve tempo de terminar e os militares o baixaram: o oportunismo foi a última coisa que se escutou de seu discurso, já com os pés postos no chão. O tempo passava e ninguém mais subia, a pessoal estava assustado, um artista foi e disse:

O que eu tenho é muito medo.

Caminhei outra vez até a tribuna e disse: Que um dia a liberdade de expressão em cuba não seja uma performance.




Lembro-me de outras intervenções:

Claudio Fuentes fez uma votação: após de falar de ditadura e de presos políticos pediu que levantassem as mãos os que estivessem de acordo com mudar as coisas, quase todo mundo levantou as mãos.

Um porto-riquenho disse que ainda que ele vivesse numa colônia, em seu país havia liberdade de expressão e pediu que deixassem o microfone disponível 24 horas.

Um americano: Eu não falar espanhol, porém: viva a mudança!

Com capuz preto na cabeça Reinaldo Escobar foi pela segunda vez: Eu creio que isto deveria estar proibido.

Hamlet Labatista, artista plástico, pediu democracia e que subisse um deles, ao menos um.

Ciro Díaz ia cantar “El Comandante”, porém o tempo tinha terminado e, não os rapazes vestidos de militares, senão um técnico de som tosco caminhou e lhe gritou: Acabou-se, enquanto dava ordens à suas costas: Desconecta já!

Uma boa quantidade de público ficou gritando: Ciro, Ciro, Ciro!, como se fosse um concerto de Porno Para Ricardo e pedissem outra canção.
A brigada de resposta rápida estava pobre, só com duas pessoas, e suponho que se sentiram estranhos, em franca minoria e sem poder no estrado: uma experiência completamente nova para eles.


domingo, 29 de março de 2009

Bibliografia em pen drive


Sempre gostei de ler, na adolescência cheguei a extremos absurdos: ler debaixo do chuveiro, andando pela rua, no meio de uma festa ou numa caminhada. Já não sou tão radical porém continua sendo um enorme prazer para mim, meus amigos sabem que gosto e me trazem livros, o ruim é que ultimamente recebo os melhores livros digitalizados e temo que quando decidir examinar a visão sem uma fila de 4 horas, me mandarão no ato fazer óculos.

Não obstante, vale à pena gastar as pupilas, ultimamente o que há na rua é bombástico:

-Da ditadura à democracia e a Relevância de Ghandi no mundo moderno, ambos de Gene Sharp.
-Russia: Algo menos que democracia, entrevista com Alexander Podrabinek.
-Não vivas na mentira, de Alexander Solzhenitzn.
-A saída do comunismo, de Jakub Karpinski.
- O regime, a oposição, “Solidariedade”, de Marek Tarniewski.
-A controvérsia da purificação, de Petruska Sustrová.
-O poder sem poder, de Václav Havel (do livro “As Ideias Democráticas: Armas da liberdade”).
-A Democracia como valor universal, de Amartya Sem.
-Faça-o tu mesmo.
-ABC da democracia.
-O caminho da solidariedade.

Creio que não vou poder evitar, este ano não termina sem que um par de lentes evite minha dor de cabeça.

Cômicas violações dos absurdos cinquenta


Foto: Claudia Cadelo
Texto: Claudio Fuentes Madan

Prefiro particularmente considerar os fatos acontecidos que descrevê-los meramente e falar um pouco sobre as causas que nos levaram ao seu intento. Estando na casa de Claudia Cadelo há mais ou menos uma semana, deparo-me com sua preocupação sobre o caso de Antúnez, no que ela se debatia numa mistura de valores contraditórios e peleja de sentimentos opostos. Comentava comigo os pontos ou regras que este senhor defende e exige do governo cubano com uma greve de fome começada pelo mesmo, faz aproximadamente um mês e pouco segundo a escassa informação que tínhamos a respeito. Claudia me dizia que a notícia sobre o precário estado de sua saúde não estava comovendo ninguém ou a muito poucos e, além disso, considerava algo mórbido que se sucedesse algo aos Porno Para Ricardo ou à Yoani Sánchez, por exemplo, então se armaria o escândalo midiático, porém no caso Antúnez, não estava ocorrendo algo parecido. Recordo que dentro das coisas que falamos, chegamos a um acordo de idéias: as diferentes pessoas que esperam e pretendem mudanças em Cuba, essas que questionam leis e medidas do governo cinquentão, essas que em muitíssimas ocasiões por suas ideias receberam todo tipo de repressão, importunação e violações em seus direitos cidadãos mais elementares, não pensamos da mesma maneira em nossas análises sobre os métodos ou maneiras de enfrentar a mesma situação de carências aberrantes, em que se encontra a maioria. Senão amém pelos desacordos das estratégias tomadas existe um magnífico ponto de coincidência: todos queremos diversas arqui-conhecidas liberdades, das quais não falarei, e cada dia são mais os que não só de fora de Cuba senão desde as entranhas mesmas do escasso barbudo, enfrentam com sua valentia pessoal, ainda que com certeza sobre o risco dos erros que irão acontecendo à caminhada.

Claudia me olhava e repetia que ninguém estava fazendo nada, que ela mesma não estava fazendo nada. De algum modo eu estava internamente em situação parecida, então para essa estranha sensação de ausência, na que sabia muito bem que todos éramos parte dessa massa chamada agora por Claudia de NINGUEM, atravessei como quem não quer a coisa: porque não vamos lá, diretamente à fonte do problema, de passagem conhecemos Placetas e nos infomaríamos em primeira mão, falaríamos com Antúnez, discutiríamos nossos pontos de vista, etc...poderíamos fazer uma reportagem sobre ele. Eu me lembrava de um estupendo artigo de Reinaldo Escobar intitulado, se bem me lembro, “o problema, meu problema”, que li no seu blog Desde Aquí. Claudia prontamente parou de arfar, ficou tranqüila e sem pestanejar concordou.

