domingo, 31 de janeiro de 2010

Quinta -e sexta-feira- de aniversários


Não é por casualidade que em 28 de janeiro Voces Cubanas complete um ano de vida na Internet, é uma data histórica e não exatamente porque um grupo de blogueiros indomáveis ou cyber fofoqueiros - fascina-me o adjetivo - tenham se liberado na Rede. Ainda recordo quando Yoani Sánchez, durante os itinerários blogueiros, nos falou de Voces Cubanas e da intenção de criar um portal plural onde unificar vozes independentes da multicolorida sociedade cubana.

De umas pequenas fotos que anunciavam cinco blogs em 2009 hoje somos vinte e seis linkados no portal. Daquela primeira reunião de blogueiros tão interessante para a Segurança do Estado, existe hoje na casa Geração Y uma academia onde um sacerdote, um músico punk, um advogado, um estudante, uma renegada da polícia política, uma artesã e um professor descobrem que podem sim, compartilhar com harmonia, o espaço de tres metros por tres metros da classe, bem que os cubanos com seus contrastes poderiam compartilhar toda a ilha.

O desafio foi grande: ensinar a bloguear sem Internet, a Twittear sem celular, a implementar plugins e a administrar uma interface que supostamente só existe on line, e aparentemente é porque a cada terça e sextas-feiras nós comprovamos que nada existe, salvo na vontade humana.

Nota: Hoje, sexta-feira 29 de janeiro, também é o aniversário de Claudio Fuentes Madan, que passou a amanhã em "conversação" - uma nova maneira que o DSE tem para chamar às prisões e interrogatórios - com dois oficiais do MININT e um "não identificado".

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Concerto de La Aldea na Madriguera





Os artistas "revolucionários" em frente e os contestatórios atrás, poderia ser dito do programa do concerto de domingo na La Madriguera. Porém valeu a pena esperar quatro horas para escutar os últimos tres: El Clan, Sílvito el Libre e - com certeza, encerrando - Los Aldeanos.

Apesar das falhas técnicas que perseguem os concertos do underground cubano, a queda suspeita de um microfone e as absurdas imagens da apresentação - enquanto tocava o tema de Aldo e el B "Las Mikies", um carateca ensinava um bebê a dar pulos na neve - escutar um pouco de música com intervalo low level foi como passar um fim de semana em Varadero.

No domingo tive um dia desagradavel, preocupado e solitário...valeu a pena sofrê-lo só para ver chegar a noite.



segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

As mesmas técnicas e o mesmo final


Os abusos que o poder absoluto e onipotente perpetrou ao longo da história se repetem como se o eterno retorno não fosse só uma teoria, senão uma certeza do mundo em que vivemos. Assim, muitas vezes as histórias das biografias daqueles que se outorgaram o poder supremo saem das páginas dos livros e se misturam com nossas vidas, levando o medo ao centro da nossa existência.

A perseguição aos rapazes que participaram da Marcha pela Não Violência tem sido uma constante desde seis de novembro. Há dois dias chegou ao seu grau máximo e alguns foram sequestrados pela Segurança do Estado. Sequestrados porque ainda que a Polícia Nacional Revolucionária acompanhasse os incógnitos companheiros do DSE, não tinham a Citação Oficial correspondente segundo o Código Penal. Assim, estes rapazes que em sua maioria não passam dos vinte anos, viram-se sentindo na própria carne - num quarto desmantelado da delegacia de polícia da 21 com C - as cenas vistas em documentários sobre aqueles que uma vez estiveram a mercê de outras polícias políticas: ativistas chilenos, poloneses, checos...

O mais terrivel de tudo é a repetição exata do roteiro, com um crescendo arrepiante de violência:

-Convencer-te.
-Comprar-te ou comprometer-te.
-Desacreditar teus amigos.
-Fazer te sentir sozinho.
-Tirar tuas coisas (celular, laptop, discos ou memórias flash) sem nenhum documento de confisco.
-Ameaçar-te teu futuro, tua família e tua integridade física.

