Imagen: Hamlet Lavastida, exposição agosto 2009 em galeria particular.
Ontem cheguei de Santa Clara num ônibus Yutong dos novos, com ar condicionado. A espera e a viagem poderiam ter sido perfeitas, porém lamentavelmente as instituições, as empresas e os serviços deste país, ainda que lhes injetem milhares e milhares de dólares, não podem deixar de arfar em seu agônico suplício estatal.
A uma da manhã cheguei na estação de Santa Clara, como não tinha passagem de volta (impossível comprá-la em Havana) inscrevi-me na lista de espera para o primeiro ônibus por ordem de chegada, serão chamados os que não tem passagem e ocuparão os lugares vagos que restarem.
A sala de espera estava quase vazia, uns meninos dormiam sobre as pernas de suas mães e outros cabeceavam em desconfortabilíssimos assentos de plástico, um chegou a perguntar se o designer sentia um obscuro e tortuoso ódio contra a humanidade. Surpreendeu-me poder fumar e também dormir no chão, como haviam meninos fumei fora e não me acomodei no chão porque me parecia inumano. Coloquei minha bolsa na cadeira ao lado e recostei, não era uma cama porém depois de uma hora num terminal, apoiar a cabeça é como entrar no paraíso. Por uma desgraça o paraíso terreno é só para privilegiados, chegou a CVP da sala e me despertou:
-Não podes apoiar-te na cadeira ao lado.
-Porque?
-Porque é o regulamento, se chega um inspetor me repreeende.
-Essa lei é um pouco fascista, senhora. Sabia que na STASI uma das torturas que utilizavam era não deixar os prisioneiros dormirem? Isso não incomoda o inspetor?
-Além disso não podes colocar a bolsa na cadeira ao lado, estás ocupando um lugar que é para pessoas.
-Se alguém vier a tiro, porém aqui está vazio, não creio que isto aconteça.
-Tens que tirá-la, é TRATAR MAL A PROPRIEDADE SOCIAL.
-Desculpe porém você compreeenderá que isso não é TRATAR MAL A PROPRIEDADE SOCIAL, é absurdo. Sinto muito: não vou tirá-la.
Estava segurando o riso com isso de TRATAR MAL A PROPRIEDADE SOCIAL. Já sabia que ia me custar caro discutir com uma funcionária estatal. Com estes personagens a coisa pode se tornar muito grave, ganham um salário de miséria porém tem o poder absoluto em 5 metros quadrados e o exercem com a mesma irreverência, força e abuso de poder com que viram o "Poder Absoluto Maior" aplicar a eles, um tipo de vingança, suponho.
Ficou histérica e começou a gritar, disse-me que eu não podia fazer o que me dava vontade, que se a diretora não suportava este tipo de atitude, quem eu pensava que era e que por minha culpa não lhe iam tirar a insígnia porque primeiro me matava.
-Perdão, se eu deixo minha bolsa aqui tiram a sua insígnia? Houvesse começado assim , já a tiro.
-De mim ninguém tira a insígnia! Tu tiras a bolsa porque é TRATAR MAL A PROPRIEDADE SOCIAL ou te tiro a pontapés daqui!
Segurei a gargalhada, começou a me dar um pouco de pena aquela mulher que já nem sequer preocupava-se com a carteira, mas sim em descarregar seu poder de ferir contra mim. Olhei ao redor e vi que as pessoas começavam a sorrir. Tampouco pude negar que a palhaça de uma CVP com uniforme cor de canela diarréia num terminal de ônibus as tres da manhã é o mais triste do mundo. Tratei de acalmá-la.
-Olha, já tirei a bolsa, pode acalmar-se.
-Veja bem, se te vejo tratando mal a propriedade social ou dormindo chamo a polícia e eu mesma te pego pelos cabelos e te jogo no camburão.
-Olhe, já me despertou e evidentemente não dormirei de novo, a bolsa foi tirada porque não quero que você fique sem a insígnia e por outro lado, não me ameace, não tenho medo de você nem da polícia. Além disso, quando chamar a delegacia me avisa, quero escutá-la dizer as tres da manhã que solicita uma patrulha para uma garota que tem uma bolsa na cadeira ao lado, é um delito sem paralelo na história, ficaria encantada em ouvir a resposta que lhe dará o oficial de plantão.
Foi-se, porém estava fora de si, continuou gritando por algum tempo por todo o pátio, num momento acercou-se da janela e me repreendeu:
-Acontece que eu quero é que viajes, por isso é que te deixei.
Tive que controlar-me fortemente para não responder-lhe "Eu também tirei a bolsa para te ajudar, estamos quites", porém temi que lhe desse um derrame cerebral nesse mesmo instante. O resto da madrugada passou me vigiando, acordou uns quantos mais que dormitavam na cadeira e conseguiu lá pelas cinco e meia, que metade da estação se revirasse desdenhosa no chão enquanto que os mais escrupulosos fumavam tranquilamente em seus assentos.
