domingo, 4 de julho de 2010

Água fria e dívida eterna


Amélia tem cerca de cinquenta anos e vive só, seu marido morreu em Angola e desde então recebe uma miséria de pensão através da Associação de Combatentes . Como não trabalha para o Estado e, contudo, ainda está em idade laborativa, por várias vezes trataram de lhe retirar os escassos 200 pesos que recebe como "ajuda econômica".

Desde que trocou sua geladeira a vida se complicou para ela: tem água fria, porém uma dívida com o Estado de 2000 pesos, uma trintena de pagamentos mensais mais os encargos por atraso que não pode liquidar. Desde há alguns meses recebe semanalmente um "inspetor" em sua casa que a informa que seu caso vai mal. Tudo começou com uma multa que ultrapassava sua própria dívida impagável. Como não funcionou, veio a chantagem de tirar-lhe a geladeira e por fim uma ameaça de ação judicial.

Amelia sabe que não poderá juntar essa soma, e seu inspetor, tornado confidente por força de ver-lhe pessoalmente, confessou-lhe que ele tampouco havia podido cumprir o seu compromisso de pagamento.

Num estranho "Ano da Revolução Energética", epíteto escrito sob a data em cada documento oficial e nos quadros-negros das escolas, Fidel Castro decidiu renovar os equipamentos eletrodomésticos de nossas casas. A energia nunca chegou, porém nossas lâmpadas, ventiladores e refrigeradores foram trocados sob permuta por novos, mediante compromisso de pagamento a prazo.

Alguns anos depois uma percentagem bem alta de cubanos deve milhares de pesos ao Estado, reuniões do PCC exortam os militantes à "velar pelo cumprimento dos compromissos em seus núcleos e em seus bairros" e de passagem também a "saldarem suas próprias dívidas para dar o exemplo". Porém, depois de 50 anos - seja militante do Partido ou não -, o denominador comum do cubano médio é a insolvência, e esta economia familiar quebrada é o resultado da má administração do governo, que agora exige que paguemos o que nunca ganhamos.

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