Eles, os seguranças, tem estudado uma triste carreira universitária: técnicas de coação e repressão da cidadania. Nós, os civis, os enfrentamos sem o menor ABC de como sobreviver ao tsunami do poder. Com certeza temos só uma coisa que - no final - será a arma mais poderosa: a consciência. Essa que eles perderam, porque para graduarem-se como "árbitros da injustiça", a primeira matéria em que se deve ser aprovado é a "amnésia de valores cívicos".

O medo é uma arma de dois gumes. Hoje meus amigos duvidam e não querem que escreva seus nomes, ainda pode ser que mudem de ideia. Parece-me que se esconder quando aqueles que te buscam são os únicos que sabem onde estás, não tem muito sentido. A roleta do destino sempre volta e a memória dos reprimidos não se apaga: amanhã serão os seguranças os que não poderão evitar - como meus amigos - que sejam publicados seus nomes e rostos.



domingo, 24 de janeiro de 2010

Analfabetismo cívico

"Não estou de acordo com o que dizes, porém defenderei com minha vida teu direito de dizeres" Voltaire.

Esperei quase um mes para escrever este post, tenho recebido e-mails ardentes, insultados e insultantes; tenho mantido uma polêmica bem quente com uma excelente amiga e escritora e tenho, afinal, chegado a mesma conclusão que quando pela primeira vez tive em minhas mãos a Carta em repúdio às atuais obstruções e proibições às iniciativas sociais e culturais.

Trato de não ficar com a primeira ideia que me vem a mente, porém a interrogação lançada ao amigo que me trouxe a carta aberta continua sem resposta: Quem é a contrarrevolução real? Não pretendo escrever sobre o conteúdo da carta, senão que procuro polemizar sobre a polêmica, escrever sobre as desconcertantes discussões sustentadas com os que considero meus amigos e esclarecer minha mente - escrever sempre foi um meio de me conectar ao mundo. Porque no final o caminho à mudança , à não censura, à liberdade, é, como bem definiu Jorge Luis Borges - o jardim dos caminhos que se bifurcam. Antes de tudo me sinto na obrigação de reconhecer que compartilho - sem nenhuma dúvida - das opiniões de Yoani Sánchez e Miriam Celaya e - mesmo que não subscreva a declaração dos intelectuais - aceito muitos dos seus enunciados.

Um país plural não é um lugar de consenso generalizado, nem uma parte do paraíso onde as contradições ficaram relegadas aos débeis homens pecadores da terra. Para construir a sociedade com que sonhamos - penso - a primeira coisa é por os pés no chão, lavarmo-nos intensamente das impurezas que 50 anos de discurso monolítico nos deixaram no cérebro e, além disso, deixar de espernear para que TODOS ESTEJAMOS DE ACORDO.

Dissentir não é pecado, criticar é construtivo, não estar de acordo é são e dizê-lo publicamente é - além de sentimentalismos e patriotismos - uma responsabilidade cidadã. Parte dos medos de "desunião" e a "falta de prudência" são males despertados com dor desde a primeira reunião do PCC a qual nossos pais compareceram. Prudência é o que dia a dia levanta o cubano de sua cama e o leva, caderneta de racionamento na mão, à comprar o pão; prudência são os malabarismos conceituais que os artistas fazem para exporem em galerias e nas bienais; prudência é brincar de gato e rato com a ditadura; é a moral dupla, o oportunismo e o arrivismo. Desunião é o que se respira entre o povo e o governo. O mais - crítica e opinião - é tolerância e estímulo para uma sociedade civil ainda de fraldas.

Entre as objeções feitas a Yoani e a Miriam, os defensores "a todo o custo" da carta - e digo a todo o custo sem intenção de ofender, considero que quando alguém não aceita críticas passa para o bando dos radicais - alegam "o caráter cultural da mesma". Parto do princípio de que tudo é cultura, o homem é um ser social e cultural, e nisso baseio tudo o que possa dizer. É por isso que na carta - sem contradição com minha tendência anterior - fala-se também de socialismo, de capitalismo, de fenômenos sociais e inclusive de projeto político - econômico-social "projeto que socializa-compartilha todos os seus recursos, onde todos temos o mesmo acesso ao exercício do poder"(sic).

