domingo, 30 de maio de 2010

Sem foto de R



Foto: Orlando Luis Pardo Lazo

Este post não tem a imagem de R porque não tive coragem para lhe dizer que me deixasse fotografar o buraco da facada em sua nádega. Era por volta das duas da manhã de sábado e estávamos Ciro, um jornalista e eu na casa de Juan Juan quando tocou o telefone.

R gritava do outro lado do telefone, podíamos escutar seus soluços e as palavras "sangue" e "me espetaram", estava exatamente a uma quadra da loja "La Mariposa" em Novo Vedado, na esquina da sua própria casa. Os homens saíram para buscá-la no carro de Juan Juan. Minutos depois tinha diante de mim uma mulher com o rosto manchado de sangue, a boca inchada e um furo com auréola rosa na calça, justamente onde se dão as injeções: tomaram seu celular, deram-lhe pancadas e para rematar um "espeta, espete-a mais!", que graças a deus não chegou ao mais ou não haveria saído com vida. Ajudei-a a tomar banho enquanto ela só repetia "eram uns meninos, da idade do meu filho", e tremia como uma folha.

-Temos que ir ao hospital porque a ferida tem que levar pontos, depois descansas.

No Clínico Cirúrgico o cirurgião de plantão, que despertamos, perguntou:

-O que aconteceu?
-Assaltaram-na, esfaquearam-na - disse-lhe, e então começou o surrealismo de verdade:

Sentou-se numa escrivaninha, pegou papel e caneta, olhou R e sem diferença entre o furo na sua nádega e sua rotina numa amigdalite, dispos-se a preencher um formulário:

-Nome? Sobrenome? Idade? Município?

Enquanto ele tentava que sua esferográfica escrevesse, eu matava uma baratinha que deambulava sobressaindo-se pela mesa e que bordejava sem dificuldade o papel. Quando terminou com as formalidades deu uma olhada - pensei por um instante que nunca chegaria a fazê-lo - na ferida.

-Um pontinho e tudo bem, tranquila.

Fomos dar o ponto. O médico me olhou como se eu estivesse completamente fora de mim quando comecei a espantar as moscas da enfermaria: ele, que divide escritório e escrita com as baratas, deve pensar que sou uma maníaca por limpeza. R se encostou - não vou dar detalhes da maca - e o médico preparou o fio para costurar. Um segundo antes de ver a agulha dentro da pele, perguntei:

-Não tem anestesia?
-São apenas pontinhos, não faz falta.
-Os pontos doem.

Juan Juan, parado ao meu lado, branco como o leite e suando frio interviu:

-Porém acaba de ser espancada. Não há anestesia?

Graças a deus que havia e a fizeram, pois os "dois pontinhos" demoraram quinze minutos para serem feitos e R não estava em condições de aguentar mais dor. Por momentos tudo ficou muito denso para mim e tive vontade de vomitar: as moscas, o sangue e o calor. Saí para pegar ar.

-Que líquido é esse? - exclamou Juan Juan quase no final, nestas alturas eu estava dentro outra vez fazendo catarse com as moscas, que perseguia com fúria.

-Iodo, o melhor desinfetante do mundo.
-Ainda bem que não sou alérgica - disse R, e tive que sorrir, senão caía desmaiada.

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