quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Um dia em Santa Clara


Foto: Claudio Fuentes Madan

Há outra Cuba junto ao asfalto, anônima, dinâmica, falante e negociante. Tres horas num táxi privado pela rodovia de Havana até Santa Clara pode trazer mais informação do que todo um ano vendo o noticário nacional de televisão: preços no mercado negro, opiniões privadas de ex-militantes do partido que devolveram suas carteiras, turistas cubano-americanos contando suas anedotas e vendedores ambulantes. Poderia ficar nesta outra ilha mais quente e mais real, mais dura porém mais sincera que a da televisão cubana.

Santa Clara, contudo, parece sitiada e não uma cidade em festas carnavalescas. Como um diabólico natal sem cores, em cada porta, muro e janela está o mesmo cartaz com a mesma inscrição: Estamos em 26. A cidade se fundiu num número, num mesmo número, até o infinito da província. Alguém pode ter a sensação de haver chegado ao país das cifras, ao domínio do "Rey 26". Com menos sol e mais ar poderia ser o começo de um excelente filme de terror.

Coco seria uma Alicia no país da Rainha Vermelha, sua porta é a única livre da maldição do dois mais seis, e a cada instante nosso diálogo se interrompe porque alguém chega na sala para lhe desejar sorte, saúde e bem estar. Alicia, sua mãe, desespera-se ante a azáfama solidária que interrompe o repouso e a disciplina à qual seu filho deveria estar submetido. Todavia Fariñas é um ser excepcional: seu corpo é um sulco de marcas e cicatrizes, púrpura e buracos, o trombo marca seu pescoço e seus pés inchados retém muito líquido. Não caminha, porém quando fala da cadeira de rodas é como se voasse. Senti dor por esse corpo impotente para acompanhar os passos de uma alma tão grande.

Sair de sua casa é quase deixar o paraíso, sem transição entre levitar com suas palavras durante horas para logo cair num charco de asfalto em meio ao terminal provincial: uma televisão de 15 polegadas em mute que invariavelmente apresenta um close up de Raúl Castro, cartazes e bandeiras com o maldito 26 abarcando todo a extensão de alcance do olhar (chega um momento em que tudo se torna abstrato e se esquece que esse número é uma data, só uma data) e uma temperatura impossivel para a vida humana que obriga a sentar no chão para se poder respirar. Quatro horas depois conseguimos pegar um transporte para La Habana.

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