sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Apartheid na Mostra de Jovens Relizadores



Aqui deixo a gravação do que aconteceu esta tarde na mostra de Jovens Realizadores.Ciro Javier Díaz Penedo, Orlando Luis Pardo Lazo e eu tentávamos ver os curtas de Lía Villares, os quais por fim nem ela pode ver.

Não escrevo muito, deixo-lhes o testemunho da minha voz na porta do Cine Chaplin. Ciro foi multado em trinta pesos por escândalo público.

As lágrimas que não choramos

Foto: Leandro Feal

Poder de decidir sobre o outro, sobre a vida do outro, sobre as posses do outro, sobre os direitos de outro: essa é a doença do meu governo. Esperar para sair do país, para dizer o que pensa, para ganhar dinheiro decentemente, para viver sem medo: essa é a doença do meu povo.

Não sou uma pessoa nacionalista, não me considero patriota nem nada do gênero, porém amo minha terra e Havana nos dias cinzentos e nos amarelos. Gosto dos cubanos quando sem te conhecer dizem "meu amor", me fascina escutar as conversas das pessoas na rua e saber que se quisesse poderia fazer um comentário e "meter-me" minha opinião. Sou fascinada por alguns lugares específicos da minha cidade e ver as pessoas da minha idade vivendo vidas diferentes, únicas, vidas marginais.

Todavia existem outros dias em que sinto muita vergonha da terra em que nasci. As vezes olho as pessoas e não têm rosto, são todos iguais e todos de medo. Dias em que sei que ninguém se salvará, ninguém gritará, ninguém estenderá a mão e ninguém dirá "meu amor" porque o terror é muito grande. Dias de indolência, de lástima e de impotência com eles e comigo. Dias em que a espera se torna longa. Dias em que a dor me faz chorar e não entendo como é possivel que os outros não estejam chorando. Dias em que me parece absolutamente necessário que um mar de lágrimas corra pela Rua 12 até o Malecón, porque nosso olhos secos já não levam à nenhuma parte.

Desde a morte de Tamayo todos se tornaram assim para mim.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Testemunhos na casa de Laura Pollán



Vídeo: El Ciro Díaz

A morte de Orlando Zapata Tamayo



Vídeo: Yoani Sánchez

Hoje pela manhã Berta me chamou, irmã de Antúnez, e me relatou o arrepiante diálogo que a mãe de Orlando Zapata Tamayo teve com um oficial da segurança do estado:

-Reina, tenho uma boa notícia e outra má. A boa: seu filho será transladado à um hospital; a má: está muito grave.

Há que ser cruel, ruim e insensível para dizer isto à uma mãe. Há que ser desapiedado, indolente e néscio para deixar um ser morrer de fome. E há que ser muito, mas muito diabólico, para tirar a vida de um homem pelos seus princípios.

Na sua morte está toda a vergonha destes cinquenta e um anos de paranóicos, silenciados, assustados, perdidos, afogados e mortos de frio. Nela está o berro de tres gerações que se perdeu e esqueceu dessa maravilhosa palavra que tanto encerra: liberdade. Nela está o legado desta absurdamente longa revolução cubana: nossos princípios mortos ou morto o que luta por eles.

Hoje é um dia de pranto. Meu maior desejo é que amanhã, quando o 23 de fevereiro se repetir em nossos calendários, esteja todo o país em luto nacional.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

A roda de amigos de Eduardo del Llano

A mostra de jovens realizadores, os consertos de hip hop na Madriguera ou o Festival de Poesia Sem Fim, são como a agulha - impossivel de ser encontrada para alguns - no meio do palheiro transbordante e censurado em que se converteu a cultura cubana. Assim eu cheguei ontem, sexta-feira, na roda de amigos de Eduardo del Llano no "Fresa y Chocolate" (cinema), para ver clips do Deep Purple, rir as gargalhadas com os contos e escutar os trovadores, entre eles, incrivelmente incluido, El Ciro.

Conheci primeiro o Eduardo pelo seu livro Los diez apóstatas, que me seduziu, emprestei e com certeza, perdi. Mais adiante vi Brainstorm e depois de uma busca exaustiva nos computadores de todos os meus amigos, consegui obter o resto dos contos de Nicanor. Conseguiu reunir em sua roda de amigos os pequenos Nicanores que sobrevivem em Havana, os homens novos que de tão novos se perderam no tempo e na irrealidade de um país onde a novidade é um atentado, e a arte um desvio ideológico. O único país do mundo em que as revoluções duram meio século - bom para demonstrar a relatividade do tempo, péssimo para nós que ficamos emaranhados nela.

