Segunda Parte: Prisão Kilo 5 e Meio, em Pinar del Río
Quando decidistes seguir o destino de Horacio e mudar-te de Ciego de Ávila para Pinar del Río?
Sendo médica, dificilmente me autorizariam a continuar indo às visitas depois do translado de Horacio Tinhamos intenções de que a relação funcionasse e eu tive que me mudar para cá. Além disso não podia manter o rítmo de viagens desde Ciego de Ávila. Estou há quatro anos vivendo sem ninguém aqui em Pinar del Río, só a família dele e as amizades que venho fazendo desde que cheguei. As famílias de outros presos me apoiaram, na casa da família de Víctor Rolando Arroyo, por exemplo, era onde ficava quando as visitas vinham.
Foi duro me separar da minha família, eu nunca sonhei em viver em Pinar del Río e olha, aqui estou. Minha sogra morreu logo, foi um duro golpe para Horacio e para mim. Ela me ajudava em tudo, faleceu em 2 de março de 2008, de câncer.
Fiquei muito sozinha, porém meses mais tarde Deus me deu a sorte de ficar grávida e hoje temos uma menina de um ano e tres meses, pusemos-lhe o nome da mãe de Horacio: Ada Maria, é a Damazinha de Branco mais jovem.
Apesar de tudo eu creio que somos felizes, apesar de estarmos separados temos muitas coisas: uma família sobre uma base sólida. As pessoas me dizem que minha história parece uma telenovela, minha mãe acredita que na vida real isto não se vê muito. Nós, Horacio e eu, sempre temos tido muita fé, as vezes - minha mãe também me disse - sinto que é como uma missão, que só Deus sabe porque faz as coisas.
Não posso te dizer que seja completamente feliz, tenho ele na prisão e é muito duro: estamos todos presos, assim não temos vida. Eu levo minha menina à todas as visitas, brincam durante duas horas e ao separar-me dele, chora. Para nós como pais também é muito dificil, ele perdeu muitas coisas: seu primeiros passos, suas primeiras palavras. Horacio nos tem feito muita falta, como tantos que têm feito falta à seus filhos e suas esposas. Esperamos que tudo se solucione e que possamos viver como uma família, como a verdadeira família que somos.
Continuas exercendo a medicina em Pinar del Río?
Terminei meu serviço social e continuei trabalhando aqui, a mudança foi dificil, no início não queriam me dar um lugar. Minha carreira é eminentemente prática e sempre quis trabalhar. A segurança certificou-se que meu posto aqui em Pinar del Río fosse um lugar bem retirado, não havia nem rodovia, tinha-se que chegar numa carroça a cavalos e alí me tiveram por seis ou oito meses. Quando estava grávida tinha que viajar carreta com a minha barriga para ir e vir, todos os dias, do trabalho. Com o tempo me aproximaram um pouco do povoado e depois do município, porém com tudo isso estou longe. Como trabalhadora eu pertenço ao município de Sandino, a trinta kilômetros de onde vive a famíla de Horacio. Eles me deram trabalho, porém nunca me facilitaram as coisas. Um amigo médico me disse quando eu cheguei: Estás preparada para o que vais viver? Eu estou convencido de que tu nem imaginas as coisas pelas quais vais passar. E é certo, tenho passado por coisas muito dificeis, ainda pior quando fiquei grávida, com uma barriga imensa de seis, sete meses, só numa prisão, chegava com tres ou quatro malas e os oficiais ponderavam para começar a me tirar coisas. Estas histórias temos vivido todos os familiares dos prisioneiros, porém olho minha história em particular e o que nos têm feito, e há crueldade.
Tens algum momento especial que queiras me contar, algo que os haja marcado como casal?
Temos tido momentos muito duros, porém também muito lindos em nossa relação. Não nego que as vezes nós temos sucumbido - como todo mundo - porém sempre temos podido nos levantar e a prova é esta: hoje estamos juntos, ao fim de quase sete anos de relação e mais unidos do que nunca, de verdade.
Há uma história que nos marca - e é até graciosa - as vezes uma pessoa de fora a escuta e lhe parece normal, porém para nós tem muita significação: uma vez eu estava numa consulta e ele me chamou para que o atendesse. Pensei que se sentia mal, preocupei-me porque acreditei que era grave. Aconteceu que eu estava examinando os presos - o médico na prisão, geralmente, entra e faz a consulta na cela mesmo - e o guarda se esqueceu de mim, deixou-me só com os presos. Eu vía que Horacio me chamava e chamava, de repente parou ao meu lado e me abraçou como querendo dizer: que niguém a toque. Quando me dei conta do que se passava me assustei. Depois nos rimos e eu lhe perguntava: O que tu ias fazer? O que lhe atinou foi me abraçar diante todo mundo!
Quando se casaram?
Nos casamos em 21 de março de 2007, o casamento foi na prisão, uma coisa muito simples: levamos um tabelião, assinamos. Talvez um dia possamos celebrar melhor nossa união, com nossa família. Horacio tem tres filhas, a maior tem 22 anos e é muito apegada a nós, tinha 16 anos quando seu pai foi condenado.
Talvez nós tenhamos conseguido coisas que outros casais, com vida em comum, não tenham conseguido, atreveria-me a assegurar que existem casamentos na rua, vistos diáriamente, e que não têm o que nós temos. Não é um ato heróico meu: Horacio vale todo esse sacrifício que eu tenho feito, ele me inspira à tudo isto.
O que achas das negociações levadas a cabo nestes momentos entre o governo e a Igreja Católica?
É muito dificil ter uma filha única, ver como essa menina caminha, fala e cresce sem poder ver seu pai, ver como fica chorando cada vez que se despedem. É muito duro também vê-lo dar as costas e saber que fica encerrado atrás de uma grade, não saber se vai comer, se vai estar bem. Então, sempre e quando não vá contra nossos princípios, eu agradeço infinitamente tudo o que se faça a favor de sua liberdade e da de todos os presos. Há um mes não havia luz na minha vida, vivia por viver e hoje tenho a esperança de poder formar uma família, de dar à minha filha um lar estável. O lugar do seu pai é insubstituível, nem os avós nem ninguém pode ocupar, então a possibilidade de vivermos juntos, de ter uma vida normal, como Deus manda, é algo que tenho que agradecer.
(Fim da entrevista)
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