Há vezes que a assim chamada, no meu país, "fatalidade geográfica" não nos atinge por poucos metros, é o meu caso: vivo em El Vedado, numa zona onde tenho água todos os dias. Apesar da sentença filosófica "o homem pensa como vive", trato de sair do meu ambiente úmido para constatar que ao meu redor outros aprendem a viver sem água.
Tenho uma amiga que faz tempo que tinha uma inodora branca, a água lhe chega a cada dois dias e a caixa d`água não é suficiente para se dar ao luxo de esvaziá-la cada vez que usar: umas asquerosas marcas amarelas lhe recordam, a cada quarenta e oito horas, que clarear a louça pode se converter num luxo. Contudo não se queixa, há outros - e ela sabe - que estão pior: Leo recebe pipa, lá em Centro Havana, uma vez pode semana. Como tem a casa declarada como "inabitável", não pode por uma caixa d`água no terraço pois corre risco de um dia ver o teto cair sobre sua cabeça. Fora da capital é pior, pode passar uma semana sem que uma gota de água saia por essa pia meio quebrada que não vale a pena consertar.
Todas essas penúrias só podem ser resolvidas - quem sonha contudo que respondam aquela carta que uma vez enviou ao Comitê Central detalhando sua penúria? - no mercado negro: pipeiros com um caminhão, mangueiras e muita água enchem, por algumas centenas de pesos, as cisternas ressecadas e diminuem a necessidade de refresco provocados pelos calores deste junho sem chuva. Como nem todos os vizinhos podem pagar a pipa ilegal, sempre há quem chame a polícia para dedurar o delito de "comprar água no mercado negro". Não há quem me convença do contrário, em espanhol isso se chama inveja e é uma das características primogênitas do homem novo: a miséria humana.
Esse veneno contra o bem estar do próximo tem, contudo, resultados estranhos: faz uns dias um amigo me contava como o haviam pegado em flagrante enchendo suas caixas d`água, pois um vizinho chamou a polícia e denunciou o pipeiro. Meu amigo ficou sem água, o vendedor pegou uma multa de mil e quinhentos pesos e o vizinho - esta é a parte absolutamente incompreensível - também ficou sem água pois o Estado já não pode agradecer cada delator com uma prebenda. Porque esse vizinho não denuncia com a mesma perseverância o desperdício de água pelos encanamentos quebrados e caixas d`água transbordantes que pululam pela cidade? Por exemplo, a cisterna da empresa elétrica ao lado do meu edifício, de tanto que vaza me faz imaginar que tenha uma fonte no fundo do apartamento. Por desgraça sei por que o faz: sua "combatividade"ante o mal feito não vai aos altos escalões oficiais por covardia, porque a cisterna do Estado tem impunidade para desperdiçar água enquanto que seu vizinho não tem direito de desfrutar de uma ducha, e isso de ferrar "o debaixo" tornou-se, desgraçadamente, um esporte nacional.
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