Quatro dias mais tarde Ciro Javier Díaz e este escritor, partiram até lá pagando a passagem com nosso próprio dinheiro e o sabor de quebrar nossas rotinas momentâneas com a feliz aventura. Apenas 20 minutos após nossa chegada, as 11 e alguma coisa da manhã de segunda-feira 23 de março de 2009, a uns metros da suposta esquina da casa de Antúnez, um carro patrulha nos capturou com a violência habitual destes casos, levando-nos à estação policial para as rotineiras investigações. Fomos liberados no dia seguinte, terça-feira 24, quando nos colocaram num automóvel e nos levaram até o terminal de ônibus urbanos da Ciudad de la Habana sem imputação, acusações, nem explicações posteriores, foram devolvidos nossos pertences: minhas câmeras, mochilas, documentos e inclusive uns CDs de Porno Para Ricardo e La Babosa Azul que Ciro levava como presente para Antúnez.

E agora companheiros, como fim de linha, a lista das violações que os repressores deste caso trivial e não trágico na aparência, cometeram no pleno exercício de suas rotinas em tempo integral.

1- A impossibilidade de deambular livremente por qualquer zona ou região deste território nacional e soberano. É evidente que então a nação só é desfrutada, abarcada por seus controladores, e esta nossa experiência, reafirma as suspeitas de que os cidadãos sem cargos no governo ou relacionados com este, são confinados numa regionalidade cada vez mais estrita e reduzida.

2- Fomos privados do direto de realizar uma chamada telefônica enquanto permanecíamos na qualidade de detidos. Quando perguntamos se isto era possível, o oficial indagou qual era o objetivo de nossa petição, se com ela pretendíamos avisar nossos familiares e amigos sobre nossa situação. Ao receber a resposta lógica e afirmativa de nossas gargantas, começou a rir com sarcasmo e nos perguntou por que nos ocorria semelhante idéia já que sairíamos em breve... saímos no dia seguinte. Ao menos não tivemos que pagar a passagem de regresso, disso se encarregou a Segurança deste Descarado Estado de Sítio.

3- Golpearam o simples direito de liberdade de reunião com quem se estima, o direito cidadão de informar-se livremente pelo modo que quisermos, e o poder de difundir nossos pareceres a respeito, ainda que estes últimos cada vez lhes pareça afortunadamente, mais escabroso, raivoso e difícil. O pouco da Internet que conseguirmos filar também servirá para denunciar-lhes e expressar-nos.

4- Horas depois de serem devolvidas as câmeras fotográficas, notei que haviam apagado as fotos que uma delas continha, a digital compacta. As fotos que ali estavam podiam ser vistas com facilidade na tela da mesma e eram imagens que nada tinham a ver com o acontecido. Entendo que esse seja o modos operandi violador e obrigatório para estes casos, onde se evidencia que são eles os que tem o terrível medo das perguntas de cidadãos comuns, onde fica claro que são os controladores que tem que esconder suas ações bárbaras, e se enfurecem sob o respaldo de uma autoridade abusiva com qualquer intenção de jornalismo verdadeiro. Não obstante quero que fique claro a eles que não esperávamos outra ação de sua parte, sempre com seu ritual de maus tratos e manipulações. Entendemos que não tenham outros métodos possíveis, sempre os mesmos e dogmáticos. Realmente compreendo e compadeço com ironia e sem ela, que atuem da mesma jaula de comportamento. Só assim mantêm suas ambições rapaces e poder cada vez mais pobre e ausente de argumentos, pelo que também espero que me perdoem esta sutil cagada nas vísceras de todos eles e brindo-lhes ainda por cima, minha mais sincera lástima por contribuir e levar tão penosa carga de maldade.

PD- Hoje já é quinta-feira e agora termino este artigo, não só por uma ligeira, real e habitual vagabundagem que geralmente acompanha minhas atividades intelectuais, senão porque, além disso, quando começava as primeiras linhas ontem quarta-feira 25, fico sabendo que Orlando Luis Pardo Lazo tinha uma citação para as tres da tarde na estação de polícia de Lawton. O esperavam do lado de fora, Claudia e Lía, fora sua noiva, assim sendo decidi somar-me ao irritante baluarte. Saiu as oito da noite num estado de indescritível confusão e decidimos todos juntos continuar a noite analisando o novo caso de violação. Poderá parecer-lhes estranho, porém eu continuo desfrutando com essa estranha plenitude do presente tudo que sucede, e me gabo de ter ao meu lado pessoas de quem aprendo enquanto as desfruto infinitamente, do silêncio que sempre me fica enquanto rio de alguma coisa.

quarta-feira, 25 de março de 2009

A Citação de Orlando (atualização)



Enfim...nos vemos em Luyanó

Texto de Orlando: A hora da telenovela, para que não fique dúvida de nossa mútua vocação de diálogo, tal como me fora anunciado por um rumor que a semana passada aterrizou e aterrorizou no camping literárido cubano. Vou com peças negras, em restrição de tempo e com um ELO amador.

O encerramento da jornada:

Depois de 5 horas numa suposta "entrevista", classificaria este interrogatório como um convencitório: o que mais se tratou foi de convencer Orlando de que assinasse uma Ata de Advertência (apresentada apesar da negativa do acusado em firmá-la) por haver publicado em Lunes de Postrevolución suas colunas relacionadas com a bandeira cubana.

Fecho este post e este triste dia com um parágrafo das Palavras aos Intelectuais, de Fidel Castro:

"Quer dizer que vamos dizer às pessoas o que tem de escrever? Não. Que cada qual escreva o que queira, e se o que escreve não serve, morreu. Se o que pinta não serve, morreu. Nós não proibimos ninguem que escreva sobre o tema que prefira. Ao contrário. E cada qual que expresse da forma que considere pertinente e que expresse livremente a ideia que deseja expressar. Nós apreciaremos sempre sua criação através do prisma do cristal revolucionário. Esse também é um direito do Governo Revolucionário, tão respeitável como o direito de cada qual expressar o que queira expressar."

Que te importa este negro?


Lamentavel a pergunta que a segurança do estado fez à Claudio e Ciro, que não puderam colocar um pé na quadra de Antúnez, sitiada por um contingente policial absurdo. Não entendiam muito bem o que faziam um músico e um fotógrafo preocupados por um grevista (negro?). Mostraram-se confusos frente as câmeras e perguntaram para quem trabalhavam. Claudio lhes disse que eram artistas independentes, que a entrevista era para um blog...não sabiam o que era um blog, porém hoje já teem uma ideia:

-É a possibilidade que cada indivíduo tem de publicar livremente todas as suas ideias.