Casualmente soube - ontem também - que um poeta de Matanzas traduziu os versos de Visostki para o espanhol, com certeza o Ministério da Cultura guardou a informação - tarefa bem incoerente com as suas funções - e sobre as versões de suas canções que outro trovador em Havana fez. Uma prova a mais que Nicanor estará sempre só, de que ele é o homem novo, ou o seu paradoxo, o homem abandonado.


Aqui deixo InterMezzo, um dos meus preferidos:



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Um serviço da Cubacel


No sábado pela manhã recebi um SMS de uma amiga: Claudia, recarreguei seu celular. Segundo a rotina do serviço devo esperar outro SMS da empresa cubana. Finalmente chegou na segunda as nove da manhã nos seguintes têrmos:

-De RECARGA1: chamar (7) 204 31 45 de 8am à 5pm de um fixo para comprovar dados de recebimento de créditos pela Internet. No caso de problemas com o pagamento, a linha será cancelada.

-Alguém poderia me explicar a segunda oração, por favor?

Depois de quase uma hora chamando sem sucesso o telefone indicado no meu celular, uma garota responde do outro lado da linha, que se escuta tão longe como se houvesse dito "ouço" na China. Pede os dados do meu número, pergunta-me quem desembolsou o dinheiro, indico o nome da minha amiga. Diz-me que foi um homem e que não posso cobrar enquanto não tiver os dados da pessoa que me fez a transferência.

Queixo-me, na página web onde o serviço é promovido não está explícito esse detalhe fundamental. Com a abulia característica da recepcionista cubana, responde: A sugestão será anotada. De passagem solicita o número da minha carteira de identidade.

Acontece que recebi duas recargas no meu celular: da primeira - a da minha amiga - nunca me avisaram; da segunda - seguramente de algum leitor solidário deste blog - não posso cobrar nem um centésimo. Assim andamos na Cuba tecnológica...

Nota: quando mais tarde me conectei na Internet não pude entrar no sítio de recarga de celulares, sob a estranha justificativa: Forbidden You don`t have permission to Access/on this server. Porém como sou teimosa entrei com proxy, para comprovar que não está escrito em lugar nenhum que o usuário deve informar ao cubano sobre a recarga que fez no seu telefone.

Para carregar os celulares de forma mais segura: TuRecarga

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A pouca fé


Foto: Cartaz Eternos Jovens Rebeldes na 23 com Paseo, Vedado

Antes eu me sentia pessimista, conversava com as pessoas e sentia uma mistura de desengano e tristeza, como se nas palavras dos meus interlocutores fluisse uma luz que eu não conseguia ver. Com o tempo descobri uma relação entre a idade e o grau de desilusão daqueles com que eu interagia, quanto mais idade, menos fé no amanhã.

A geração dos nossos pais - no meu entender - está no cume do ceticismo. Assim a maioria - graças a Deus nem todos - vive na decepção em relação a realidade cubana atual, na qual compartilham com um aterrorizante grau de receio o que se tornou um tabú: o amanhã.

O discurso da auto-denominada Direção Histórica da Revolução tem sido o principal responsável pela desconfiança dos mais jovens. Pareceria que depois de 1959 as gerações houvessem nascido com um defeito genético: a incapacidade de construir seu próprio futuro, sua própria vida. Lamentavelmente é dificil escapar da repetitiva propaganda oficial, que chega a ter momentos surrealistas, como a foto deste post.

Torna-se deprimente descobrir que todo um setor da sociedade deixou de acreditar nos que saem a caminho, que não vêem para Cuba um outro caminho que o caos e a miséria, que já não pensam no amanhã de seus filhos dentro das fronteiras desta ilha, que já não creem em nada, nem sequer na inocência dos mais jovens.



domingo, 14 de fevereiro de 2010

Nús frente ao poder


Foto: Claudio Fuentes Madan
Punto e Coma animava um encontro de amigos em Dos Gardenias quando eu tinha 18 anos, ia semanalmente vê-los com uma amiga que vivia em Playa. Por aquela época um enorme operativo policial - conhecido popularmente como La Lacra - recolhia cada mulher sozinha que estivesse na rua, sob a suposta suspeita de prostituição.

Minha amiga e eu paramos na funesta Quinta Avenida, não sabíamos que era o centro de operações, e começamos a pedir carona. No primeiro carro que parou, branco, iluminado e ocupado por cubanos, perguntamo-lhes inocentemente:

-Vai reto?

