quarta-feira, 25 de março de 2009

Entrevista com Orlando Luis Pardo Lazo


Orlando Luis Pardo Lazo blogueia desde o ano de 2008. Nasceu na Ciudad de La Habana, em 10 de dezembro de 1971. Licenciado em Bioquímica em 1994 pela faculdade de biologia de Ciudad de la Habana, abandonou as ciências pouco a pouco pela literatura, até que esta última não deu lugar mais para outras especialidades.

Entre os prêmios recebidos e publicações oficiais: Prêmios de Conto das revistas La Gaceta de Cuba 2005 e Cauce 2007. Prêmios de Narrativa Pinos Nuevos 2000 (livro Collage Karaoke), Luis Rogelio Nogueras 2000 (livro Empezar de Cero), Félix Pita Rodríguez 2004 (livro Ipátrias), Calendário 2005 (livro Mi Nombre es William Saroyan), entre outros. Prêmio de Fotografia da revista Tablas 2008.

Publicações não oficiais: Editor do e-zine de escrita irregular The Revoluton Evening Post. Blogs e revistas digitais em que participou: Revistas Cacharro(s), 33 y 1/3, Desliz e The Revolution Evening Post. Nos blogs Fogonero Emergente, Penúltimos Dias, Pia McHabana e Lunes de Post-revolución.

Faz pouco Orlando Luis lançou seu livro Boring Home, censurado por Letras Cubanas, em uma apresentação freelance durante a Feira Internacional do Livro de Havana nas cercanias da sede. Durante toda a semana anterior à apresentação, a cargo de Yoani Sánchez do blog Geração Y, o autor sofreu uma forte pressão policial, ameaças por e-mail e via telefônica contra sua pessoa. Apesar disso, a apresentação de Boring Home foi um êxito, participaram escritores, fotógrafos e blogueiros do país.

1-Quando começastes com teus blogs Pia McHabana e Lunes de Post-Revolución?

Pia McHabana (quem quer que seja) começou a bloguear em agosto de 2008, após uma temporada perdida na internet ( e creio que já se extraviou de novo). Em outubro de 2008 eu começo a dar continuidade no meu blog Lunes de Post-Revolución, onde publico, mais do que posts, todo meu colunismo semanal: resenhas, opiniões, delírios, entrevistas, desacatos, travessuras abjetas, reportagens sobre nada, onirismos e onanirias literárias no máximo. Este blog é meu melhor empenho autoral. Gostaria de vê-lo publicado em papel algum dia, pois suspeito que seria um livro intolerável,
inistrumentalizando-se pelo poder (intolerável), outra jagged little pill de escrita cubanesca. Um gesto limite no tão pacificado camping cultural cubano. Um gongo de combate. Uma performance radical que em Cuba hoje constitue um suicídio editorial: uma dessas heresias ilegíveis que imediatamente te convertem num ex-critor.

2- Foi mediante esses blogs que começastes a existir na blogofesra ou antes havias publicado em algum outro espaço digital?

Antes eu aparecia esporadicamente em espaços web alheios, inclusive em revistas oficiais Made in Cuba, como Esquife, Alma Mater, El Caimán Barbudo e La Jiribilla. E também, certamente, envolvi-me em trabalhos editoriais alternativos como as revistas independentes Cacharro(s), 33 y 1/3, o projeto Desliz e meu próprio e-zine de publicação irregular The Revolution Evening Post (que realizo junto aos escritores cubanos de Cuba Jorge Enrique Lage e Ahmet Echevarría Peré). Nos blogs Fogonero Emergente e Penúltimos Dias, entre outros, pode ler-se boa parte de meu trabalho blogueiro como colunista. Assim, pouco a pouco fui agregando leitores e simpatias. Além dos conhecidos comentários odiosos que me agridem pessoalmente, inclusive desde outros sítios como Kaos em la Red (cujo segmento cubano se conhece anagramaticamente como Asko em la Red).

3- Tens recebido prêmios por cada um dos seus livros publicados em Cuba e inclusive fostes jurado de prêmios de literatura. Todavia, hoje por lançar “Boring Home” freelance, tens recebido chamadas diretas da segurança de estado e ameaças anônimas pelo telefone e por e-mail. O que acreditas que provocou esta mudança tão radical de conduta oficial com respeito à tua pessoa e tua obra. Quando começou a campanha digital anti-Orlando Luis Pardo Lazo?

As mensagens e as chamadas anônimas são anônimas, pelo que não se pode indicar ninguém por sua violência verbal carcerária: atrás dessa máscara muda reside precisamente sua cota de terror. Os ataques iniciaram se tão logo circulou a convocação digital para o lançamento de meu livro de contos Boring Home (retirado, sem sequer me notificarem, do editorial estatal Letras Cubanas, que desde meses o havia aprovado e já havia se comprometido oralmente com sua publicação para a passada Feira Internacional do Livro de Havana: o contrato em Cuba é um trâmite a posteriori). Já antes me chegaram rumores de que altos funcionários liam com ressaibos (e as circulavam promiscuamente, e até as publicavam em outros sítios sem permissão) minhas colunas blogueiras: assim me advertiam da maneira siciliana de que eu estava cruzando uma linha sem volta. A nenhum ataque respondi de maneira frontal, pois todos intentavam estigmatizar-me com essas palavras que em Cuba são sinônimas de empesteado: dissidente, mercenário, contrarrevolucionário, agente, etc. (Todo um voCUBAlário para que ninguém mais lembrasse que eu sou e seguirei sendo um escritor.) Querem me por de cabeça ou cú no campo criminal da política. Nossos diretores culturais são analfabetos ou lêem sem humor: talvez entre resoluções e cheques tenham perdido a libido escolar da liberdade. Hoje por hoje dá pena tanta disciplina. As editoras não deveriam castigar seus autores por suas biografias (ou reconhecer que são escolinhas político-moralistas e não casas editoriais).

