quinta-feira, 20 de maio de 2010

A impunidade do verde


Foto: Claudio Fuentes Madan

Minha amiga ia ao volante enquanto eu, ao seu lado, desfrutava da raridade de passear por Havana de carro. A tarde caía amarela e atravessamos 41 e 42 para pegar a avenida 23 no Vedado. Súbitamente um Lada parado pomposamente no meio da 41 nos impediu a passagem - a nós e também aos que iam atrás.

Ví a mão da minha amiga aproximar-se impulsivamente da buzina enquanto seus olhos, obedecendo ordens mais racionais, focavam na placa do "dono da rua". Só uns segundos se passaram para que seus dedos resvalassem lentamente, sem o menor ruído, até suas coxas. Disse-lhe irônicamente:

-A impunidade é verde.

Porém me olhou com uns olhos cheios de tristeza que converteu meu sarcasmo num ato de sadismo. Senti pena.

Em câmera lenta moveu a alavanca de câmbio para dar marcha à ré. Entre os "puaf,puaf,puaf" do tubo de escapamento trocamos de via e muito vagarosamente passamos ao lado do militar, que nem sequer percebeu que tinha uma fila de arrolhados atrás e conversava tranquilamente.

Não consegui ver a sua cara, porém vi o relógio da sua mão que iluminava, como o dente de Pedro Navalha, toda a avenida.

Nota esclarecedora: A placa verde pertence aos carros de propriedade do Ministério do Interior.

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