Na minha opinião a coleta de assinaturas é uma iniciativa coerente, porque tenta globalizar todos os aspectos que concernem à um país sem tomar posições "culturalóides"; e isto apesar das omissões imperdoáveis e das ambiguidades que encontrei na mesma e que me impedem de somar meu nome ao dos assinantes.

Em seguida enumero e comento - com a consciência absolutamente tranquila - os conceitos que me deixaram mais dúvidas:

*Contrarrevolução real ( quem, quando, onde?).
*Institucionalidade oficial (há institucionalidade legalizada em Cuba que não seja oficial?).
*Orientado de cima (do PCC, O Comitê Central ou mais abaixo?).
*Pouco espaço para a crítica socialista (e a crítica não socialista não conta?).
*Promover o diálogo cultural (para resolver problemas sociais?).
*Nosso projeto de liberalização social (isto, nem ideia do que seja).
*Emergência irreversível de novos feitos sociais, como as tecnologias digitais ou a impossiblidade do isolamento do país (talvez a sintaxe engane, porém o que eu entendo é que - apesar dos esforços - a Internet fixou-se em Cuba e o olho observador da opinião pública internacional também).

Muito mais coerente e produtivo do que assinar aquilo que omite ou é duvidoso, ou não assinar porém calar por medo as consequencias sobre uma suposta unidade, é - sem ressaibos nem rancores - dizer o que alguém pensa sem disfarces, seja de Raúl Castro, da Carta dos Intelectuais ou do Viceministro da Cultura.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

El Ciro em Santiago

Texto tirado da Saga: El Ciro versus A Segurança do Estado
Quadrinhos: Silvia C.

Cheguei em Santiago de Cuba numa fria manhã de dezembro pronto para humilhar uns oficiais do Ministério do Interior, porém para minha surpresa não havia nenhum batalhão me esperando no aeroporto. Peguei um táxi e dirigi-me à cidade.

Haviam milhares de motos porém nem uma só Suzuki. Sobre as cercas, cartazes luminosos: Partido Liberal, Partido Social-Democrata de Cuba, Partido Democrata-Cristão e um cartaz dizia Aliança Comunista para Sobreviver. E para completar, no parque Céspedes, Oswaldo Payá estava fazendo um discurso.

-Mas o que está acontecendo aqui, onde está a G2? - perguntei.-Emigraram para Havana porque não lhes davam nem carros nem motos - respondeu um gordinho que se revelou ser Expósito, o Secretário Geral do PCC em Santiago de Cuba.-E quantos ficaram?-Ficaram em torno de quinze, estão entrincheirados em seu quartel de Versalles, que agora se chama Aliança Comunista para Sobreviver. Atiram em todos os que entram, inclusive me botaram para fora acusando-me de ser capitalista porque abri alguns comércios onde se vendia queijo e manteiga. Porém quem iria saber que o queijo e a manteiga eram dissidentes para esta gente? - Disse caindo no choro.

Ativei minha bolha anti-projéteis e dirigi-me à Versalles (sede da Aliança Comunista para Sobreviver). Entrando pela porta recebí rajadas de fogo rasantes e cruzadas de canhões que resvalaram na superfície da bolha. No final veio um coronel com uma bandeirinha branca.

-O que queres? Vá-se daqui, isto é uma zona militar.
-Mas o que dizes? Se acabo de ver que no polígono de infantaria montaram uma favela. Além disso aqui não há nem luz elétrica.
-Ha, esses são os da Moradia do Sonho Dividido, foram tirados de suas casas por uns tipos que haviam sido desalojados antes - disse o coronel.
-Bem, já...! E agora quem eu humilho se já estão completamente humilhados? Que seja, há que se reanimar isto..
.-Isto não se pode reanimar - interrompeu o oficial - ; não há recursos, o pessoal de Havana fica com tudo e não mandam nada para cá. Conclusão, ninguém quer trabalhar na Segurança do Estado hoje em dia.

O certo é que a quantidade de carros e motos da segurança que existe na Cidade de Havana está afetando seriamente a camada de ozônio.