A solidariedade é ilegal





Colocar um gadget de solidariedade pareceu-nos muito pouco para apoiar uma pessoa que desde há um mes não come. Ciro Díaz e Claudio Fuentes foram hoje (23/8) as 6 da manhã num ônibus, depois de terem pegados suas passagens sem nenhum problema com antecipação, para Placetas para poder expressar pessoalmente à Antúnez nossa solidariedade.

Porém parece que uma vez mais nos equivocamos, não é tão facil chegar, abrir uma porta e dizer:

-Compadre, viemos de Havana para que saibas que estamos contigo.

Nestes momentos os dois estão detidos numa unidade de Vila Clara, foram entrevistados e não sei se poderão chamar-me de novo. Claudio foi quem me chamou, um policial lhe dizia que largasse o telefone e ele repetia que tinha que dizer algo à sua mãe sobre um comprimido. Sob estas condições de comunicação: não sei onde estão, nem o que está acontecendo e nem quando os vão soltar.

Porém isto não é novo, já sabemos que "eles", os agentes cinza, são uns exagerados.

Parece que Ciro terá uma saga outra vez...com foto reportagem e tudo.

Entrevista com Orlando Luis Pardo Lazo


Orlando Luis Pardo Lazo blogueia desde o ano de 2008. Nasceu na Ciudad de La Habana, em 10 de dezembro de 1971. Licenciado em Bioquímica em 1994 pela faculdade de biologia de Ciudad de la Habana, abandonou as ciências pouco a pouco pela literatura, até que esta última não deu lugar mais para outras especialidades.

Entre os prêmios recebidos e publicações oficiais: Prêmios de Conto das revistas La Gaceta de Cuba 2005 e Cauce 2007. Prêmios de Narrativa Pinos Nuevos 2000 (livro Collage Karaoke), Luis Rogelio Nogueras 2000 (livro Empezar de Cero), Félix Pita Rodríguez 2004 (livro Ipátrias), Calendário 2005 (livro Mi Nombre es William Saroyan), entre outros. Prêmio de Fotografia da revista Tablas 2008.

Publicações não oficiais: Editor do e-zine de escrita irregular The Revoluton Evening Post. Blogs e revistas digitais em que participou: Revistas Cacharro(s), 33 y 1/3, Desliz e The Revolution Evening Post. Nos blogs Fogonero Emergente, Penúltimos Dias, Pia McHabana e Lunes de Post-revolución.

Faz pouco Orlando Luis lançou seu livro Boring Home, censurado por Letras Cubanas, em uma apresentação freelance durante a Feira Internacional do Livro de Havana nas cercanias da sede. Durante toda a semana anterior à apresentação, a cargo de Yoani Sánchez do blog Geração Y, o autor sofreu uma forte pressão policial, ameaças por e-mail e via telefônica contra sua pessoa. Apesar disso, a apresentação de Boring Home foi um êxito, participaram escritores, fotógrafos e blogueiros do país.

1-Quando começastes com teus blogs Pia McHabana e Lunes de Post-Revolución?

Pia McHabana (quem quer que seja) começou a bloguear em agosto de 2008, após uma temporada perdida na internet ( e creio que já se extraviou de novo). Em outubro de 2008 eu começo a dar continuidade no meu blog Lunes de Post-Revolución, onde publico, mais do que posts, todo meu colunismo semanal: resenhas, opiniões, delírios, entrevistas, desacatos, travessuras abjetas, reportagens sobre nada, onirismos e onanirias literárias no máximo. Este blog é meu melhor empenho autoral. Gostaria de vê-lo publicado em papel algum dia, pois suspeito que seria um livro intolerável,
inistrumentalizando-se pelo poder (intolerável), outra jagged little pill de escrita cubanesca. Um gesto limite no tão pacificado camping cultural cubano. Um gongo de combate. Uma performance radical que em Cuba hoje constitue um suicídio editorial: uma dessas heresias ilegíveis que imediatamente te convertem num ex-critor.

2- Foi mediante esses blogs que começastes a existir na blogofesra ou antes havias publicado em algum outro espaço digital?

Antes eu aparecia esporadicamente em espaços web alheios, inclusive em revistas oficiais Made in Cuba, como Esquife, Alma Mater, El Caimán Barbudo e La Jiribilla. E também, certamente, envolvi-me em trabalhos editoriais alternativos como as revistas independentes Cacharro(s), 33 y 1/3, o projeto Desliz e meu próprio e-zine de publicação irregular The Revolution Evening Post (que realizo junto aos escritores cubanos de Cuba Jorge Enrique Lage e Ahmet Echevarría Peré). Nos blogs Fogonero Emergente e Penúltimos Dias, entre outros, pode ler-se boa parte de meu trabalho blogueiro como colunista. Assim, pouco a pouco fui agregando leitores e simpatias. Além dos conhecidos comentários odiosos que me agridem pessoalmente, inclusive desde outros sítios como Kaos em la Red (cujo segmento cubano se conhece anagramaticamente como Asko em la Red).

3- Tens recebido prêmios por cada um dos seus livros publicados em Cuba e inclusive fostes jurado de prêmios de literatura. Todavia, hoje por lançar “Boring Home” freelance, tens recebido chamadas diretas da segurança de estado e ameaças anônimas pelo telefone e por e-mail. O que acreditas que provocou esta mudança tão radical de conduta oficial com respeito à tua pessoa e tua obra. Quando começou a campanha digital anti-Orlando Luis Pardo Lazo?

As mensagens e as chamadas anônimas são anônimas, pelo que não se pode indicar ninguém por sua violência verbal carcerária: atrás dessa máscara muda reside precisamente sua cota de terror. Os ataques iniciaram se tão logo circulou a convocação digital para o lançamento de meu livro de contos Boring Home (retirado, sem sequer me notificarem, do editorial estatal Letras Cubanas, que desde meses o havia aprovado e já havia se comprometido oralmente com sua publicação para a passada Feira Internacional do Livro de Havana: o contrato em Cuba é um trâmite a posteriori). Já antes me chegaram rumores de que altos funcionários liam com ressaibos (e as circulavam promiscuamente, e até as publicavam em outros sítios sem permissão) minhas colunas blogueiras: assim me advertiam da maneira siciliana de que eu estava cruzando uma linha sem volta. A nenhum ataque respondi de maneira frontal, pois todos intentavam estigmatizar-me com essas palavras que em Cuba são sinônimas de empesteado: dissidente, mercenário, contrarrevolucionário, agente, etc. (Todo um voCUBAlário para que ninguém mais lembrasse que eu sou e seguirei sendo um escritor.) Querem me por de cabeça ou cú no campo criminal da política. Nossos diretores culturais são analfabetos ou lêem sem humor: talvez entre resoluções e cheques tenham perdido a libido escolar da liberdade. Hoje por hoje dá pena tanta disciplina. As editoras não deveriam castigar seus autores por suas biografias (ou reconhecer que são escolinhas político-moralistas e não casas editoriais).

