terça-feira, 24 de novembro de 2009

Quem está por trás de Rodney?



Foto e texto: Claudio Fuentes Madan

Tenho neste exato momento enormes dúvidas sobre que forma deveriam tomar minhas palavras para narrar e expor o acontecido na última sexta-feira, 20 de novembro de 2009, na já conflituosa esquina de 23 e G. Queria gravar jornalísticamente com a minha câmera de vídeo, um duelo verbal que suporia e proporia, acima de tudo, o início de uma conversação absolutamente pacífica entre duas pessoas: REINALDO ESCOBAR e o AGENTE RODNEY. O encontro pretendia esclarecer um caso de abuso e violência ocorrido duas semanas antes - levado a cabo por agentes da cada vez mais encoberta e subreptícia segurança do estado contra Yoani Sánchez, esposa de quem tentou, ao menos, um encontro ético para trocar palavras e critérios de índole variada.

As dúvidas que acompanham minhas palavras vêm também com medos que tentarei diluir e controlar, com o único desejo de evitar a autocensura que impediria qualquer leitor de obter a simples verdade do que percebi com meus sentidos. Fui um cidadão a mais que participou de uma atividade que se foi transformando num estranho festival de trolls (tradução por aproximação - monstros). Inclusive quando tentaram paralizar-me com ameaças disfarçadas de doces conselhos para um futuro de liberdades obscuras, advertindo-me que estava para ser preso e até me perguntando até onde estaria disposto à isto. Medos que só deixarão de serem pesos na medida em que se denuncie toda violação dos direitos próprios e alheios mais elementares, para não ter que "suportar a pata da vaca e nem dar um beijo no açougueiro, que mancha o avental impecável com sangue". E agora ao cerne da questão, porque fico, quase sempre, aborrecendo todos com meus extensos floreios.

Fui detido quando filmava a detenção de Silvio Benítez (que se manteve o tempo todo ao lado de Reinaldo Escobar enquanto eram apertados pela turba excitada) já nos momentos finais da atividade me confiscaram, dentro do automóvel que me conduzia à unidade policial, o cartão da minha câmera de vídeo. Continha todas as imagens que havia tirado como documento histórico dos feitos, e que contudo hoje, dia 22, ainda não foi devolvida, violando impunemente o artigo 19 da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS; "Todo indivíduo tem direito a liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui o de não ser molestado por motivo de suas opiniões, e o de difundí-las sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão." Parece que não sabem que o governo de Cuba diz-se um signatário portentoso da dita declaração, pelo que suspeito que ou Raúl Castro não informou corretamente seus subalternos para fazer cumprir adequadamente a declaração, ou estão arrasando este maravilhoso parágrafo sem misericórdia, com total impunidade e cagando quanto a notícia. Procedimento raro.Incluo a notificação verbal por parte do oficial ou agente que atendeu meu caso: "Tuas imagens serão devolvidas", embora nos momentos finais me tenha informado que a memória estava estraviada por enquanto, pediu-me um voto de confiança e disse que me avisaria por telefone para sua devolução. Esperarei o prometido e minha paciência é, obrigatoriamente, insuperável, ainda que seja muitas vezes precavida com sarcasmos.

Quando cheguei na delegacia de polícia me esclareceram que estava alí detido única e exclusivamente para me protegerem da reação do povo excitado, numa luta aberta contra um grupo minoritário de pessoas que pediam diálogo em igualdade de condições. Reinaldo Escobar e os poucos amigos que estiveram com ele até o final eram catalogadas pelo conjunto de trolls disfarçados de povo, como mercenários, vermes, contrarrevolucionários, etc. Que estranho setor do povo é esse, que mistura um ato de resposta política com trajes típicos e banda de música popular? Parceria orientada para aplacar o som que deveria ser gravado por câmeras e aparelhos de áudio, para engrossar e confundir o sentido do ato com sua presença no enquadramento das imagens, tanto da imprensa estrangeira como dos jornalistas oficiais e independentes que, como objetivo comum, tinham todos o dever e o direito de gravar e capturar os fatos. Tamanha calúnia contra o conceito de povo, também contra esse outro grupo que posso chamar de nós, os sem comparsas, os que por pensar e expressarem-se diferente devem estar, momentaneamente, excluidos de toda aceitação e respeito, e que irremediavelmente são parte desse todo contraditório que é Cuba.

Isso que os agentes da ordem e a polícia decidiram chamar de POVO, acredito, não é uma representação integral do mesmo. Nem creio que o real povo cubano tenha tradição de se comportar dessa maneira. Devo informar que em nenhum momento sentí que essa massa estivesse a ponto de violentar minha integridade física, mesmo que algumas pessoas fossem golpeadas, drásticamente empurradas e acuadas. Compartilhei com elas na delegacia de polícia olhares e apertos de mão já que nos proibiram de falarmos entre nós, bem como o uso de telefones celulares. Estas medidas proibitórias, aplicadas sobre "pessoas protegidas" de uma massa de conduta extremista, não acredito que sejam orgânicas em relação ao trato ameaçador de que fomos vítimas naquela unidade. É uma lástima total que se hajam perdido as imagens que minha lente capturou, mostrariam isto em plenitude. Oxalá outras câmeras tenham material que revelem parte do ocorrido.

Enquanto a turba rodeava e quase asfixiava Reinaldo Escobar e amigos que aferravam-se entre si para, precariamente, protegerem-se uns aos outros, podíamos ver como parte da polícia nacional revolucionária, postada na avenida em pequenos grupos de dois, tres, quatro até mais, contemplavam o tumulto evidente de gritos agressivos sem intervir. Parecia estar claro que as ordens prévias incluíam essa vista grossa com um setor do povo de que precisamente se espera, e será perdoado por parte das forças repressivas, uma atitude igualmente repressiva, com total incapacidade para escutar antes de tomar determinações violentas e precisar um critério. Esse setor popular que se comete uma atrocidade, não será castigado ou recriminado, preferencialmente justificado logo como algo ocorrido: lamentável porém necessário. Como quando nos anos 80 com as saídas migratórias através do porto de Mariel, o povo açulado por quem já se sabe bem, massacrava com comícios de repúdio, ovos, exclusões de trabalho e golpes os que decidiam ir, enquanto nossas forças da ordem nunca emitiram uma denúncia contre este tipo de ações nem os chamou à cordialidade e ao respeito.

Na sexta-feira, conheci como Claudia Cadelo e muitos outros, a onda de terror, a dificuldade que é a liberdade de pensamento e sua expressão orgânica e direta. Conheci também que os indivíduos têm, ainda que seja, um mínimo de poder ao não se saberem sós, de ter algo que dizer e de estar dispostos a manifestá-lo por qualquer meio ou canal possível. Hoje reafirmei mais do nunca, que toda decisão ou idéia tem um preço altíssimo e queiras ou não, terás que pagar numa moeda ou noutra. A vida sempre nos ganha mesmo se nela formos contemplados com êxitos variados.

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