-Penso em algo... e se buscam outra forma de financiamento? Digamos...não sei...ha!, sim, a CIA! Sim, a CIA, Lagarde disse que eles financiam qualquer coisa e como vocês, no final das contas, são do mesmo grêmio talvez possam pegar algo.

O coronel vacilou um instante, o olhar cansado em seus olhos espiões estava perdido na imensidão e sua boca aberta deixava entrever sua língua delatora, então ergueu-se e disse:

-E poderei ter um Geely chines desses que os oficiais de Havana dirigem?-Certamente que sim, rapaz, a China é o primeiro sócio comercial dos Yumas (americanos).-Pois que se foda, vamos pedir financiamento à CIA - gritou o coronel.

Perfeito, agora eu podia regressar à Havana e voltar num par de meses para humilhá-los. Com sorte me esperariam no aeroporto com, ao menos, um pequeno batalhão. Antes de ir-me acrescentei:

-Podem talvez reincorporar o Expósito, o que achas?O coronel se aborreceu.-Não, esse louco não deixo entrar aqui de novo. Estava roubando a manteiga e o queijo do quartel para vender aos santiagueiros.







terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A pólvora! *


Foto: Claudio Fuentes Madan

Lí na Mala Letra este artigo sobre o controle de substâncias explosivas que existe em Cuba e lembrei-me de uma história da minha adolescência que se adapta muito ao que Regina Coyula expõe.

Quando eu tinha 18 anos ia muito muito à casa de um amigo - agora sua casa está na Espanha - e passava as tardes com ele e sua mãe. Era uma família pequena porém com recordações dolorosas, viviam na metade de sua casa pois a outra metade - a planta baixa - lhes havia sido confiscada nos primeiros anos do triunfo da Revolução.

Meu amigo acabara de terminar o Serviço Militar e o ambiente era festivo apesar do seu corpo esquálido, evidência de dois anos de má nutrição, militarização e preparação para a Guerra de Todo o Povo. Decidimos que para apagar de um golpe todoas as más recordações do *verde faríamos uma limpeza geral e jogaríamos fora tudo o que pertencia as forças armadas. Mãos a obra e, em poucas horas, duas bolsas cheias de uniformes, cantis, caixinhas e até papéis foram parar na lata de lixo da esquina.

Nesta mesma noite, enquanto comíamos, um oficial da Polícia Nacional Revolucionária bateu na porta. depois de pedir nossas identidades, interrogar-nos sobre nossas atividades, maltratar-nos um pouco e tomar café, confessou o motivo de sua imperiosa visita: nos sacos que havíamos jogado fora encontraram uma caixa de balas. Meu amigo teve que explicar com riqueza de detalhes como depois de um treinamento de tiro essas balas foram parar na sua mochila, de onde esqueceu de tirá-las. Sua mãe teve que assinar um papel absurdo cujo conteúdo sou incapaz de recordar, uma espécie de compromisso com a segurança da pátria.

Antes que o homem finalmente desse por terminada a entrevista-interrogatório, não pudemos aguentar a curiosidade: como haviam encontrado uma caixinha de balas dentro de uma bolsa, dentro de um asqueroso latão de lixo numa esquina perdida de Havana e como, além disso, sabiam que essa bolsa havia sido jogada fora por nós? O policial respondeu orgulhoso: "temos contatos em todas as partes, foi trazida por um de nossos buzos, tenham cuidado com o que jogam fora".

* Frase do animado cubano "Elpídio Valdés"
* Serviço Militar Obrigatório

sábado, 16 de janeiro de 2010

A loucura


Foto: Claudio Fuentes Madan
Carla sofre de depressão crônica desde que fez 22 anos. Venho acompanhando-a à psicólogos de centros de ajuda, à especialistas no Clínico Cirúrgico e no Calixto Garcia, à sessões de espiritismo, à grupos de terapia, à tratamentos de cura alternativa e à Mazzorra.