4- Falemos um pouco de “Boring Home”. Conta-me a história deste livro.

Boring Home é um livro trocadilho onde as histórias importam menos que o discurso. Há relatos extensos e outros de só uma folha, porém em todos emerge esse prazer de saborear as palavras: a aliteração antes que o literário. Os personagens de meu livro para cúmulo estão obsessionados com o ato quase póstumo de narrar: como compilar a matéria prima da ficção, como complicar-se até provocar uma fricção. Seja com a letra de uma canção, seja com os titulares da imprensa oficial, seja com a memória paranóica de uma garota que fugiu, seja com a nostalgia patológica do que se foi sem nunca ir-se ou do que voltou sem haver-se ido jamais, seja até com uma reescritura dos elementos químicos da Tabela Periódica: meus textos são um experimento e uma interrogativa sobre os limites da narrativa neste ou qualquer outro contexto. Alguns destes contos foram premiados e publicados em revistas e antologias de dentro e fora de Cuba, desde La Gaceta de Cuba até Encuentro de la Cultura Cubana. Esse meu ecumenismo na hora de não discriminar entre espaços editoriais já foi entendido como minha provocação original. A proibição nunca tornada oficial de Boring Home eu compreendo, em conseqüência, como uma provocação das Letras Cubanas contra minha legitimidade de autor: uma forma de minimizar-me pelo meu trabalho blogueiro, uma lição exemplificante para o resto de meus contemporâneos da Geração Ano Zero, acaso um modo de sugerir pelas costas que eu renunciara a postear meus deleites-delírios-delitos. Porém nestas alturas da historieta pátria, i-ne-vi-ta-vel-men-te (como se reitera na promoção digital antes do lançamento) essa mácula burocrática não podia ficar sem uma resposta pública. Com sorte, deveria ficar muito claro que há e haverá letras cubanas fora e depois de Letras Cubanas.

5- Conseguiste lançar o livro em meio de uma enorme operação policial da segurança do estado, vieram escritores, fotógrafos e muitas pessoas apesar da intimidação. O que achas que isso possa significar? Poderia ser considerado um novo horizonte para os limites da censura?

La última cena de la censura”: bonito título que logo roubarei de um post do teu blog. Oxalá signifique um gesto de erguer a cabeça. Um primeiro passinho de nossos escritores na argila estéril lunar (e lunática) do mundinho editorial cubano de Cuba. Em última instância, um gesto beligerante de paz: não queremos auto intitularmo-nos censurados nem vítimas de nenhuma instância, porém existe e nos assiste o direito de réplica, responder nas condições que como criadores nos sejam mais vantajosas ( e não necessariamente pelos canais estabelecidos para subir uma queixinha edípica ao estilo do século XX). Os atores somos outros: efêmeros, porém eficazes. Se a Instituição Cultura perde esta oportunidade de diálogo divergente, pior para ela. Terão de se adaptar ao seu papel admnistrativo e não ao reitor. Ou ficaram fora das coordenadas vivas e mutantes do século XXI cubano que ainda ninguém se atreveu a inaugurar.

6- Participas do itinerário blogueiro de Yoani Sánchez, tens vários blogs e fazes parte de Voces Cubanas. Como sentistes a presença da pequena comunidade blogueira ao teu redor durante esses dias difíceis?

Solidária. Ainda que não entendendo de todo a gravidade do assunto, mostraram solidariedade, simpatia civil e até bom humor. Agradeço a todos. Em especial à Yoani Sánchez por aceitar o desafio de apresentar meu livro, sabendo que quase nenhum outro escritor cubano estaria disposto a fazê-lo. E a você Claudia Cadelo, por me abrir uma janelinha para respirar em meio daquela atmosfera viciada, e por esta entrevista agora. Os maus leitores dizem que me manipularam para fazer um show (até nas ameaças telefônicas me diziam), porém semear este tipo de imundície é entre nós o ofício mais velho do mundo (odioso ofício de ofídio). Também muitos leitores lindos e blogueiros cubanos de meio mundo estiveram a par desta apresentação mínima nas cercanias de La Cabaña: nem sequer invadimos o espaço de suas muralhas, nos bastou deixar um grafiti simbólico junto às pontes elevadiças do Castillo de La Kafkabaña.

7- O que achas da blogosfera alternativa? Como te sentes dentro dela?

Sinto-me a margem, sempre a margem. Dentro e fora. Como um boxeador que toma e dá, e não se compromete demasiado com nenhuma briga. Sou uma linha perene de fuga. Desloco-me entre infinitas capas deleuzeanas de uma cebola sem couraça nem coração, assim obtenho alegremente um rizoma suculento e brincalhão: escrevo para perder o rosto, cavando minha própria trincheira de resistência autoral frente ao consenso zoocial. Sou uma extensão que não acredita no despotismo das chamadas essências e também de todos – ismos sectários. Além disso, suponho que toda blogosfera deva ser alternativa: o contrário seria trabalho assalariado (cibernautas idiotas et al). Leio muito pouco online, porém descarrego páginas daqui e dalí que logo consumo sempre com surpresa. Confio no poder crescente da convocação da WWW e seu respeito pelo cidadão ante as instituições e a massa. Em muitos desses blogs com sorte já transpira o futuro.

sábado, 21 de março de 2009

Enterrados na areia



Não posso, as vezes, afastar a ideia de estar imovel no meio do tempo. Uma sensação parecida com a que ainda menina sentia quando meu pai brincava de enterrar-me na areia, não podia resistir-lhe por mais de uns segundos. O conceito de liberdade absoluta é uma ilusão , todavia, não é uma ilusão nossa capacidade para medir e compreender que não é a mesma coisa estar enterrado na areia sem poder mover-se e estar de pé frente ao mar olhando até o horizonte distante, tão distante que quase perde sentido chamar-lhe de limite.