Para minha estupefação absoluta um cara saiu do carro e pôs uma identidade do DTI na minha cara, enquanto com a outra mão me agarrou a nuca e sem que eu pudesse nem respirar me jogou na parte de trás do carro, encima de mim caiu minha amiga, cinco segundos depois. Dentro fiquei sabendo que estava me prostituindo e detida por fazer isso ilegalmente. De nada valeram nossas explicações, levaram-nos direto à tristemente célebre estação da Polícia Nacional Revolucionária "La Quinta".

Havia alí cerca de quarenta mulheres, muitas choravam e a maioria não passava dos dezesseis anos. Segundo uma me disse, as que não eram do interior iriam para uma prisão, enquanto as outras seriam reenviadas à suas respectivas províncias...Todas seriam processadas. O instrutor me fez um desagradavel e exaustivo interrogatório, ameaçou-me e disse que eu não tinha provas que não era uma prostituta, no que respondi que ele tampouco tinha provas do contrário...Pegou mal para ele, e pior para mim.

As quatro da manhã já havia tido sete ataques de histeria porque não me deixavam ligar para minha mãe ou meu noivo, havia fumado contra a vontade e havia tratado várias vezes de pegar o telefone público. Suponho que os policiais estariam cheios de mim, minha amiga me pedia baixinho que me acalmasse porém eu não podia. ..Naquela época, todavia, acreditava no poder da lei vigente e que poderia chamar minha mãe.

Nos soltaram as cinco, porém eu me negava a ir, exigia ser levada em casa numa patrulha - era tarde e tinha medo de ir sozinha. O instrutor me respondeu: já tens uma carta de advertência por prostituição, não queiras sair com outra.

Na manhã seguinte minha mãe e eu estávamos no Ministério do Interior, frente a Plaza. Ela assegurava que se fizéssemos a denúncia tudo se consertaria: suspenderiam a minha carta de advertência e além disso chamariam a atenção do instrutor...Pobre da minha mãe, até nisso acreditava naquela época!

Não vou detalhar a hipocrisia extrema com que nos reverenciaram e nos acolheram no MININT, inclusive um docuemento dizia que a minha carta havia sido revogada e o instrutor penalizado por um mes. Eu estava um pouco cética, depois de quinze dias de burocracia me parecia que algo não estava claro: porque não havíamos visto pessoalmente o instrutor e os policiais que me detiveram? Porque todas as declarações eram ocultas? Minha mãe me tranquilizou e acabei por esquecer o incidente.

Dois anos depois o chefe do setor da minha quadra nos visitou: depois de vinte e quatro meses de verificações finalmente haviam se dado conta de que eu não era prostituta e retiravam a maldita carta de advertência, que havia estado alí o tempo todo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A Universidade de Havana e eu

Foto: Claudio Fuentes Madan, tirada durante o Festival de Música Eletrônica de Rotilla

Nunca perdi o desejo de estudar, tenho a certeza visionária de que enquanto estudar me manterei jovem, claro que meu corpo não apoia minha teoria, porém não a modificamos. Quando comecei este blog em 2008 estava estudando a carreira de Estudos Sócio-Culturais na Universidade de Havana, havia decidido começar de novo as matérias, as disciplinas e os exames um ano antes.

Eu gostava do ensino a distância, fazia meus exames só em casa e contudo o programa era arcaico, a disciplina Filosofia e Sociedade era na realidade Marxismo, a psicologia ignorava Freud e nos exames apareciam perguntas sobre a Batalha de Ideias e os Cinco - que não estavam, com certeza, incluidos no programa - , eu as controlava para estudar saltando obstáculos, correr em zigzag e ser a rainha da ambiguidade nas minhas respostas.

Porém depois de um ano me cansei, perdi o interêsse: já não era tão divertido escutar nas conferências o professor de Filosofia dizer que o marxismo entrou em crise por "alguns erros táticos de Stalin", nem a de Psicologia usar exemplos tirados da telenovela brasileira. Vazei, ou melhor, como disse minha mãe: claudiquei.