Ontem cheguei de Santa Clara num ônibus Yutong dos novos, com ar condicionado. A espera e a viagem poderiam ter sido perfeitas, porém lamentavelmente as instituições, as empresas e os serviços deste país, ainda que lhes injetem milhares e milhares de dólares, não podem deixar de arfar em seu agônico suplício estatal.
A uma da manhã cheguei na estação de Santa Clara, como não tinha passagem de volta (impossível comprá-la em Havana) inscrevi-me na lista de espera para o primeiro ônibus por ordem de chegada, serão chamados os que não tem passagem e ocuparão os lugares vagos que restarem.
A sala de espera estava quase vazia, uns meninos dormiam sobre as pernas de suas mães e outros cabeceavam em desconfortabilíssimos assentos de plástico, um chegou a perguntar se o designer sentia um obscuro e tortuoso ódio contra a humanidade. Surpreendeu-me poder fumar e também dormir no chão, como haviam meninos fumei fora e não me acomodei no chão porque me parecia inumano. Coloquei minha bolsa na cadeira ao lado e recostei, não era uma cama porém depois de uma hora num terminal, apoiar a cabeça é como entrar no paraíso. Por uma desgraça o paraíso terreno é só para privilegiados, chegou a CVP da sala e me despertou:
-Não podes apoiar-te na cadeira ao lado.
-Porque?
-Porque é o regulamento, se chega um inspetor me repreeende.
-Essa lei é um pouco fascista, senhora. Sabia que na STASI uma das torturas que utilizavam era não deixar os prisioneiros dormirem? Isso não incomoda o inspetor?
-Além disso não podes colocar a bolsa na cadeira ao lado, estás ocupando um lugar que é para pessoas.
-Se alguém vier a tiro, porém aqui está vazio, não creio que isto aconteça.
-Tens que tirá-la, é TRATAR MAL A PROPRIEDADE SOCIAL.
-Desculpe porém você compreeenderá que isso não é TRATAR MAL A PROPRIEDADE SOCIAL, é absurdo. Sinto muito: não vou tirá-la.
Estava segurando o riso com isso de TRATAR MAL A PROPRIEDADE SOCIAL. Já sabia que ia me custar caro discutir com uma funcionária estatal. Com estes personagens a coisa pode se tornar muito grave, ganham um salário de miséria porém tem o poder absoluto em 5 metros quadrados e o exercem com a mesma irreverência, força e abuso de poder com que viram o "Poder Absoluto Maior" aplicar a eles, um tipo de vingança, suponho.
Ficou histérica e começou a gritar, disse-me que eu não podia fazer o que me dava vontade, que se a diretora não suportava este tipo de atitude, quem eu pensava que era e que por minha culpa não lhe iam tirar a insígnia porque primeiro me matava.
-Perdão, se eu deixo minha bolsa aqui tiram a sua insígnia? Houvesse começado assim , já a tiro.
-De mim ninguém tira a insígnia! Tu tiras a bolsa porque é TRATAR MAL A PROPRIEDADE SOCIAL ou te tiro a pontapés daqui!
Segurei a gargalhada, começou a me dar um pouco de pena aquela mulher que já nem sequer preocupava-se com a carteira, mas sim em descarregar seu poder de ferir contra mim. Olhei ao redor e vi que as pessoas começavam a sorrir. Tampouco pude negar que a palhaça de uma CVP com uniforme cor de canela diarréia num terminal de ônibus as tres da manhã é o mais triste do mundo. Tratei de acalmá-la.
-Olha, já tirei a bolsa, pode acalmar-se.
-Veja bem, se te vejo tratando mal a propriedade social ou dormindo chamo a polícia e eu mesma te pego pelos cabelos e te jogo no camburão.
-Olhe, já me despertou e evidentemente não dormirei de novo, a bolsa foi tirada porque não quero que você fique sem a insígnia e por outro lado, não me ameace, não tenho medo de você nem da polícia. Além disso, quando chamar a delegacia me avisa, quero escutá-la dizer as tres da manhã que solicita uma patrulha para uma garota que tem uma bolsa na cadeira ao lado, é um delito sem paralelo na história, ficaria encantada em ouvir a resposta que lhe dará o oficial de plantão.
Foi-se, porém estava fora de si, continuou gritando por algum tempo por todo o pátio, num momento acercou-se da janela e me repreendeu:
-Acontece que eu quero é que viajes, por isso é que te deixei.
Tive que controlar-me fortemente para não responder-lhe "Eu também tirei a bolsa para te ajudar, estamos quites", porém temi que lhe desse um derrame cerebral nesse mesmo instante. O resto da madrugada passou me vigiando, acordou uns quantos mais que dormitavam na cadeira e conseguiu lá pelas cinco e meia, que metade da estação se revirasse desdenhosa no chão enquanto que os mais escrupulosos fumavam tranquilamente em seus assentos.
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