quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Do baú de recordações


Foto: Claudio Fuentes Madan

Nestes dias conversei com alguns jornalistas que me disseram que as pessoas falam do novo período especial. Por sorte ainda não escutei estes comentários arrepiantes, porém recordei alguns detalhes do que era para mim, na minha mente de menina de seis anos, o apocalipse.

Na primeira vez que escutei essas palavras estava no primário esperando pelas bolachinhas e pelo refresco do recreio, quando uma amiga me avisou desesperada que "nunca mais teríamos merenda". Com cara de tragédia - eu era uma gorda naquela época e a notícia caiu como um raio - disse um "Por que?" típico da minha idade; e a resposta, típica também, não me disse muito: "estamos no período especial".

Por uns meses "período especial" para mim foi o jejum entre o desjejum e o almoço. Com o tempo generalizei um pouco o conceito: não ter sapatos, não ter o que comer, ver minha casa arruinar-se e a minha mãe e o meu pai desesperados, este último era o mais estranho de tudo. Naqueles anos ambos eram militares e nunca os escutei fazerem comentários "diversionistas". Aguentaram estóicamente e a única coisa que conseguiram esconder de mim foi o rumor da chamada "opção zero".

Passou o tempo e chegou o ano de 94, mais confuso ainda. A explicação familiar para o evento de ver 10 balsas passarem todos os dias na frente da minha casa foi típica: uns contrarrevolucionários. O vídeo dos distúrbios no Malecón eu vi com onze anos na casa dos meus tios, enquanto todos davam suas opiniões - todos eram do partido - eu me dizia que havia algo nessas ruas de que não estavam falando. Não sei porque me deixaram vê-lo, suponho que não imaginaram que eu pudesse ler entre linhas.

Nessa época o dolar foi legalizado porém passaram dois anos para que eu pudesse ver um entrar na minha casa. No primário fiquei relegada a uma nova classe pois para mim não havia terminado o "período especial". Os meninos compravam sorvete numa loja em moeda estrangeira no lado da escola e alguns pais vendiam guloseimas na porta. Um dia cheguei em casa e disse à minha mãe:

-Mami, me dá dinheiro para comprar um sorvete no intervalo.
-Não tenho dinheiro.
-Não sejas mentirosa, trabalhas das 8 da manhã até as sete da noite. Sim, tu tens dinheiro, não queres é me dar.

Segundo minha mãe não tive resposta imediata, ainda que depois tenha preparado um pequeno discurso no qual adaptou noção de "salário em moeda nacional"; naqueles tempos o dolar estava a 120. Uns dias depois me conta que eu disse:

-Mami, já sei o que tens que fazer para que ganhes dinheiro: tens que vender doces na porta da escola.

Quando as pessoas me perguntam se quero ter filhos, este é o tipo de diálogo entre mãe-filho que me vem à cabeça e que, sem dúvidas, quero evitar.

Nota: Aldo, de Los Aldeanos, já foi libertado. O ameaçaram porém no final lhe devolveram o computador e saiu sem acusações.

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