Em meu país, enquanto que os pensamentos estejam bem aquecidos debaixo da areia, alguem pode sentir-se seguro de não estar literalmente aprisionado entre grades; todavia, quando decidimos colocar nossas ideias numa garrafa vazia e lançá-las ao mar, rumo ao horizonte distante, nosso corpo corre o risco de renunciar por tempo indefinido a um banho de mar.

Os amigos me falam de mudanças, recebo mensagens que dizem falta pouco e um "botero" comenta, estupidamente otimista, que estão consertando as ruas (depois, ante minha apatia e meu pessimismo, confessou-me que estava no programa para refugiados políticos, e de passagem, aconselhou-me por alguma estranha razão que tambem me envolveu). Olho ao redor e vejo uma expectativa da qual eu não sinto a mínima sensação: a verdade é que não tenho Fé, não creio nestas mudanças, não posso evitar.

Mais de 200 pessoas estão encarceradas por pensar diferente há seis anos, o noticiário é um vomitório de mentiras, o Granma é uma brincadeira de mal gosto, continuamos com os mesmos problemas, com a mesma falta de liberdade de sempre, com o mesmo partido, com as mesmas organizações de massas, com a mesma política e com a mesma ideologia. Sinto muito, porém a verdade é que não veio nada novo com uns ministros a mais e uns de menos, um irmão menor acima e um irmão maior abaixo.

Quisera poder dizer que o único responsável por esta situação é Fidel Castro, porém não posso. Lembro quando renunciou ao seu poder, no meio tempo antes que Raúl tomasse o mando, que Randy Alonso dizia na Mesa Redonda todo o tempo: "A direção da Revolução" se encarregou disso, "A Direção da Revolução" decidiu outra coisa, e eu me perguntava meio de brincadeira meio séria, sob qual conceito abstrato nos estavam governando.
Não me interessa se o modelo é chines, russo ou marciano: nestas alturas só posso pensar, e espero realmente estar equivocada, que até que toda "Direção da Revolução" deixe de estar no poder, não mudarão muito as coisas para nós aqui debaixo.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Professores...Para que?


Foto: Por E.M. (Mural da secretaría da faculdade de arquitetura da CUJAE, curso 2007-2008)

Vou em meu ônibus habitual e encontro um rapaz de 16 anos que conheço do bairro e que me dá o assento. Vai de uniforme do técnico médio, sei que estuda pela manhã porque nos vemos as vezes no P4, imagino que vai para casa. Porém não, me diz que vai para a escola de novo: empenhar-se em matemática. Pergunto-lhe se é dificil (para mim a matemática sempre é dificil) e me diz sorridente que é o professor. Pela minha cara dá-se conta de que estou atônita, porém não posso evitar um: Professor como?!... Ha, não há professores não? Não quero tornar-me chata e começar a sermonear sobre o que acredito acerca dos estudantes do segundo ano do técnico médio que dão aulas ( fui um deles assim sei perfeitamente o quanto é desastroso). Além disso o coitado não tem culpa, com certeza o mandaram ou o puseram entre a espada e a parede: dar aulas vs carreira na universidade, este tipo de chantagem típica dentro do ministério da educação.

Pergunto-lhe a idade dos alunos, imagino que esteja colocado numa secundária ou algo do gênero. Ri-se, parece que sou uma extraterrestre pelas coisas que pergunto, responde-me como à uma criança na idade do "por que", com paciência: estou dando aulas à pessoas da minha classe, a tarde. Aí sim que perco o rebolado, devo parecer-lhe uma louca: Porém menino, como vais dar aulas aos de tua classe se são as mesmas aulas que tu recebes?! Ele não perde a compostura. Bendita adolescência que tudo entende e nada sabe! Explica-me, vê-se que entende minha situação porque outro me haveria mandado para longe: Eu assisto as aulas de matemática pelas manhãs, do professor, depois pela tarde venho e dou a mesma aula que ele me deu.

O absurdo me supera, faço um comentário no estilo "o que deves estar passando" ou "pobres alunos", não recordo bem porque nesse momento estava tratando de controlar-me (Ao contrário do que opinam alguns intelectuais e jornalistas oficiais cubanos, não me parece que o ônibus seja um pódio para a liberdade de expressão, ao menos que decidam fazer as próximas assembléias do partido comunista no plenário durante a rota "Alamar-Calixto García") porém sua resposta coloca um ponto final na conversação: não se perturbe se me compreendem melhor do que ao professor.



Pequena nota sobre a foto: E.M., que era professor da CUJAE nessse momento, conta-me que estavam estreiando a "assinatura", pelo que a Universidade de Havana enviou um professor para que a transmitisse. Passado um tempo chegou a G2 na faculdade e levaram o mestre numa patrulha: o professor havia tido problemas políticos e até havia dado umas "entrevistas subversivas". Os estudantes confirmaram que o que dava nas aulas era "coquito con mortadela" ( em pouco tempo e apesar da matéria que lhe coube transmitir chegou a ser muito popular entre o corpo discente). Ainda que não tenha seu nome nem seus dados, ficou gravada na minha memória como a versão real-tropical do professor de "Maestro y Margarita" e lamento não haver desfrutado de alguns de seus períodos.

terça-feira, 17 de março de 2009

O espírito das mudanças



Foto: Claudio Fuentes Madan

Do exterior perguntam como nós cubanos vemos "as mudanças" que foram feitas pelo governo de Raúl Castro. Eu quis ilustrar estas mudanças com duas conversas ao acaso, uma em que eu participei e outra que me relataram para que pudesse ser postada.

Sobre os hotéis:

Falando com um rapaz que trabalha num hotel de Habaguanex, contou-me que a coisa está muito ruim, que quase não se pode fazer nada ilegal e como consequência ninguem está ganhando dinheiro. Inclusive me relatou a história de um estrangeiro que colaborou com a polícia para denunciar os que vendiam rum e tabaco dentro do hotel (há quem carrega a delação no interior, mais além da nacionalidade e da cultura).

