domingo, 24 de janeiro de 2010

Analfabetismo cívico

"Não estou de acordo com o que dizes, porém defenderei com minha vida teu direito de dizeres" Voltaire.

Esperei quase um mes para escrever este post, tenho recebido e-mails ardentes, insultados e insultantes; tenho mantido uma polêmica bem quente com uma excelente amiga e escritora e tenho, afinal, chegado a mesma conclusão que quando pela primeira vez tive em minhas mãos a Carta em repúdio às atuais obstruções e proibições às iniciativas sociais e culturais.

Trato de não ficar com a primeira ideia que me vem a mente, porém a interrogação lançada ao amigo que me trouxe a carta aberta continua sem resposta: Quem é a contrarrevolução real? Não pretendo escrever sobre o conteúdo da carta, senão que procuro polemizar sobre a polêmica, escrever sobre as desconcertantes discussões sustentadas com os que considero meus amigos e esclarecer minha mente - escrever sempre foi um meio de me conectar ao mundo. Porque no final o caminho à mudança , à não censura, à liberdade, é, como bem definiu Jorge Luis Borges - o jardim dos caminhos que se bifurcam. Antes de tudo me sinto na obrigação de reconhecer que compartilho - sem nenhuma dúvida - das opiniões de Yoani Sánchez e Miriam Celaya e - mesmo que não subscreva a declaração dos intelectuais - aceito muitos dos seus enunciados.

Um país plural não é um lugar de consenso generalizado, nem uma parte do paraíso onde as contradições ficaram relegadas aos débeis homens pecadores da terra. Para construir a sociedade com que sonhamos - penso - a primeira coisa é por os pés no chão, lavarmo-nos intensamente das impurezas que 50 anos de discurso monolítico nos deixaram no cérebro e, além disso, deixar de espernear para que TODOS ESTEJAMOS DE ACORDO.

Dissentir não é pecado, criticar é construtivo, não estar de acordo é são e dizê-lo publicamente é - além de sentimentalismos e patriotismos - uma responsabilidade cidadã. Parte dos medos de "desunião" e a "falta de prudência" são males despertados com dor desde a primeira reunião do PCC a qual nossos pais compareceram. Prudência é o que dia a dia levanta o cubano de sua cama e o leva, caderneta de racionamento na mão, à comprar o pão; prudência são os malabarismos conceituais que os artistas fazem para exporem em galerias e nas bienais; prudência é brincar de gato e rato com a ditadura; é a moral dupla, o oportunismo e o arrivismo. Desunião é o que se respira entre o povo e o governo. O mais - crítica e opinião - é tolerância e estímulo para uma sociedade civil ainda de fraldas.

Entre as objeções feitas a Yoani e a Miriam, os defensores "a todo o custo" da carta - e digo a todo o custo sem intenção de ofender, considero que quando alguém não aceita críticas passa para o bando dos radicais - alegam "o caráter cultural da mesma". Parto do princípio de que tudo é cultura, o homem é um ser social e cultural, e nisso baseio tudo o que possa dizer. É por isso que na carta - sem contradição com minha tendência anterior - fala-se também de socialismo, de capitalismo, de fenômenos sociais e inclusive de projeto político - econômico-social "projeto que socializa-compartilha todos os seus recursos, onde todos temos o mesmo acesso ao exercício do poder"(sic).

Na minha opinião a coleta de assinaturas é uma iniciativa coerente, porque tenta globalizar todos os aspectos que concernem à um país sem tomar posições "culturalóides"; e isto apesar das omissões imperdoáveis e das ambiguidades que encontrei na mesma e que me impedem de somar meu nome ao dos assinantes.

Em seguida enumero e comento - com a consciência absolutamente tranquila - os conceitos que me deixaram mais dúvidas:

*Contrarrevolução real ( quem, quando, onde?).
*Institucionalidade oficial (há institucionalidade legalizada em Cuba que não seja oficial?).
*Orientado de cima (do PCC, O Comitê Central ou mais abaixo?).
*Pouco espaço para a crítica socialista (e a crítica não socialista não conta?).
*Promover o diálogo cultural (para resolver problemas sociais?).
*Nosso projeto de liberalização social (isto, nem ideia do que seja).
*Emergência irreversível de novos feitos sociais, como as tecnologias digitais ou a impossiblidade do isolamento do país (talvez a sintaxe engane, porém o que eu entendo é que - apesar dos esforços - a Internet fixou-se em Cuba e o olho observador da opinião pública internacional também).

Muito mais coerente e produtivo do que assinar aquilo que omite ou é duvidoso, ou não assinar porém calar por medo as consequencias sobre uma suposta unidade, é - sem ressaibos nem rancores - dizer o que alguém pensa sem disfarces, seja de Raúl Castro, da Carta dos Intelectuais ou do Viceministro da Cultura.

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