segunda-feira, 17 de maio de 2010

Minha vida sem saída



Imagem: El Guamá

Há quase seis anos decidi não ir e justamente hoje é o dia em que calmamente reflexiono sobre esse instante. Não foi uma decisão patriótica, nem conformista, nem covarde, mas sim completamente irreverente. Continuo sem encontrar uma só razão lógica que justifique aquele "eu fico" que dizia a todos. Dizem que alguém pode passar o resto da sua vida sem medir as consequencias de suas ações, eu, por sorte, sempre o soube: não ir implicava ficar na canoa furada e a deriva e assumir, além disso, que não iria me calar nem por um instante enquanto afundasse (sempre fui um pouco rebelde).

Joguei um dado para o meu destino e o número ao acaso não me tem atormentado: tenho sido feliz. Quando desejei minha possivel vida "fora" - interessante esta síndrome que nos legou a geografia e a revolução "nós dentro, o resto do universo fora" - não me ficaram muitas opções: teria podido passar o resto dos meus dias subindo os degraus do oportunismo ou enchendo papéis inúteis no Departamento de Nomeações do Ministério da Educação. Não me enquadrei em nenhuma e acabei por encontrar a receita para sobreviver ao Armagedon diário sem que minha alma se danasse muito, nunca mais pensei em ir-me.

Porém um dia não me bastaram minhas janelas fechadas em todo canto, minha estratégia quase perfeita de parecer invisivel, meu enorme regozijo ao descobrir que meus vizinhos não sabiam se eu estava ou não, e meu mundo dentro do intramuros: as íntimas continuavam sem me alcançar, o trabalho mal pago e - o cúmulo - uma caterva de personagens sinistros sobre a minha cabeça não deixava de repetir que eu era parte inerente de uma Revolução que se tornava cada vez mais velha, pesada e onipresente. Decidi fazer um blog porque minha bolha rachou, e tampouco analisei muito isso.

Hoje olho minha negativa de permissão de saída e me dá paz: não me doeu, não me supreendeu. É a longa linha com que tenho desenhado meu caminho, é a certeza de que não me equivoquei, é a prova que o governo cubano teve o trabalho de me entregar para que eu saiba que consegui, apesar do seu Partido e do seu Estado, dos seus seguranças e de sua impunidade, viver como uma mulher livre.

Nenhum comentário: