segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O direito de dizer "NÃO" *



*Manifesto do Congresso pela liberdade da Cultura , Berlim, 1950
Tirado de "Anatomia de um mito e outros ensaios" de Arthur Koestler

1-Sustentamos que é por si mesma evidente que a liberdade intelectual é um dos direitos inalienáveis do homem.

2-Essa liberdade se define antes de tudo pelo direito do homem a sustentar e a expressar suas próprias opiniões, e em especial as opiniões que diferem das dos seus governantes. Privado do direito de dizer "NÃO", o homem se converte em escravo.

3-A liberdade e a paz são inseparáveis. Em qualquer país, sob qualquer regime, a imensa maioria das pessoas comuns teme a guerra e opõe-se a ela. O perigo de guerra se torna agudo quando o governo, ao suprimir as instituições democráticas representativas, nega à maioria o direito de impor sua vontade de paz.
Somente se pode manter a paz se cada governo se submete ao contrôle e inspeção de seus atos por parte do povo que governa, e concorda submeter todas as questões que encerram imediato perigo de guerra a uma autoridade internacional representativa, cuja decisão haverá de acatar.

4-Sustentamos que a principal razão da atual insegurança mundial é a política dos governos que, enquanto falam a favor da paz, negam-se a aceitar esse controle duplo. A experiência histórica prova que é possivel preparar e afastar guerras sob qualquer palavra de ordem, inclusive a da paz. As campanhas pela paz não respaldadas pelos atos que garantam sua manutenção são como moeda falsa posta em circulação com propósitos desonestos. A cordura intelectual e a segurança física só podem retornar ao mundo se essas práticas forem abandonadas.

5-A liberdade baseia-se na tolerância ante as opiniões divergentes. O princípio da tolerância não permite lógicamente a prática da intolerância.

6-Nenhuma filosofia política nem nenhuma teoria econômica pode pretender ter o direito exclusivo de representar a liberdade em abstrato. Sustentamos que há que se julgar o valor dessas teorias pela medida de liberdade concreta que conciliam na prática, para o indivíduo.
Sustentamos mesmo assim que nenhuma raça, nação, classe ou religião pode pretender ter direito exclusivo de representar a ideia de liberdade, nem direito a negar liberdade à outros grupos ou credos em nome de nenhum ideal fundamental ou de nenhum objetivo elevado.
Sustentamos que há que se julgar a contribuição histórica de toda sociedade pela medida e qualidade de liberdade que seus membros efetivamente gozam.

7-Em épocas de emergência, impõem-se restrições a liberdade do indivíduo em nome do interesse real ou suposto da comunidade. Sustentamos que é essencial que estas restrições se limitem a um mínimo de ações claramente especificadas; que sejam consideradas recursos provisórios e limitados, com caráter de sacrifícios; e que as medidas que restringem a liberdade estejam sujeitas a ampla crítica e ao controle democrático. Só deste modo poderemos ter uma razoável segurança de que as medidas de emergência que restringem a liberdade individual não se tornarão numa tirania permanente.

8-Nos estados totalitários, as restrições a liberdade não se propõem, nem são consideradas publicamente, como sacrifícios impostos ao povo, senão que, ao contrário, são apresentadas como triunfos do progresso e realizações de uma civilização superior.
Sustentamos que tanto a teoria como a prática desses regimes contraria os direitos básicos do indivíduo e as aspirações fundamentais da humanidade em conjunto.

9-Sustentamos que o perigo desses regimes é tanto maior quanto seus meios de se imporem superam em muito o de todas as tiranias anteriores conhecidas na história da humanidade. Do cidadão do estado totalitário é esperado - e é obrigado - não só que abstenha de delinquir, senão que conforme todos os seus pensamentos e ações a um molde indicado de antemão. Persegue-se e condena-se os cidadãos na base de acusações tão pouco específicas e genéricas como "inimigos do povo"e "elementos socialmente indignos de confiança".

10-Sustentamos que não pode haver um mundo estável com a humanidade permanecendo dividida, com respeito a liberdade, em "possuidores" e "despossuidos". A defesa das liberdades existentes, a reconquista das liberdades perdidas, (e a criação de novas liberdades) são parte da mesma luta.

11-Sustentamos que a teoria e a prática do Estado totalitário são a maior ameaça que o homem deve enfrentar no transcurso da história civilizada.

12-Sustentamos que a indiferença ou a neutralidade frente a tal ameaça equivale a uma traição a humanidade e a abdicação da mente livre. Nossa resposta a essa ameaça pode decidir a sorte do homem durante gerações.

13-(A defesa da liberdade intelectual impõe hoje uma obrigação positiva: oferecer nossas respostas construtivas aos problemas do nosso tempo).

14-Dirigimos este manifesto à todos os homens que estejam decididos a recuperar as liberdades que perderam, e a manter (e ampliar) aquelas de que desfrutam.

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