quinta-feira, 13 de maio de 2010

Confissões sobre uma viagem utópica



Quarta-feira 5 de maio

Passei estes dias arrumando os papéis para ir visitar a Alemanha, fui convidada para participar de um encontro com blogueiros de todo o mundo. Vacilei entre fazer ou não um comentário no blog antes de terminar com a papelada, meus amigos me convenceram e hoje, finalmente, depois de quase um mes e meio, publico isto com a sensação de tomar uma ducha fria a quarenta graus de temperatura.

Escrever sobre minhas estadias no Nono Círculo, que seria - isso os leitores do lado de lá já imaginam - o humilde, escuro, sujo e absolutamente indescritivel Escritório de Imigração e Estrangeiros do Município Plaza é um tremendo alívio. Justamente neste desagradável lugar - cujo nome excluiu minha existência porque eu nem sou estrangeira nem estou em trâmites de imigração - na terça-feira passei oito horas da minha maravilhosa vida na fila para ser interrogada sobre minha viagem, minha família, meu marido, meus estudos e - inclusive - o modo como eu me conecto à Internet.

Pode parecer excessivo o número de horas, é por isto que contarei em detalhes os acontecimentos a partir das oito e meia da manhã, quando meus pés tocaram a entrada da deteriorada casa de 17 entre J e K, e as quatro da tarde, quando finalmente saí com dor de cabeça, vontade de urinar, fome, sede, sonho, insolação e uma vontade terrível de mandar tudo para o caralho e ir dormir um mes.

Senhores, juro-lhes que um dia solicitando a permissão de saída tira a vontade de viajar de qualquer um.

Conto-lhes desde o princípio: quando o sol ainda não incendiava a praça eu cheguei na porta traseira da Imigração - já havia ultrapassado, não sem certos problemas, a porta dianteira umas semanas antes, essa em que se "solicita" o passaporte...já que de solicitação em solicitação nós vamos - e entreguei minha carteira de identidade quase no final, pois nesse momento soube que a fila havia começado as quatro da manhã. Por sorte uma divina surpresa me esperava: uma velha amiga exatamente na minha frente anunciou que ela também "solicitava", assim nos faríamos companhia mutuamente.

Antes das nove e meia já tinham todos os nossos papéis lá dentro: passaporte, carteira de identidade, carta convite e o bônus - eu melhor chamaria BONÓN - de 150 CUC ( pagos anteriormente, com ou sem a permissão de saída e devolvidos em caso de negativa). Como não há nenhum cartaz salvo o da H1N1 - ha, e um mural dos Cinco que faria Edward Munch vomitar - . Muitos dos que chegavam estavam em falta de algum papel ou não sabiam que depois das nove as carteiras não eram recolhidas, ou não tinham o BONÓN. (uma infeliz tinha o recibo porém não o BONÓN, de modo misterioso no banco não lhe haviam entregue). O mais deprimente eram os anciãos, com cajados na mão e os papéis na outra, desorientados, esmagados pela burocracia e pelo trânsito de pessoas de um lado para o outro.

As onze da manhã descobri que o banheiro estava fechado: - o público o tinha destruido - lembrou uma das de verde. As doze os trabalhadores foram almoçar até uma e meia, porém uma oficial ficou trabalhando por isso não me mexi, essa maldita sensação de que "vão me chamar agora e não vou estar"... As duas da tarde havia tanto sol que deixei de me abanar com o abanador para pô-lo em frente aos olhos. As duas e meia quase me urino toda e saí procurando um banheiro. As tres uma senhora diabética em frente a mim disse "não posso ficar sem tomar água". As tres e meia uma garota que havia marcado as quatro da manhã teve um ataque de histeria e se foi, por sorte regressou no mesmo momento. Quase as quatro me chamaram.

Uma militar muito jovem, com corrente, brinco, anel de ouro e umas unhas postiças de metro e meio me atendeu e me perguntou muitas vezes o mesmo sobre meus estudos, finalmente escreveu no meu processo: "teve aulas para dar aulas". Depois ficou obsessiva com isso de "Amizade pela Internet":

-Tenho muitos amigos pela Internet.
-Como te conectas à Internet?
-Na maioria das vezes em hotéis.
-Quais hotéis?
-Sobretudo o Cohíba e o Parque Central.
-Essa informação será verificada, se estás ocultando algo será negada tua permissão de saída.

Sorrí. De que maneira vão saber se eu me conecto num hotel ou se tenho amigos pela Internet? Nunca me pediram a carteira de identidade para comprar horas de conexão,e sobre minha correspondência privada, a não ser que hackeiem meu correio pessoal, não vejo outra forma de comprovar nada.

Depois indagou sobre minha mãe, meu pai, meu marido e por um instante suspeitei que meus cachorros Anastasia e Wicho também apareceriam em suas perguntas.

Para concluir sentenciou:

-Venha dentro de vinte dias para ver se te dão o visto de saída.
-Senhorita, dentro de vinte dias meu visto estará vencido.
-As informações tem que ser verificadas com tempo, espera aqui.

Foi-se por um momento e regressou:

-Venha na sexta-feira para saber.

Quando saí vi rostos que havia observado se distorcerem ao longo do dia. Gostaria de ter dito "adeus e sorte" à cada um, porém estava acabada. Nem olhei a garota das quatro da manhã, envergonhava-me de ter sido chamada antes dela. Umas gotas de água cairam logo, gotas grossas e poucas. Minha amiga me disse:

-Porque demoraste tanto lá dentro?
-Não sei, obrigado por me esperar, vamo-nos - e a peguei pelo braço para entramos "sem pedir permissão" debaixo da garoa.

Sexta-feira 7 de maio

Depois de uma hora soube que teria que voltar na quarta-feira seguinte. Será por acaso que coincide com dia em que devo voar?

Quarta-feira 12 de maio

Cheguei a uma e meia na imigração, cheia de pessoas como de costume. Perto das duas me chamaram - a verdade é que desta vez não posso me queixar. Contudo a voz veio de uma porta distante e não do local onde eu e todos os que esperávamos nossas permissões de saída havíamos entregue nossas carteiras préviamente.

Houve certa tensão na fila ao escutarem "Claudia Cadelo", como não tinha ideia de onde me chamavam, perguntei:

-Onde devo entrar?

Alguém me disse:

-Pergunta nessa porta, que é a adequada.

Entrei e uma militar bramiu:

-Porque abrem sem bater?
-Fui chamada.
-Ha, o teu é pelo outro lado.

Caminho para o outro lado, um homem me perguntou:

-Tu és a blogueira?
-Sim - respondi com um sorriso e com os nervos a flor da pele, pois o clima tinha se "eletrizado" claramente.

Já me esperavam na porta, depois de tantos dias de mal estar e maus tratos me pareceu claramente "não usual" a sociabilidade:

-Por favor, passe por aqui. Poderia fechar a gradinha quando entrar? Obrigado. Você não pode viajar no momento.

Saí e pude sentir a solidariedade de todos que fora esperavam serem "convocados", o rapaz que me havia perguntado se eu era blogueira me disse:

-Vivo na Espanha, sigo teu blog, não te deixes abater, que isto não te tire as forças.

-Não me tirará, obrigado.

3 comentários:

Jambalaia disse...

Lamento que tenha passado por tal provação. Lamento ainda mais pelo fato que aqui no Brasil o direito de ir e vir é algo sagrado e os que defendem tal direito são amigos pessoais de Fidel.

Praticamente nada podemos fazer para ajuda-los. Os seus blogs ao menos destruíram por completo toda a antiga visão sobre Cuba que era apresentada pelos nosso esquerdistas.

Abraços do Brasil.

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Me arrepiento de haber pasado por tal prueba dura. Lamento aún más el hecho de que en Brasil el derecho de ir y venir es algo sagrado y los que defienden esos derechos son amigos personales de Fidel.

Prácticamente nada que podamos hacer para ayudarlos. Sus blogs al menos completamente destruido toda la visión antigua de Cuba, que fue presentado por nuestro zurdos.

Abrazos desde Brasil.

Anônimo disse...

De uma forma ou de outra tu és forte, fraço são aqueles que te impedem de sair, pois cada ser humano que se passa na tua vida esta na net, e principalmente os que te fazem mal, quero ver a hora em que cuba for livre o que esse perseguidores irão fazer... Cluaida tu és uma mulher coragem e cada serguidor teu pelo mundo e alem de tudo os testemunhos da tua vida, e da tua coragem, o que os castrista menos querem e que vc possam sair de cuba, pois vcs terão que dar tanta entrevista e falar a verdade e isso eles não querem.. viva a liberdade

Anônimo disse...

Aleido Diaz Guerra entra e sai à vontade.Investigue por quê e me avise pelo blog.
¬¬ Lia