Porém o melhor foi quando comentou sobre os cubanos nos hotéis, aqui suas palavras mais ou menos:

-Olha, garota, normalmente a direção do hotel não quer cubanos, tem ordens neste sentido, assim é que geralmente lhes dizem que não há vagas, essas coisas. Porém apesar disso, no caso de aceitarem um, a recepção do hotel tem que informar à segurança do estado que há um cubano hospedado. Na terceira vez que essa pessoa fique em hotéis no prazo de um ano, a segurança o chama ou vai à sua casa para interrogá-lo: onde arranja o dinheiro, por que fica em hotéis, essas coisas. Tremenda mudança: não é?

Sobre as mudanças no governo:

(Diálogo entre um amigo e seu vizinho)

Meu amigo: Não percebes quão opressivo é que destituam um ministro e um chanceler e não deem a menor explicação acerca dos motivos pelos quais foram destituídos?

O vizinho: Não. Porém te enganas, isso fazem pelo bem deles, é para ajudá-los...se dizem os motivos da falha eles teriam que mandá-los para o cárcere. Por exemplo, na fábrica onde trabalho me pegaram roubando, mas meus chefes deram uma chance, eles não me denunciaram. Eles só te castigam, e se é muito grave te despedem.

O vizinho: E o que te fizeram?

Meu amigo: Me despediram.

Meu amigo: E então, agora o que fazes?

O vizinho: Trabalho em outra fábrica.

sábado, 14 de março de 2009

Projeto Resumo




Foto: Claudio Fuentes Madan

Retirado da saga: El Ciro versus A Segurança do Estado

Fazia tempo sem escrever porque depois de 30 anos de sangrenta batalha contra a G2 agora me dedico a luta pacífica. Agora só farei projetos cívicos pro democracia e recolherei umas assinaturas e uns votos.

Meu primeiro projeto entitula-se Projeto Resumo e só tem um postulado (ou como queiram que se chame essa coisa). Em seguida o exponho:

O comunismo é um caralho.

Você poderá votar na coluna direita do blog "Sim" (caso esteja de acordo) ou "Não" (caso não tenha vivido o comunismo). Abaixo voce poderá ver como está a votação.

Obrigado,

PS: Colocamos um plugin de maneira que o "Não sei" não exceda 137 votos. Assim que, se voce vir no resultado que "Não Sei" já chegou a 137 não se de ao trabalho de marcar porque seu voto não será registrado e para que vejam que sou bom vou dar 137 pontos de vantagem à "Não Sei" antes de começar a votação.

PS2: Por problemas técnicos não se pode por 137 fixo, por isso a enquete resultou ser muito mais democrática do que queria.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Diferentes formas de viver a vida


Foto: Com o grupo Omni-Zona Franca antes de uma leitura de poesia.

Enquanto nós estudamos os códigos html, aprendemos a postar, nos reunimos para compartilhar experiências, nos apoiamos mutuamente frente a problemas tecnológicos e compartilhamos nossos espaços; eles, estranha maneira de serem felizes, insultam todos na web, escrevem textos cheios de mentiras, ofendem sem dar a cara e criam o caos por onde passam.

Enquanto Yoani Sánchez configura a nova plataforma "Voces cubanas" (com a fé das pessoas boas e inteligentes, que pensam que seus adversários "estão a altura do conflito"*), para oferecer um espaço não bloqueado e livre de censura para todos os blogueiros alternativos do país; eles se dedicam a hackear e desfazer seu trabalho, sem um mínimo de vergonha, numa espécie de pirraça infantil de menino malcriado no primeiro dia de escola, que não entende que estudar é, simplesmente, inevitável. Quando ela desce e sobe 14 andares todos os dias para ir conectar-se na Internet, escreve artigos, redige posts, organiza reuniões culturais ou itinerários blogueiros; eles ganham a vida com os fundilhos sobre o muro em frente a sua casa ou seguindo-lhe por toda Havana.

Enquanto que a comunidade blogueira cubana e internacional se une e organiza um concurso para motivar o blogueio livre dentro da Ilha, nós, blogueiros e não blogueiros, participamos de atividades culturais alternativas, ou expressamos nossa solidariedade com aqueles que foram censurados, encarcerados ou (sofreram) qualquer tipo de evento repressivo; eles seguram os microfones, intervem nos telefones, acusam as pessoas, perseguem, intimidam, gritam, ameaçam, insultam e chantageam.

Porém o melhor de tudo é que enquanto nós nos divertimos, eles demonstram que não tem um mínimo senso de humor. Enquanto nós conhecemos, ampliamos nossa voz, nossos horizontes e abrimos os olhos, eles os fecham e nos odeiam. Enquanto nós somos livres, eles trabalham no cárcere. Enquanto Yoani é multi premiada, reconhecida no mundo inteiro e um orgulho para sua família; eles continuam sendo os agentes cinza, os sem rosto, os que nunca poderão contar à seus filhos a verdadeira história de suas vidas.

*tirado de uma canção de Fito Paez: Me gusta estar al lado del camino.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Operação policial

Quadro: Carrossel, de Guillermo Malberti, exposto na galeria 23 y 12 no mes passado.

Chego na parada, é o pior horário do P4 (é arriscado) a fila é enorme e vejo que vem um ônibus
lotado que larga um pouco de pessoal na esquina para chegar na parada com menor carga. Não consigo subir. Espero mais uma hora pelo próximo, porém vem tão cheio que não para. Decido-me pelo taxi de 10 pesos, chega a me dar coceira porém não resta outro remédio. Caminho um kilômetro até a parada de Playa, para situar-me na esquina por onde eles passam. Surpresa: estão todos estacionados com cara de cena armada, umas mulheres vestidas de cinzento escrevem em talonários e uns policiais observam a cena: há operação (policial), não haverá forma de sair daqui hoje rapidamente.

Paciência, os minutos passam, pergunto-me se falta muito para que terminem de martirizar os taxistas. Após um tempo não muito grande um se destaca e o vejo caminhar até o carro, discretamente aproximo-me e lhe digo: 23 e 12? Responde-me em voz alta que sim e nos vamos.

