terça-feira, 3 de novembro de 2009

Pomba da liberdade


Foto: Claudio Fuentes Madan

Na escola primária zombavam de mim porque eu não falava palavrões, no sexto ano fui premiada como Beijo da Pátria e quando entramos na secundária senti como um soco no peito. Meu desconforto não era porque eu tinha sido verme desde pequena, mas sim porque me parecia que a Beijo da Pátria deveria ser eu, que bastantes comunicados havia escrito e lido, também, além disso, ela era linda, tinha um restaurante ( paladar) e eu era gorda e com o pai em desgraça.

Porém na secundária fomos juntas para um campo de batatas doces, uma ao lado da outra desmatando canteiros infinitos, matando vermes e estreiando juntas o título de Brigada Não Cumpridora: ficamos amigas. Em tres anos mudamos de meninas para adolescentes juntas e não houve um instante entre meus 12 e meus 14 em que não houvesse estado - em boas ou más - ao meu lado. No nono grau - apesar de nossas boas notas - já éramos famosas negativamente: ouvir rock, ler novelas "complicadas" e sermos as mais excêntricas possíveis nos custou caro, à mim em casa e à ela na escola.

Aos 14 anos passou por um Conselho Disciplinar em aula, alguns alunos se levantaram e a denunciaram: fuma, ouve rock and roll, fala coisas indevidas, reúne-se com elementos antisociais, etc. Apesar de ter tido 100 de média não pode ser a primeira da lista, relegaram-na ao terceiro lugar. Nesse mesmo ano sua família ganhou o bombo (loteria de emigração) e foram-se todos para os Estados Unidos, estivemos quase dez anos sem nos ver e ainda que já não aspiremos nem a ser o Beijo da Pátria nem a entender a origem do universo - entre outras ambições - continuamos sendo amigas.

Veio a pouco e pôs-se em contato com o grupo da secundária, aquele que um dia quis tirar-lhe seus direitos acadêmicos a força de ideologia extremista. Para a minha amiga já não importa, chamou em nome dos velhos tempos, da adolescência perdida e da nostalgia. Com certeza uma das garotas que mais lhe apontou o dedo não havia esquecido. Para a antiga denunciante tudo aquilo significava algo mais: tirar do peito a culpa de repressor, de delator e de injusto. Pediu desculpas à antiga vilipendiada e eu não sei se respira melhor a partir desse dia. Alegro-me pelas duas.

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