4- Falemos um pouco de “Boring Home”. Conta-me a história deste livro.

Boring Home é um livro trocadilho onde as histórias importam menos que o discurso. Há relatos extensos e outros de só uma folha, porém em todos emerge esse prazer de saborear as palavras: a aliteração antes que o literário. Os personagens de meu livro para cúmulo estão obsessionados com o ato quase póstumo de narrar: como compilar a matéria prima da ficção, como complicar-se até provocar uma fricção. Seja com a letra de uma canção, seja com os titulares da imprensa oficial, seja com a memória paranóica de uma garota que fugiu, seja com a nostalgia patológica do que se foi sem nunca ir-se ou do que voltou sem haver-se ido jamais, seja até com uma reescritura dos elementos químicos da Tabela Periódica: meus textos são um experimento e uma interrogativa sobre os limites da narrativa neste ou qualquer outro contexto. Alguns destes contos foram premiados e publicados em revistas e antologias de dentro e fora de Cuba, desde La Gaceta de Cuba até Encuentro de la Cultura Cubana. Esse meu ecumenismo na hora de não discriminar entre espaços editoriais já foi entendido como minha provocação original. A proibição nunca tornada oficial de Boring Home eu compreendo, em conseqüência, como uma provocação das Letras Cubanas contra minha legitimidade de autor: uma forma de minimizar-me pelo meu trabalho blogueiro, uma lição exemplificante para o resto de meus contemporâneos da Geração Ano Zero, acaso um modo de sugerir pelas costas que eu renunciara a postear meus deleites-delírios-delitos. Porém nestas alturas da historieta pátria, i-ne-vi-ta-vel-men-te (como se reitera na promoção digital antes do lançamento) essa mácula burocrática não podia ficar sem uma resposta pública. Com sorte, deveria ficar muito claro que há e haverá letras cubanas fora e depois de Letras Cubanas.

5- Conseguiste lançar o livro em meio de uma enorme operação policial da segurança do estado, vieram escritores, fotógrafos e muitas pessoas apesar da intimidação. O que achas que isso possa significar? Poderia ser considerado um novo horizonte para os limites da censura?

La última cena de la censura”: bonito título que logo roubarei de um post do teu blog. Oxalá signifique um gesto de erguer a cabeça. Um primeiro passinho de nossos escritores na argila estéril lunar (e lunática) do mundinho editorial cubano de Cuba. Em última instância, um gesto beligerante de paz: não queremos auto intitularmo-nos censurados nem vítimas de nenhuma instância, porém existe e nos assiste o direito de réplica, responder nas condições que como criadores nos sejam mais vantajosas ( e não necessariamente pelos canais estabelecidos para subir uma queixinha edípica ao estilo do século XX). Os atores somos outros: efêmeros, porém eficazes. Se a Instituição Cultura perde esta oportunidade de diálogo divergente, pior para ela. Terão de se adaptar ao seu papel admnistrativo e não ao reitor. Ou ficaram fora das coordenadas vivas e mutantes do século XXI cubano que ainda ninguém se atreveu a inaugurar.

6- Participas do itinerário blogueiro de Yoani Sánchez, tens vários blogs e fazes parte de Voces Cubanas. Como sentistes a presença da pequena comunidade blogueira ao teu redor durante esses dias difíceis?

Solidária. Ainda que não entendendo de todo a gravidade do assunto, mostraram solidariedade, simpatia civil e até bom humor. Agradeço a todos. Em especial à Yoani Sánchez por aceitar o desafio de apresentar meu livro, sabendo que quase nenhum outro escritor cubano estaria disposto a fazê-lo. E a você Claudia Cadelo, por me abrir uma janelinha para respirar em meio daquela atmosfera viciada, e por esta entrevista agora. Os maus leitores dizem que me manipularam para fazer um show (até nas ameaças telefônicas me diziam), porém semear este tipo de imundície é entre nós o ofício mais velho do mundo (odioso ofício de ofídio). Também muitos leitores lindos e blogueiros cubanos de meio mundo estiveram a par desta apresentação mínima nas cercanias de La Cabaña: nem sequer invadimos o espaço de suas muralhas, nos bastou deixar um grafiti simbólico junto às pontes elevadiças do Castillo de La Kafkabaña.

7- O que achas da blogosfera alternativa? Como te sentes dentro dela?

Sinto-me a margem, sempre a margem. Dentro e fora. Como um boxeador que toma e dá, e não se compromete demasiado com nenhuma briga. Sou uma linha perene de fuga. Desloco-me entre infinitas capas deleuzeanas de uma cebola sem couraça nem coração, assim obtenho alegremente um rizoma suculento e brincalhão: escrevo para perder o rosto, cavando minha própria trincheira de resistência autoral frente ao consenso zoocial. Sou uma extensão que não acredita no despotismo das chamadas essências e também de todos – ismos sectários. Além disso, suponho que toda blogosfera deva ser alternativa: o contrário seria trabalho assalariado (cibernautas idiotas et al). Leio muito pouco online, porém descarrego páginas daqui e dalí que logo consumo sempre com surpresa. Confio no poder crescente da convocação da WWW e seu respeito pelo cidadão ante as instituições e a massa. Em muitos desses blogs com sorte já transpira o futuro.

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