Soube que estranharia a escola, porém sou otimista. Há mais tempo que vida, todavia sonho em graduar-me em Filosofia na Universidade de Havana...quando esta recuperar sua autonomia. Enquanto isso, na casa de Yoani Sánchez o professor Vallín e Dagoberto Valdés oferecem conferências que nunca escutei na medíocre Sede Universitária, talvez uma dia o ensino superior recupere seu status intelectual.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Sutilezas da legislação


Alugava sua casa sem licença, não tinha esperança de conseguir uma, pois há cerca de dez anos o governo não as outorgava. A região em que vive - 23 com L - é perfeita para alugar: muito movimento de turistas e muito central. Os previdentes do bairro decidiram a tempo e puderam legalizar o negócio, os que duvidaram ficaram com a ilusão de viver dentro do limite da lei e comer do do mesmo modo. O governo cubano traçou uma linha vermelha mais uma vez: o que ficou, ficou e que viva como possa, nem um aluguel a mais.

Com sua casa de tres quartos e meio decidiu apostar na sorte, quase todos na quadra estavam fazendo o mesmo. Os que haviam conseguido a permissão pagavam seu imposto; os que não, esperavam conseguir pagá-lo algum dia. Em cinco anos as coisas melhoraram muito mais do que nos trinta anos anteriores, quando trabalhavam para o Estado.

Os com licença cumpriam com a papelada: anotar nome e carteira de identidade do cubano que pusesse os pés na casa para visitar o inquilino, entregando depois ao serviço de Imigração -podiam alugar até para prostitutas, sempre anotando tudo no livreto. Os sem licença não anotavam nada, e roiam as unhas esperando que nenhum dos inquilinos tivesse brigas em Havana.

Um dia a polícia chegou na casa do meu amigo: numa batida contra prostitutas, uma das prostitutas interrogadas havia revelado seu nome e endereço. Começou o processo legal, o aconselharam que confessasse que alugava ilegalmente, asseguraram que se colaborasse as coisas seriam mais simples. Ele disse tudo: não lembrava da garota, confessou que as vezes os estrangeiros vinham com mulheres e que ele permitia, assegurou que não tinha permissão para alugar porque fazia anos que não outorgavam licenças.

Não o processaram por ter um negócio de aluguel ilegal, nem sequer por enriquecimento ilícito; foi processado e julgado por proxenetismo e condenado a dois anos de privação da liberdade.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Variedades


Quando eu era uma menina a loja da 23 com 10 já não se chamava Ten Cent, contudo não posso repetir seu nome porque todos continuavam - e continuam - chamando assim. Enquanto fui crescendo a Ten Cent mudou de nome várias vezes e também foi remodelada.

Recordo agora um conto de Virgilio Piñera onde se falava dos desjejuns, isso foi na época em que um balcão vermelho ocupava o lado esquerdo do enorme local e em pequenas mesinhas se podia almoçar como num restaurante. Ainda posso reviver a melancolia que a demolição provocou em minha mãe.

É natural que as instalações se modernizem, renovem seu estilo e dinamizem suas vendas, porém o que aconteceu com o Ten Cent - último nome: Variedades - foi o contrário. Pareceu ter um pequeno apogeu nos finais dos noventa, quando o governo decidiu dar algumas licenças para a venda privada, e 23 com 10 se encheu de artesãos e vendedores de móveis. Contudo durou pouco - a inciativa privada fazia muito feliz um povo supostamente inspirado na versão tropical da ditadura do proletariado.

Quando o mundo avançou para o século XXI o estabelecimento retrocedeu no tempo, de nada valeram as obras e o "muda que muda" de lugar dos departamentos de venda: as prateleiras estavam cada vez mais vazias. Daquele comércio que oferecia em moeda nacional a maioria dos produtos de primeira necessidade, não restava nem a lembrança, assim foi que a fama "tá pelado" pegou mais que todas as denominações anteriores.

Na segunda-feira, 25 de janeiro - após outra reconstrução - reabriu. Com nova aparência e maior variedade de produtos a fila é enorme para conseguir entrar. Um detalhe se manteve, tudo é em moeda nacional...Todavia os preços sim é que variaram: por exemplo, uma lata de marmelada de manga custa 200 pesos, mais ou menos 10 CUC. Que tipo de salário permite esses luxos? A maioria dos profissionais sabe que a marmelada não é para eles.

Exibo um vídeo do Ciro que fez umas marmeladas caseiras especiais desde que viu a grande lata nas prateleiras:


Com licença senhor, posso publicar que o senhor foi preso?