Depois do Prozac, a imipramina e a trifluoperazina, a indiferença compreensiva dos médicos e o giro por tratamentos, nunca foi diagnosticada. Sua fé na psiquiatria cubana terminou com uma visita à Mazzorra. Acompanhei-a para fazer um exame e - na ida e na volta - tomou a decisão mais importante de sua vida: encerrou o tratamento, acabou com hospital e deu adeus aos psiquiatras. Assumiu com estoicismo sua condição e desde então, quando entra em crise, encerra-se em sua casa lendo como uma demente e não perde uma sessão da cinemateca, assim é que supera suas depressões.

Não posso negar que a situação não dava opção para meio têrmo. Eu recordava imagens da televisão, onde um grupo de anciãs muito alegres e maquiladas - num portal de sonhos cheio de plantas e poltronas - liam novelas ou ensaiavam formosos corais. Era a única imagem que tinha do hospital famoso.

Era só passar da Admissão e uns vinte velhinhos limpavam com escovas de palha a rua principal, com roupas puídas e dentes escurecidos revolviam o mato que haviam acumulado em busca de tocos de cigarro. Um me deu uma bronca, com voz chorosa me pediu um. Quando lhe dei, os outros 19 lançaram-se sobre nós. Deixei-lhes com o maço de cigarros.

Atravessamos quase todo o hospital até chegar ao pavilhão que nos haviam indicado, a paisagem era desoladora. Não podia definir quem estava louco, se os internos ou os que os internavam, porque colocar uma pessoa com transtornosmentais num lugar tão horrendo é como condenar à alienação absoluta. Reconheci alguns dos mendigos que pululam pela rua 23, surpreendeu-me vê-los com a mesma imagem de imundície e seminús, sempre acreditei que fugiam do hospital, e quando os encontravam os alimentavam e vestiam.

Esperei por Carla duas horas sentada no vestíbulo do pavilhão, rodeada de desiquilibrados, sem ter a menor ideia do que sofriam, alguns pareciam tristes, outros irritados e outros mal humorados. Alguns falavam entre si, um ancião cantava horrivelmente - voltei a lembrar dos corais do noticário e senti vontade de chorar. As paredes estavam enegrecidas de fuligem e quase não entrava luz, tudo estava envolvido por uma penumbra que ressaltava a miséria e a imundície. Numa dependência perto de mim uma enfermeira discutia com a família de um dos doentes, o homem chorava desconsoladamente porque não queria ficar internado - prometia comportar-se bem e ser bom - , a mãe pedia que o deixassem no hospital ao menos no fim de semana e a enfermeira dizia algo sobre a escassez de colchões.

De volta à casa, Carla e eu não dissemos nem meia palavra, estávamos atônitas. Quando a deixei em sua casa sussurou: não vou mais ao médico, de todas as maneiras continuo do mesmo jeito.

* Quero dedicar este post aos pacientes mortos de frio no Hospital Psiquiátrico de Havana, entre os dias 9 e 12 deste mes. Ver a noticia aqui e aqui.

Nota do tradutor: esta notícia televisionada aqui.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A esquina do pão


Foto: Claudio Fuentes Madan

23 com 12 (ruas) é conhecida por muitas coisas, entre elas porque vendem pão a pesos, em CUC e pela caderneta de racionamento. No sábado pela manhã começou a odisséia do Pão: não foi disponibilizada, pela manhã, a ração de um pão por pessoa, não havia nada na padaria de venda "liberada", e as confeitarias em "moeda dura" estavam vazias (nem sequer tinham doces).

A versão popular: não há farinha; a versão oficial: ?...? O curioso é que nas lojas em pesos conversíveis a escassez habitual de farinha não tem aumentado, com seu "módico" preço de 5 CUC por 5kg.

Enquanto a temperatura baixa a fila aumenta e se mistura com a da parada de ônibus. Paralelamente nas lojas em pesos conversíveis - único lugar onde se pode adquirir a maioria dos produtos da cesta básica - as vitrines exibem suas prateleiras vazias de mercadorias.

Ninguém sabe o que se passa. O jornal continua falando de Chávez, Colômbia e do aumento da produção agrícola nacional, a televisão destaca fábricas super produtoras que ultrapassam as metas de produção anuais e a rádio repete como papagaio as reflexões de Fidel. Meus vizinhos - da fila do pão - teorizam sobre a nova onda de necessidade.

Na calçada oposta olho a longa linha dos que esperam e recordo que uma vez num país distante, a gota d`água que faltava para encher a taça de um povo foi, justamente, a escassez de pão.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Onde está meu frango?


Foto: Claudio Fuentes Madan

Tem 75 anos e uma pensão que supera sua idade em 100 pesos. Não sofre de nada exceto pobreza e fome. Faz tres anos deu duro para incluir em sua caderneta de abastecimento duas libras de leite desnatado e um pedaço de frango por mes, graças a uma dieta para diabéticos que um médico solidário e anônimo lhe prescreveu.. Não chegava para normalizar os níveis de proteina do corpo, porém - mal ou bem - ia levando: vender jornais, fazer mandados de alguma vizinha sobrecarregada de trabalho e filhos, vender cigarros da quota, conseguia - milagrosamente - não morrer de fome.

Como em cada ano esperava 2010 para renovar seu certificado. Todavia uma má notícia o esperava do outro lado do bureau da Oficoda: para renovar a dieta teria que passar por uma junta médica. Estava desconfiado e alerta nesta brincadeira com a sua vida, não se deixou vencer pela adversidade da nova disposição legal e preparou-se como se fosse para uma entrevista de emprego numa embaixada.

Graças a vários testes caseiros de urina pode conhecer seus níveis normais de glicose, uns copos de água com açucar mascavo o ajudaram a estudar o padrão ideal dos sortudos que tinham o direito de comer frango e a tomar leite no desjejum. Por último, uns soros comprados no mercado negro lhe permitiram alcançar o número mágico: 12.5 .

Depois de duas semanas de treinamento estava pronto. Apresentou-se com todos os seus exames de sangue ante uma comissão assustada que lhe aconselhou a cumprir cabalmente os conselhos do seu médico de família, pois sua diabete estava descontrolada e era perigoso. A última vez que o vi vinha sorridente das compras, com seu saco de leite em pó e sua coxa de frango congelado.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Os presságios


Desde que o ano começou a mesma conversa tem surgido em momentos diferentes e com diferentes pessoas: O que diz o futuro sobre nós? A pergunta me parece impossível de ser respondida, porém em menos de uma semana os que desdenham do meu receio tem feito chegar às minhas mãos algumas frases copiadas da Letra do Ano oficial ( a coisa vai ficar MUITO FEIA - ainda que não pareça, o horizonte do horror não foi alcançado ), da carta astral de Fidel Castro (parece que é certo), da carta astral de Raúl Castro (parece que não sobreviverá ao irmão), da carta astral de Hugo Chavez (parece que não passa de dezembro) e da carta astral de Cuba (aparentemente com um karma patético).

Trato de deixar de lado a obsessão de me imiscuir no amanhã e me concentro nos leitores mais do que nas leituras. pergunto-me porque todos - de cultura diferente, credo diferente e de fonte de adivinhação diferente - deslumbram-se ao analizar a Mudança Já. Porque esses "tempos de instabilidade" são interpretados como "desobediência na terra" ou "conjunção no céu"? Porque esse saturno transitando livremente e sem dificuldade pelo meio do céu não pode ser outra coisa que "a viagem sem retorno"?

Tenho ouvido as mesmas bobagens repetidas pelos mais neófitos, os mais ateus, os mais céticos e inclusive, pelos mais marxistas. Não posso negar que tratar de entender as estrelas provoca meus neurônios e que ler o que dizem as vozes do outro lado me põe de cabelos em pé. Contudo o que me faz sorrir - e devolve a minha racionalidade tranquila - é que tantas visões sobre uma mesma realidade expressam também o desejo, a fé e a esperança em outra Cuba não tão distante, não tão difícil e não tão triste.

Nota: Se algum leitor tem a Letra do Ano "não oficial" completa, por favor, agradeceria que a enviasse à minha caixa de correio. Têm me falado tanto dela que morro de vontade de lê-la completa.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Estudar, estudar... e depois?


Foto: Claudio Fuentes Madan

Seus pais ensinaram-na a estudar, a ler e a amar o conhecimento. Quando era pequena frequentou aulas de muitas coisas: piano, artes plásticas, inglês, natação e ginástica. Estudou na universidade, graduou-se e começou o serviço social. Foram os dois anos mais irracionais de sua vida, ganhava 148 pesos por mes, trabalhava 40 horas semanais e mal conseguia pagar com aquele salário os produtos do livreto de racionamento.

Concluiu os dois anos regulamentares como pagamento de sua carreira, pendurou o tapete atrás da porta e negou-se a continuar. Decidiu-se por uns cursos como desafio e para passar o tempo, matriculou-se em outra carreira por um curso a distância. O pai pressionou: não é bom acostumar-se a viver sem trabalhar; a mãe o convenceu: melhor continuar estudando do que ficar sem fazer nada.

Porém ela não entendia; porque todos insistiam com que trabalhasse enquanto ninguém parecia preocupar-se com o que lhe pagavam? Seus pais estavam velhos e a família no estrangeiro há alguns meses não podia mandar dinheiro. Sabia que a crise viria, porém trabalhar ou não trabalhar não faria diferença, já não era uma menina e o sabia, com um emprego legal morria-se de fome.

Os trinta chegaram a galope: os velhos já estavam mais velhos e o teto descascado da casa a lembrava que nada era eterno. Vender roupa de vez em quando, fazer guia de turismo ilegal por Havana Velha ou limpar uma casa de aluguel era o melhor que podia aspirar. Os anos passavam e a vida estacionava, começou a ficar obsessiva. Colocou seu nome em todos os sorteios de visto para os EEUU, pos um anúncio no hi5 para encontrar um noivo estrangeiro, falou com seus amigos para colocarem uma carta-convite...porém nada.

Os quarenta a pegaram deprimida, como Penélope ficou esperando um dia que não chegou, uma saída que não lhe coube, uma casa que nunca consertou, um salário que nunca aumentou, um marido que não ficou, uns filhos que nunca teve e uma vida que nunca viveu.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Diferenças com um mesmo tom

Foto-montagem: Leandro Feales

Minha caixa postal se encheu de Natal, de um estranho Natal de consolo ou desconsolo: as teorias sobre o "mal" - assim terminou sendo batizado - que nos agride. Recebi mensagens de todo o espectro de posição político-ideológica, alguns se justificam - escrever-me parece ser um grande passo na tomada de posições referentes a situação nacional - e me mandam estranhos recados para terceiros que não têm tempo, nem medo, de responder.

Por sorte a caterva de estranhos anônimos dialogadores não é o que me inspira, senão meus amigos: meus amigos e eu - dispersos,confundidos, convencidos, desolados, distantes, aterrados e sós - tratando de salvar nossos laços, de encontrar um ponto que nos una nesta consciência que de tanto querer ser una, converteu-se em nenhuma.

Meus amigos me perguntam porém eu não tenho resposta, aconselham-me porém não os quero escutar, explico-lhes, porém me interpretam mal, querem-me porém não os posso abraçar. Temos sido a geração zero, a perdida, a Y, a pós-revolução, temos sido todas sem haver feito nada.

Deveríamos ser o bloco monolítico que imortalizaría uma revolução feita por mortais, contudo a densidade foi tão grande que terminamos explodindo em átomos por todo o planeta: a geração BIG BANG. Saímos disparados de um projétil que nem sequer foi nosso: sem Culpa, sem Resposta, sem Fé, os filhos do Medo e da Distância.

Meus amigos e eu tratamos - Gmail sabe o quanto temos tentado - porém terminamos diluídos na mudança de século e a culpa...Cristo, Fidel ou o ano Zero? Dissertamos sobre a consciência, o mercado e o fatalismo geográfico. Ninguém sabe, porém para nós - filhos da desinformação - o mundo é teoria e especulação. O que é a antítese quando a tese não existe? Meus amigos e eu somos o universo pessoal, a volta à subjetividade, a introspecção, a experiência de vida como sumun para o conhecimento. Nos entendemos pela metade, nos toleramos com ternura e não nos pomos de acordo porque, no fundo, cada um fala do desespero irrisório de se sentir o último cubano.