Pergunto-lhe pela operação policial e se saiu-se bem, disse-me que sim, sem problemas, porém que lhe deram uma multa. Paradoxo?

-Por que te deram uma multa?
Porquê não tenho licença.
-E como é que entras no carro assim sem problema diante deles?
-Já lhes paguei.
-Por que não tens licença?
-Agora é que começaram a dá-las, porém demora e eu faço praça há anos aqui. Aqui quase ninguem tem licença, lhes dás um jabá e te deixam tranquilo.

Havia-me equivocado, a operação não era para martirizar os taxistas, era para extorquir oficialmente os taxistas, no ponto é mais cômodo porque todos tem que passar por alí. O caminho até o Vedado foi muito divertido, para todo taxi que passava faziamos sinais para que soubesse que havia operação no Paradero, alguns inclusive gritavam suas opiniões a respeito e faziam perguntas.

Suponho que grande parte da população que pegou taxi nesse dia não pode chegar no Paradero, e suponho que os policiais e as mulheres de cinza, fizeram uma boa soma de dinheiro.

Um dia todas as pessoas que tem negócios privados poderão contar as macabras histórias de chantagem e extorsão a que são submetidas diariamente, e poderemos todos saber com cifras exatas o nível de corrupção que reina neste bastião do socialismo: os restaurantes privados fechados porque chegou um cara e levou os papéis sem dar explicações, os policiais tomando dinheiro dos que trabalham por conta própria, os uniformizados verde oliva esticando a mão para receber o pagamento mensal dos que os alugam. Porém não só isso: todos os arquivos que contam essas barbaridades que tem feito e que um dia poderemos ler.

Embora as vezes me lembro da triste história de Milán Kundera sobre a delação e perco um pouco a Fé na suposta hora da verdade. Como vamos confiar nesses arquivos que um dia serão abertos se foram escritos pelos mesmos que hoje vivem da chantagem, mentira e repressão?




Varais de roupa elétricos para todos



Faz aproximadamente três anos que os fios do meu edifício, construído na década de 40, disseram chega e deixaram de andar*. Pouco a pouco em menos de um mês nossos apartamentos foram-se apagando, fomos caindo em conta gotas na escuridão.

No que os vizinhos faziam reuniões três vezes por semana para decidirem por uma solução coerente e rápida, nós, os mais desesperados nos cotizamos para o eletricista particular que imediatamente apareceu e transitoriamente colocou para cada um de nós um fio desde o medidor até a casa. Amarrados aos canos e entre as tubulações, trepando pelas paredes e pendurando-se pelos ares, fios coloridos começaram a entrar por nossas portas e janelas para tirar-nos das trevas.

Porém inesperadamente o andar térreo do edifício estremeceu com uma explosão e também se apagaram as luzes das escadas e dos corredores (eu comecei a dar as boas vindas às minhas visitas com um irônico: bem-vindos a Kosovo!). Tudo ficou condenado ao varal (de roupas) de corrente.

De forma rápida surgiram quatro políticas diferentes de solução: os aposentados do MINIT e os combatentes do edifício começaram uma super otimista gestão com o governo: visitas e cartas aos ministérios; os bens posicionados fizeram suas chamadas telefônicas; os quadros do CDR contataram o micro-social e nós, os descrentes, buscamos um profissional do assunto que por 10 cuc por apartamento nos colocaria o edifício novo em três dias.

Passaram os meses e ninguém se punha de acordo, apesar de que nossos varais de roupa passam em frente ao quarto do diretor da empresa elétrica, tampouco chegava algo de concreto. Os do MIINT tinham Fé e os posicionados esperavam a pronta solução de tudo segundo o prometido. Como há apartamentos que não podem pagar 10 cuc de nenhuma forma porque não os tem, nossa delegação se comprometeu a pagar a parte dos que não podiam, porém as outras delegações pediam paciência, não queriam pagar 10 cuc: parecia-lhes um descaramento e um abuso.

A empresa elétrica, micro social e condomínio jogavam a responsabilidade uns nos outros e nos maltratavam. Finalmente a empresa elétrica deu uma resposta: o que cabia a eles eram os fios do poste da rua até a entrada dos mesmos no relógio, dos relógios em diante saía de sua jurisdição. Nosso edifício foi declarado terra de ninguém.

Como os relógios estavam velhos (tinham a mesma idade que os fios), então a empresa elétrica fez o que lhe correspondia: veio e os trocou. O s vizinhos construíram uma parede para tirá-los de dentro das escadas, por segurança. Depois de 15 dias tínhamos todos os relógios novos e todos os varais dirigidos até cada apartamento. Continuamos pagando, com certeza, a mesma conta de eletricidade que antes.

Passaram-se já alguns anos e vários ciclones, de vez em quando se espalha o pânico e muitos, quando ocorrem eventos atmosféricos se vão (como eu). Já ninguém se lembra de mandar cartas, chamar os contatos ou convencer de juntar dinheiro. Acostumamo-nos, o perigo converteu-se em cotidianidade e com certeza: perdeu completamente seu sentido semântico.

*”Esta grande humanidade disse: Basta! E irrompeu a andar, e sua marcha de gigantes já não se deterá”.Ernesto Guevara




sexta-feira, 6 de março de 2009

Sobre Geração Y

Yoani está fazendo alguns ajustes no portal Desde Cuba e por isso é que não se pode ler. Parece que as mudanças demoraram um pouco mais do que o previsto porém esperemos que rapidamente esteja tudo bem. De todos os modos me disse que publicará uma nota dela em Voces Cubanas.