Foto: Claudio Fuentes Madan

O título parece absurdo, porém asseguro de todo o coração que é o que muitos esperavam de mim. Comecei este blog para escrever o que me desse vontade, para contar as coisas que ocorriam ao meu redor, para compartilhar um espaço no cyber-espaço e me sentir livre ainda que fosse um texto de quinhentas palavras. Não sei porque as vezes me parece que com o passar do tempo minhas razões parecem haver-se esquecidas, para mim contudo - que sou a escritora - continuam sendo as mesmas, com certeza.

Como tudo redunda tão raro neste lugar em que o destino me fez nascer, não sou - repito como um papagaio, que não pensem que estou me achando muita coisa ou que estou promovendo títulos que não possuo - nem jornalista nem escritora. Sou blogueira e não tenho culpa de que no meu blog a Cuba real seja mais real do que no Granma Internacional. Além dos que se formaram em jornalismo, ou os que sejam jornalistas - que não é a mesma coisa - e arranquem pedrinhas do muro da censura estatal, certamente não é o meu caso.

Para dar um pouco de coerência à esta espécie de declaração de princípios Octavo Cerco que estou fazendo, ilustrarei com uma pequena história - que não importa se é real ou não porque não é uma notícia, é um exemplo: imagine que você tem um blog em que escreve sobre o mundo que o rodeia, e um dia um leitor lhe bate na porta e diz: vim dizer-te que talvez hoje eu seja detido pela Segurança do Estado, porém, por favor, não o publiques.

Tenho ou não tenho que ter muito controle para não enlouquecer nesta Havana de psiquiatria? Se você não está preso ou dependendo do caso não queres que se saiba, se não está fazendo nada "conflitivo" e se considera um "integrado"...Porque vem bater na minha porta ? Este é um pequeno exemplo, porém posso assegurar que tenho outros mais pitorescos.

Sendo assim decidí colocar os pingos nos is:

-Faço este blog sozinha, sob minha absoluta responsabilidade como é lógico.
-É uma visão pessoal e subjetiva da maneira que vejo e vivo em meu país.
-Sobre os atos de injustiça, de abuso de poder e de restrições sobre as liberdades dos indivíduos, sinto-me no dever - comigo mesma - de publicá-los e comentá-los da minha visão.
-Não existe razão externa que possa me fazer duvidar de dar uma opinião, de criticar o que considero incorreto ou de elogiar o que gosto.
-Não devo à ninguém e a censura contra a qual luto no dia a dia é a autocensura (que é muito perigosa).
-A informação não pertence a ninguém, todos temos o direito a ela e por isso luto.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Detalhes da semântica oficial


Minha melhor terapia para começar o dia de bom humor - eu tenho humor negro, sendo assim isto não deve ser tomado como conselho - é ligar a televisão as sete e meia da manhã e assistir a meia hora da Universidade para Todos. Meu curso preferido, que não sei como realmente se chama, é sobre política e atualidade internacional.

Na semana passada o tema esteve quente: o Oriente Médio. Suponho que os pobres professores tenham preparado as aulas durante horas, levando em consideração os jogos semânticos e os malabarismos sintáxicos que saíam pelos auto-falantes da televisão. Começaram pelo Iraque, lá havia resistência e contrarrevolução, assim não consigo recordar quem era quem e em qual momento. Porém o melhor e mais confuso da aula foi quando chegaram ao Afeganistão:

-A contrarrevolução afegã, apoiada - com certeza, quem duvidaria? - pela CIA, se negava a deixar triunfar a revolução socialista que a União Soviética amavelmente queria introduzir.
-Mais adiante estes contrarrevolucionários, conhecidos também como talibãs, tomaram o controle do país e criaram seu próprio governo.
-Todavia, apesar de serem talibãs e contrarrevolucionários, conseguiram estabilidade e paz no país (e agora é quando se torna incoerente de verdade, com vocês a melhor parte):
-De algum modo desconhecido a contrarrevolução transformou-se em resistência armada e cívica durante a intervenção imperialista norteamericana, que destruiu a paz e submergiu a população na miséria.

Além da complexa e extremamente triste situação do povo afegão, a manipulação dos termos - intervenção imperialista norteamericana vs. revolução socialista e contrarrevolução vs. resistência - evidenciam a qualidade das aulas televisadas, a grosseira manobra de desinformação "disfarçada de cultura" com que o governo cubano bombeia 24 horas por dia os meios de difusão de massa.

Sem problemas porque estou vacinada, eu acho graça. A única pergunta que tão ambígua conferência despertou em mim foi: Que razão esconde o PCC para tirar a toalha (como numa luta de boxe) dos russos depois de tantos anos?