segunda-feira, 9 de março de 2009
Varais de roupa elétricos para todos
Faz aproximadamente três anos que os fios do meu edifício, construído na década de 40, disseram chega e deixaram de andar*. Pouco a pouco em menos de um mês nossos apartamentos foram-se apagando, fomos caindo em conta gotas na escuridão.
No que os vizinhos faziam reuniões três vezes por semana para decidirem por uma solução coerente e rápida, nós, os mais desesperados nos cotizamos para o eletricista particular que imediatamente apareceu e transitoriamente colocou para cada um de nós um fio desde o medidor até a casa. Amarrados aos canos e entre as tubulações, trepando pelas paredes e pendurando-se pelos ares, fios coloridos começaram a entrar por nossas portas e janelas para tirar-nos das trevas.
Porém inesperadamente o andar térreo do edifício estremeceu com uma explosão e também se apagaram as luzes das escadas e dos corredores (eu comecei a dar as boas vindas às minhas visitas com um irônico: bem-vindos a Kosovo!). Tudo ficou condenado ao varal (de roupas) de corrente.
De forma rápida surgiram quatro políticas diferentes de solução: os aposentados do MINIT e os combatentes do edifício começaram uma super otimista gestão com o governo: visitas e cartas aos ministérios; os bens posicionados fizeram suas chamadas telefônicas; os quadros do CDR contataram o micro-social e nós, os descrentes, buscamos um profissional do assunto que por 10 cuc por apartamento nos colocaria o edifício novo em três dias.
Passaram os meses e ninguém se punha de acordo, apesar de que nossos varais de roupa passam em frente ao quarto do diretor da empresa elétrica, tampouco chegava algo de concreto. Os do MIINT tinham Fé e os posicionados esperavam a pronta solução de tudo segundo o prometido. Como há apartamentos que não podem pagar 10 cuc de nenhuma forma porque não os tem, nossa delegação se comprometeu a pagar a parte dos que não podiam, porém as outras delegações pediam paciência, não queriam pagar 10 cuc: parecia-lhes um descaramento e um abuso.
A empresa elétrica, micro social e condomínio jogavam a responsabilidade uns nos outros e nos maltratavam. Finalmente a empresa elétrica deu uma resposta: o que cabia a eles eram os fios do poste da rua até a entrada dos mesmos no relógio, dos relógios em diante saía de sua jurisdição. Nosso edifício foi declarado terra de ninguém.
Como os relógios estavam velhos (tinham a mesma idade que os fios), então a empresa elétrica fez o que lhe correspondia: veio e os trocou. O s vizinhos construíram uma parede para tirá-los de dentro das escadas, por segurança. Depois de 15 dias tínhamos todos os relógios novos e todos os varais dirigidos até cada apartamento. Continuamos pagando, com certeza, a mesma conta de eletricidade que antes.
Passaram-se já alguns anos e vários ciclones, de vez em quando se espalha o pânico e muitos, quando ocorrem eventos atmosféricos se vão (como eu). Já ninguém se lembra de mandar cartas, chamar os contatos ou convencer de juntar dinheiro. Acostumamo-nos, o perigo converteu-se em cotidianidade e com certeza: perdeu completamente seu sentido semântico.
*”Esta grande humanidade disse: Basta! E irrompeu a andar, e sua marcha de gigantes já não se deterá”.Ernesto Guevara
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