segunda-feira, 7 de junho de 2010

O inimigo


Foto: Claudio Fuentes Madan

Ainda recordo, embora sendo muito pequena na época, das latas de conserva e dos sabonetes que minha mãe guardava num cesto de metal russo com o objetivo de nos preparar para a intervenção militar norteamericana. Chamava-se "estado de Alerta Vermelho" se minha memória não falha, e as vezes havia ensaios sobre como se proteger, nos quais eu não participava, por sorte. Segundo meu pai teríamos que nos esconder - minha mãe e eu - nos porões dos edifícios e lá esperar que a guerra terminasse.

A imagem era aterradora, piorada porque com cinco anos eu não entendia bem a diferença entre "ensaio eterno de preparação para a defesa" e "enfrentamento armado iminente". Acreditava - acreditei de fato durante muitos anos- que um dia teria de me esconder de militares estadounidenses que tratariam de me matar com metralhadoras.

Despedi-me várias vezes com lágrimas nos olhos dos meus brinquedos e lí, aos oito anos mais ou menos, o diário de Ana Frank, para que o exemplo dessa menina valente me desse forças quando chegasse minha vez de sobreviver no escuro.

Na secundária descobri a mentira, senti-me tão irritada que nunca disse nada à ninguém. Como puderam nos aterrorizar dessa maneira por gosto? Em bom cubano há uma frase para isso: "nos cogieron pa`eso" - nos pegaram para isso, a mim e a toda minha família: ainda em pleno período especial minha mãe sofria quando tinha que abrir alguma daquelas latas soviéticas que nos salvariam da inanição sob as bombas.

O pior é que a arenga oficial não tem evoluido muito: ainda existem as estúpidas aulas de PMI (Preparação Militar Integral) no pré-univeristário, antes dos dezesseis anos os adolescentes são capazes de se arrastarem pelo chão de terra "tipo soldado das tropas especiais" até uma trincheira e disparar uma escopeta, além disso sabem de memória o que fazer quando estivermos no "Alerta Vermelho" sem pé nem cabeça. Contudo algo mudou em nós (os adultos) e também neles: minha mãe já não guarda latas (exceto para os ciclones), meus amigos não temem sair correndo com seus filhos para um porão para se protegerem das balas, o professor de PMI já não é tão exigente (sabe que nunca estaremos atrás de uma trincheira real) e os meninos pequenos nas primárias não temem um dia serem Ana Frank.

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