Não houve debate*


O Festival de Jovens Realizadores se realiza uma vez por ano em Havana, especificamente nos cinemas Riviera, Chaplin, 23 y 12 e na sala de projeção Fresa y Chocolate. desafortunadamente o circuito é pequeno e há pouca promoção, as vezes parece que a mostra é exibida para os jovens realizadores e não para nós: o público. O festival não chega às zonas da periferia de Havana e no interior simplesmente não existe. Nós que já somos fãs sabemos que muitas das coisas que serão vistas, não serão vistas em nossos cinemas nunca mais, e menos ainda na televisão. Certos de que haverá surpresas, alguns diretores são caçados pelo público nos cartazes: afinal quando é que mostrarão o último curta de Eduardo del Llano? (Brainstorm)

A mostra nos tem permitido conhecer a vida dos mergulhadores e escutar seus testemunhos ("De buzos, leones e tanqueros" de Daniel Vera); tem-nos guiado até os "Llega y Pon" dos imigrantes da província e nos atira na cara sua pobreza e desolação ("Buscándote Habana"de Alina Rodríguez); tem criticado os absurdos de muitas das "batalhas ideológicas" e dos "programas da revolução" ( "Utopía" de Arturo Infante); temos escutado críticos de arte, artistas, escritores e especialistas falar livremente sobre a censura e sobre a história de Cuba, essa que não estudamos nos livros nem na escola ("Zona de silêncio" de Karel Ducasse); e nos tem presenteado, inseridas em suas propostas, as canções de músicos que estão censurados em todos os demais meios de difusão ( o documentário "Todo tiempo pasado fue mejor"de Zoe García e o curta "El Deseo", de Alejandro Arango incluem ambos música de Ciro Díaz).

Enfim, a mostra de jovens realizadores nos oferece cada ano na tela essa realidade que vemos diariamente porém todos sabemos que oficialmente continua sem existir e nos deixa sonhar, ao menos se não com uma sociedade diferente, com uma sociedade mais livre: é o único momento do ano em que nos aprofundaremos, sem dúvida, em documentários e curtas que mostram realmente a miséria e as necessidades sociais, estando refletidas, de maneira geral, todas essas coisas que hoje nos preocupam: o futuro, a mudança, a sociedade, a pobreza, a censura, as liberdades individuais e as perspectivas de vida.

Em 28 de fevereiro na sala Fresa y Chocolate projetaram "Todo tempo pasado fue mejor" de Zoe García e "El futuro es ahora" de Sandra Ramos; dois excelentes diretores muito jovens, dos que acredito, apesar de não terem muitos conhecimentos de cinema, passarão com suas propostas a enriquecer a história do documentário cubano. No final da projeção realizou-se um "debate" onde os realizadores foram responder as perguntas do público. Havia ademais, uma moderadora e um homem que não sei muito bem o que fazia ali, porém que dava a palavra ao público apontando com a mão os que pediam para falar ( devo esclarecer que não tive a sorte de que me apontasse, apesar de que fomos poucos os que levantaram a mão).

A moderadora anunciou rapidamente que o debate duraria uns 5 minutos: os encarregados da noite de festa, no citado Fresa y Chocolate, não poderiam permitir que o debate se estendesse visto que no pátio as pessoas estavam ansiosas. Também enfatizou que os que desfrutávamos de “La première” não tínhamos direito a estar na festa porque era por convite, e esclareceu de passagem que não perdêssemos tempo escondidos no banheiro porque nos tirariam. As perguntas incômodas nunca foram feitas e as respostas ficaram no ar. Inclusive um rapaz quis saber por que não se levava o festival a outros lugares do país, no que a moderadora respondeu que “A mostra fazia o que podia”. Depois falou pelos dois minutos restantes, o que disse pareceu-me interessante, embora não estivesse muito de acordo (falou da subjetividade excessiva de algumas imagens), o que me pareceu excessivo foi seu extenso discurso na qualidade de moderadora.

Do mesmo modo, apesar de não haver tido um debate real, nos ligamos muito com a tela e encerramos a apresentação com uma frase dela mesma ( a moderadora): “há que se continuar empurrando o muro”

* “Não houve debate” foi o nome dado por Fidel Castro a reflexão que publicou sobre seu encontro com a presidenta argentina Cristina Kirchner.

Esclarecimento: por problemas de conexão não posso revisar se estes documentários e curtas se encontram na Internet para serem baixados, se alguém conhece algum link para que os interessados possam vê-los, agradeceria que os compartilhassem nos comentários.Para ver o site oficial da mostra: aqui

terça-feira, 3 de março de 2009

Não queriam mudanças?



Imagem: El Guamá
Texto: La Salamandra Blanca

Promover, liberar, designar, fundir, verbos por decreto. Para os que acreditaram, já chegaram as tão esperadas mudanças.

Dos mais renomados, três tristes tigres*, e alguns mais tirados de lugar por obra e graça do Senhor.

Poucos o imaginaram assim. Ou pensaram que as mudanças são o que querem, pedem ou sugerem os debaixo?

E por este acaso, porque haverão muitos comentários (embora, com certeza, a nenhum lá em cima importe isso) só por"'etica" venha uma frase final como um remendo antes do principal:

"A institucionalidade é um dos pilares da invulnerabilidade da Revolução no terreno político, pelo que devemos trabalhar no seu constante aperfeiçoamento. Não acreditamos nunca que o que fizemos é perfeito".

Já disse alguem: Nada é eterno e A perfeição não existe.

A isso se restringem. Caballero, isso tambem é revolução, mudança, renovação, constante aperfeiçoamento. Não estávamos pedindo-a aos gritos? Lá vamos, isso nos dão, já estava anunciado. E que ninguem se ria, porém tampouco chorem pelos rapazes, tá?

*Nota do tradutor: Tres Tristes Tigres é uma novela bem conhecida do escritor cubano Guillermo Cabrera Infante. Traduzida por Suzanne Jill Levine, trabalhando em cooperação com Cabrera Infante, que tambem fala inglês, preservou a aliteração no livro com título em inglês: Three Trapped Tigers.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Igual a Cachinhos Dourados: de três em três



Hoje senti-me como a Cachinhos Dourados quando finalmente chegou a tão ansiada, anunciada, comentada e esperada (inclusive desde o estrangeiro) batata. Puseram nas minhas mãos (não faz falta uma bolsa) meu prêmio mensal: mamãe batata, papai batata e nenên batata, essa é a minha cota.

Posso sentir-me profundamente feliz por não ter que depender da bondade da Revolução para alimentar-me, as consequências para meu peso e minha saúde poderiam ser catastróficas.

Contudo há que se estar infinitamente agradecida, oh sim senhor, que essas três batatas que não merecemos nos sejam "dadas" por nosso governo socialista. É a inversão do milênio, não? Três batatas bem podem valer a liberdade de um ser humano, se outras vezes valeu menos, o que mais dá?

Três batatas que nós comeremos, e com elas nós comeremos tambem todos os nossos direitos de cidadania.