quarta-feira, 19 de maio de 2010
Pura diversão
Foto: Penúltimos Dias
Um grupo de conhecidos conversávamos sobre os movimentos de repúdio. Havia de tudo: os radicais, os moderados e os "ingênuos", eu estava - há que se falar - no grupo dos primeiros. Uma garota contava que quando ela ia às marchas sentava-se ao estilo piquenique no primeiro gramado que encontrava, e que jamais havia gritado nem meia palavra de ordem. Outra relatava como dizia no seu CDR que no primeiro de maio desfilaria com seus companheiros de trabalho enquanto dizia justamente o contrário à estes Um rapaz contou como terminou com sua ex-noiva: ela o havia chamado porque não poderia vê-lo nessa tarde, havia sido convocada para um movimento de repúdio contra as Damas de Branco e não podia faltar. Discutiram e a relação terminou antes da chamada telefônica. Outra, mais sutil, amadora em montagens de fotos digitais, entregava no seu sindicato uma prova "perfeita" da sua presença na marcha da vez.
Nesse momento uma das presentes confessou haver participado de um estranho movimento de repúdio contra a embaixada Checa. Enumerou algumas das palavras de ordem gritadas, "Que se vão os lacaios", entre outras, e concluiu: -Se eles soubessem o pouco que nos interessam as razões do movimento, estamos alí porque não nos resta outro remédio e entre a conguita e o rítmo, nos divertimos.
Quase desmaiei ante tamanha barbaridade. Como uma pessoa pode ser tão inconsciente? Acontece que agora a vítima do repúdio - aquele em que gritam impropérios, obscenidades e no melhor dos casos palavras de ordem políticas - tem que "imaginar" que os alaridos não são o que parecem, senão uma festa popular de estudantes com a massa cinzenta flutuando no vazio?
O tema congelou, durante uns segundos todos a olhamos estupefatos e alguém atinou de perguntar: Quem se importa que te divirtas as custas da vergonha do outro? Porém a garota não entendia: -Não sei, tu acreditas que o pessoal da embaixada se aborreceu?
Todos achamos uma desculpa para sairmos. Eu não lhe disse nada, talvez comece a analizar as coisas no dia em que o grito a afogue no momento de jogá-lo na minha cara.
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